"Nem os generais apoiaram o impeachment"
Ex-presidente do Paraguai diz que ainda não desistiu de
retomar o poder e aposta no recurso apresentado à Suprema Corte
por Claudio Dantas
Sequeira
O ex-presidente Fernando Lugo ainda não desistiu de recuperar
o poder no Paraguai. E suas esperanças ganham força a cada dia de isolamento do
atual governo de Federico Franco, suspenso do Mercosul e da Unasul. “Seu
isolamento é absoluto. Ele não pode visitar nenhum país da região nem
participar de reuniões com outros presidentes. É um peso, uma condenação muito
forte. As classes políticas e empresariais começam a se dar conta disso”,
afirma Lugo. A confiança na retomada do poder ficou evidente na entrevista que
ele concedeu à ISTOÉ por telefone, na quarta-feira 11. Nela, agradeceu
penhoradamente o apoio do governo Dilma Rousseff pelas “reações rápidas e
importantes” ante o processo de impeachment. Falou dos argumentos de defesa que
não teve chance de apresentar ao Congresso e disse que há deputados arrependidos.
Para tentar anular o efeito do processo que o apeou do cargo, Lugo aposta no
recurso de inconstitucionalidade apresentado à Suprema Corte e na decisão final
da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Nem os generais paraguaios
apoiaram o impeachment”, alerta.
Enquanto acompanha o governo do lado de fora, Lugo se diz
preocupado especialmente com a iniciativa dos Estados Unidos de reabrir as
discussões sobre a instalação de uma base militar na fronteira com o Brasil. O
tema também está na ordem do dia do Itamaraty e do Ministério da Defesa
brasileiro. “Se o governo ilegítimo de Federico Franco aprovar isso, será a
entrega da soberania paraguaia”, avalia o ex-presidente.
"Se Federico
Franco aprovar a instalação de uma base militar dos EUA na fronteira com o Brasil, será a entrega da soberania"
Fotos: jorge adorno /
reuters / latinstock
Istoé - Um deputado paraguaio disse que uma delegação dos EUA
esteve em Assunção, logo após o impeachment, para discutir a instalação de uma
base militar na fronteira. Como o sr. vê isso?
FERNANDO LUGO - Se o governo ilegítimo de Federico Franco
aprovar isso, será a entrega da soberania paraguaia. A instalação de uma base
militar é resquício de um projeto colonialista. Os paraguaios não aceitam
ingerência em sua soberania, seja dos EUA, seja do Brasil ou de qualquer outro
país.
Istoé - Não é no mínimo estranho que Washington queira
rediscutir isso num momento tão sensível?
FERNANDO LUGO - Bem, não tenho informação oficial de que
alguma delegação dos EUA visitou nosso país. Não descarto a informação porque
sei que muitas dessas missões são feitas de maneira discreta, sigilosa.
Desconfio que a ideia de instalar uma base americana aqui é iniciativa de
alguns parlamentares. O deputado que falou isso, inclusive, foi criticado por
muitos colegas seus. Certamente, 99% dos paraguaios rejeitam essa base.
Istoé - Alguns setores mais radicais atribuíram o golpe aos
EUA. O sr. acha que houve alguma influência ou inspiração americana em sua
saída?
FERNANDO LUGO - É muito difícil afirmar isso. Mas há um
ditado popular muito difundido aqui na região de que os EUA sempre estão
presentes, de alguma forma, em todos os golpes. Seja atuando diretamente, seja
inspirando agentes políticos ligados à oligarquia tradicional. Creio que isso parte
de alguns grupos apenas, pois vejo os EUA como um país democrático.
Istoé - Mas o governo Barack Obama reconheceu o de Franco.
FERNANDO LUGO - Mas, depois do que vem acontecendo, eles
adotaram uma postura de cautela na OEA, por exemplo. Particularmente, acho que
o golpe foi pensado pela cúpula dos partidos tradicionais atrelado aos
interesses estrangeiros. As primeiras medidas de Franco beneficiam esses
grupos, seja na liberação de sementes transgênicas, seja na suspensão do
imposto sobre exportações de soja e outras que beneficiam as multinacionais.
Istoé - O secretário-geral da OEA, Miguel Insulza, fez um
relatório apoiando o impeachment. Isso não compromete a independência do órgão?
FERNANDO LUGO - A missão que eles enviaram aqui reuniu
bastante informação. Não creio que já exista um consenso, sobretudo agora que o
isolamento político de Franco na região está evidente. O que Insulza alegou é
que não viu violência nas ruas, protestos veementes e derramamento de sangue,
como ocorre nos golpes militares. Esse não foi um golpe militar, mas
constitucional, feito em laboratório. Nem os generais paraguaios apoiaram o
impeachment. Eu e meus colaboradores não promovemos a violência. Queremos
manifestações pacíficas, dentro da lei.
Istoé - E qual a saída? Acha que pode ser reempossado?
FERNANDO LUGO - Há dois caminhos, um jurídico e outro
político. Entramos com um pedido de inconstitucionalidade feito à Suprema
Corte. Hoje, os juízes se deram conta de que podem também virar alvo de um
julgamento político por parte do Congresso. Vamos esperar. Enquanto isso, o
governo Franco substitui muitos de nossos funcionários e inaugura obras que
foram iniciadas na nossa gestão. Acho ótimo, mas não dá para apoiar um governo
ilegítimo.
Istoé - No Brasil, ficou a impressão de que o Itamaraty
demorou para reagir e, quando o fez, acabou precipitando o julgamento.
Concorda?
FERNANDO LUGO - Absolutamente, o Brasil e outros países da
região tiveram três reações rápidas e importantes. Em primeiro lugar,
conversamos com o presidente uruguaio, Pepe Mujica, que estava no Rio de
Janeiro. Ele imediatamente se reuniu com Dilma e seus assessores e decidiram
enviar a Assunção uma missão de 11 chanceleres. Foi uma atitude importante. Em
segundo lugar, a presidenta Dilma assumiu as rédeas da reunião do Mercosul em
Mendoza e decidiu suspender o Paraguai do bloco. Em terceiro lugar, o Brasil
não reconheceu o governo Franco. Não tenho do que reclamar.
Istoé - Surgiu na imprensa a informação de que o presidente
venezuelano, Hugo Chávez, lhe ofereceu apoio militar para um contragolpe. É
verdade?
FERNANDO LUGO - Não aconteceu nada
disso, pelo menos até onde sei. Essa crise institucional no Paraguai é, antes
de tudo, um assunto interno, embora tenha repercussão internacional. Os
embaixadores, chanceleres sabem disso. Não aceitamos nem ingerência nem
sugestão. Muito menos uma ação militar.
Istoé - Como ex-bispo, os escândalos de mães reclamando a
paternidade para seus filhos macularam profundamente sua imagem na Igreja.
Hoje, muitos líderes se levantam para criticá-lo.
FERNANDO LUGO - Depende de onde vêm as críticas. Se você se
refere ao bispo Rogelio Livieres, não me preocupo. Ele não tem trajetória
pastoral, entrou pela janela, veio pelas mãos de padrinhos políticos. Sua
opinião é isolada e não conta com o apoio da cúpula eclesiástica no Paraguai.
Aliás, Livieres é suspeito de desviar fundos de Itaipu. Ele não tem
credibilidade.
Istoé - Para tentar anular o impeachment, o sr. alega que não
teve tempo para se defender. Acha, realmente, que faria alguma diferença, já
que os parlamentares estavam tão decididos a derrubá-lo?
FERNANDO LUGO - Foi um acordo político feito pelos partidos.
Eles tinham a sentença escrita antes de concluir o processo. Havia uma agenda
parlamentar, não ia mudar nada. Mas o direito de defesa é constitucional, é dos
direitos humanos, ninguém pode cerceá-lo disso. O processo teve muitas falhas e
argumentos ridículos.
Istoé - Em seu recurso judicial, o sr. lembra que outros
ex-presidentes paraguaios tiveram tempo para se defender.
FERNANDO LUGO - Exatamente. No início da década de 1930,
houve o julgamento político do presidente José P. Guiggiari, que teve três
meses para se defender. Em 2000, González Macchi também foi submetido a um
juízo político e teve três semanas para se defender. Aqui no Paraguai, qualquer
cidadão comum tem tempo suficiente para responder em processos judiciais de
toda espécie. Como um presidente da República só pode ter duas horas?
Istoé - Então, a defesa que o sr. estava preparando rejeitava
toda a responsabilidade sobre as acusações do Congresso?
FERNANDO LUGO - Em nenhum dos casos, absolutamente. A carta
de Ushuaia 2, que disseram ser uma violação à soberania paraguaia, não está em
vigência, pois não passou no Congresso. Também falaram da insegurança no país.
Desde quando um presidente é responsabilizado por medidas que devem ser
compartilhadas com Estados e prefeituras? Também me acusaram de permitir o
massacre de Curuguaty, em que morreram camponeses e policiais. Aquela ação foi
promovida com ordem judicial, acompanhamento de policiais e promotores.
Istoé - Baixada a poeira, algum deputado o procurou para
demonstrar arrependimento por ter votado pelo impeachment?
FERNANDO LUGO - De fato, alguns dos que votaram me disseram
que estão preocupados com o desenrolar dos fatos. Não mediram as consequências,
não faziam ideia da reação internacional e achavam que se fizessem rápido iria
funcionar. Agora, estão diante do isolamento, alguns estão arrependidos, sim. O
isolamento de Franco é absoluto, ele não pode visitar nenhum país da região nem
participar de reuniões com outros presidentes. É um peso, uma condenação muito
forte. As classes políticas e empresariais começam a se dar conta disso.
Istoé - O sr. reconhece que falhou em sua gestão? O impeachment
lhe traz algum aprendizado?
FERNANDO LUGO - Há, sim, muitas lições aprendidas. Sempre
respeitei a Constituição, que fala da separação entre os poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. Fui ingênuo em achar que não poderia haver
ingerência. Também aprendi que sem apoio significativo no Congresso, não há
como governar. Especialmente porque a Constituição dá muito poder aos
parlamentares, que se sentem acima de todos.
Istoé - Embora o Brasil resista a reconhecer o governo
Franco, muitos brasiguaios pressionam em sentido inverso, já que o novo
presidente prometeu ajudá-los. É uma questão complexa, não?
FERNANDO LUGO - Esse é de fato um problema muito complexo. A
começar pela nomenclatura. Os brasiguaios não existem perante o Estado
paraguaio. Eles são simplesmente imigrantes brasileiros que se estabeleceram em
território paraguaio. O acordo que fizemos com o então presidente Lula em 2010
deu todas as garantias para que eles pudessem produzir e exportar sua produção
à vontade. Não têm muito do que reclamar. E acredito também que nem todos o
façam.
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