segunda-feira, 16 de julho de 2012

FERNANDO LUGO


"Nem os generais apoiaram o impeachment" 

  Ex-presidente do Paraguai diz que ainda não desistiu de retomar o poder e aposta no recurso apresentado à Suprema Corte

 por Claudio Dantas Sequeira 

O ex-presidente Fernando Lugo ainda não desistiu de recuperar o poder no Paraguai. E suas esperanças ganham força a cada dia de isolamento do atual governo de Federico Franco, suspenso do Mercosul e da Unasul. “Seu isolamento é absoluto. Ele não pode visitar nenhum país da região nem participar de reuniões com outros presidentes. É um peso, uma condenação muito forte. As classes políticas e empresariais começam a se dar conta disso”, afirma Lugo. A confiança na retomada do poder ficou evidente na entrevista que ele concedeu à ISTOÉ por telefone, na quarta-feira 11. Nela, agradeceu penhoradamente o apoio do governo Dilma Rousseff pelas “reações rápidas e importantes” ante o processo de impeachment. Falou dos argumentos de defesa que não teve chance de apresentar ao Congresso e disse que há deputados arrependidos. Para tentar anular o efeito do processo que o apeou do cargo, Lugo aposta no recurso de inconstitucionalidade apresentado à Suprema Corte e na decisão final da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Nem os generais paraguaios apoiaram o impeachment”, alerta.
Enquanto acompanha o governo do lado de fora, Lugo se diz preocupado especialmente com a iniciativa dos Estados Unidos de reabrir as discussões sobre a instalação de uma base militar na fronteira com o Brasil. O tema também está na ordem do dia do Itamaraty e do Ministério da Defesa brasileiro. “Se o governo ilegítimo de Federico Franco aprovar isso, será a entrega da soberania paraguaia”, avalia o ex-presidente.
"Se Federico Franco aprovar a instalação de uma base militar dos EUA na fronteira com o  Brasil, será a entrega da soberania"
 Fotos: jorge adorno / reuters / latinstock
Istoé - Um deputado paraguaio disse que uma delegação dos EUA esteve em Assunção, logo após o impeachment, para discutir a instalação de uma base militar na fronteira. Como o sr. vê isso?
FERNANDO LUGO - Se o governo ilegítimo de Federico Franco aprovar isso, será a entrega da soberania paraguaia. A instalação de uma base militar é resquício de um projeto colonialista. Os paraguaios não aceitam ingerência em sua soberania, seja dos EUA, seja do Brasil ou de qualquer outro país. 
Istoé - Não é no mínimo estranho que Washington queira rediscutir isso num momento tão sensível?
FERNANDO LUGO - Bem, não tenho informação oficial de que alguma delegação dos EUA visitou nosso país. Não descarto a informação porque sei que muitas dessas missões são feitas de maneira discreta, sigilosa. Desconfio que a ideia de instalar uma base americana aqui é iniciativa de alguns parlamentares. O deputado que falou isso, inclusive, foi criticado por muitos colegas seus. Certamente, 99% dos paraguaios rejeitam essa base.
Istoé - Alguns setores mais radicais atribuíram o golpe aos EUA. O sr. acha que houve alguma influência ou inspiração americana em sua saída? 
FERNANDO LUGO - É muito difícil afirmar isso. Mas há um ditado popular muito difundido aqui na região de que os EUA sempre estão presentes, de alguma forma, em todos os golpes. Seja atuando diretamente, seja inspirando agentes políticos ligados à oligarquia tradicional. Creio que isso parte de alguns grupos apenas, pois vejo os EUA como um país democrático. 
Istoé - Mas o governo Barack Obama reconheceu o de Franco.
FERNANDO LUGO - Mas, depois do que vem acontecendo, eles adotaram uma postura de cautela na OEA, por exemplo. Particularmente, acho que o golpe foi pensado pela cúpula dos partidos tradicionais atrelado aos interesses estrangeiros. As primeiras medidas de Franco beneficiam esses grupos, seja na liberação de sementes transgênicas, seja na suspensão do imposto sobre exportações de soja e outras que beneficiam as multinacionais.
Istoé - O secretário-geral da OEA, Miguel Insulza, fez um relatório apoiando o impeachment. Isso não compromete a independência do órgão?
FERNANDO LUGO - A missão que eles enviaram aqui reuniu bastante informação. Não creio que já exista um consenso, sobretudo agora que o isolamento político de Franco na região está evidente. O que Insulza alegou é que não viu violência nas ruas, protestos veementes e derramamento de sangue, como ocorre nos golpes militares. Esse não foi um golpe militar, mas constitucional, feito em laboratório. Nem os generais paraguaios apoiaram o impeachment. Eu e meus colaboradores não promovemos a violência. Queremos manifestações pacíficas, dentro da lei. 
Istoé - E qual a saída? Acha que pode ser reempossado?
FERNANDO LUGO - Há dois caminhos, um jurídico e outro político. Entramos com um pedido de inconstitucionalidade feito à Suprema Corte. Hoje, os juízes se deram conta de que podem também virar alvo de um julgamento político por parte do Congresso. Vamos esperar. Enquanto isso, o governo Franco substitui muitos de nossos funcionários e inaugura obras que foram iniciadas na nossa gestão. Acho ótimo, mas não dá para apoiar um governo ilegítimo.
Istoé - No Brasil, ficou a impressão de que o Itamaraty demorou para reagir e, quando o fez, acabou precipitando o julgamento. Concorda?
FERNANDO LUGO - Absolutamente, o Brasil e outros países da região tiveram três reações rápidas e importantes. Em primeiro lugar, conversamos com o presidente uruguaio, Pepe Mujica, que estava no Rio de Janeiro. Ele imediatamente se reuniu com Dilma e seus assessores e decidiram enviar a Assunção uma missão de 11 chanceleres. Foi uma atitude importante. Em segundo lugar, a presidenta Dilma assumiu as rédeas da reunião do Mercosul em Mendoza e decidiu suspender o Paraguai do bloco. Em terceiro lugar, o Brasil não reconheceu o governo Franco. Não tenho do que reclamar.
Istoé - Surgiu na imprensa a informação de que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, lhe ofereceu apoio militar para um contragolpe. É verdade?
FERNANDO LUGO - Não aconteceu nada disso, pelo menos até onde sei. Essa crise institucional no Paraguai é, antes de tudo, um assunto interno, embora tenha repercussão internacional. Os embaixadores, chanceleres sabem disso. Não aceitamos nem ingerência nem sugestão. Muito menos uma ação militar. 
Istoé - Como ex-bispo, os escândalos de mães reclamando a paternidade para seus filhos macularam profundamente sua imagem na Igreja. Hoje, muitos líderes se levantam para criticá-lo.
FERNANDO LUGO - Depende de onde vêm as críticas. Se você se refere ao bispo Rogelio Livieres, não me preocupo. Ele não tem trajetória pastoral, entrou pela janela, veio pelas mãos de padrinhos políticos. Sua opinião é isolada e não conta com o apoio da cúpula eclesiástica no Paraguai. Aliás, Livieres é suspeito de desviar fundos de Itaipu. Ele não tem credibilidade. 
Istoé - Para tentar anular o impeachment, o sr. alega que não teve tempo para se defender. Acha, realmente, que faria alguma diferença, já que os parlamentares estavam tão decididos a derrubá-lo?
FERNANDO LUGO - Foi um acordo político feito pelos partidos. Eles tinham a sentença escrita antes de concluir o processo. Havia uma agenda parlamentar, não ia mudar nada. Mas o direito de defesa é constitucional, é dos direitos humanos, ninguém pode cerceá-lo disso. O processo teve muitas falhas e argumentos ridículos. 
Istoé - Em seu recurso judicial, o sr. lembra que outros ex-presidentes paraguaios tiveram tempo para se defender.
FERNANDO LUGO - Exatamente. No início da década de 1930, houve o julgamento político do presidente José P. Guiggiari, que teve três meses para se defender. Em 2000, González Macchi também foi submetido a um juízo político e teve três semanas para se defender. Aqui no Paraguai, qualquer cidadão comum tem tempo suficiente para responder em processos judiciais de toda espécie. Como um presidente da República só pode ter duas horas? 
Istoé - Então, a defesa que o sr. estava preparando rejeitava toda a responsabilidade sobre as acusações do Congresso?

FERNANDO LUGO - Em nenhum dos casos, absolutamente. A carta de Ushuaia 2, que disseram ser uma violação à soberania paraguaia, não está em vigência, pois não passou no Congresso. Também falaram da insegurança no país. Desde quando um presidente é responsabilizado por medidas que devem ser compartilhadas com Estados e prefeituras? Também me acusaram de permitir o massacre de Curuguaty, em que morreram camponeses e policiais. Aquela ação foi promovida com ordem judicial, acompanhamento de policiais e promotores. 
Istoé - Baixada a poeira, algum deputado o procurou para demonstrar arrependimento por ter votado pelo impeachment?
FERNANDO LUGO - De fato, alguns dos que votaram me disseram que estão preocupados com o desenrolar dos fatos. Não mediram as consequências, não faziam ideia da reação internacional e achavam que se fizessem rápido iria funcionar. Agora, estão diante do isolamento, alguns estão arrependidos, sim. O isolamento de Franco é absoluto, ele não pode visitar nenhum país da região nem participar de reuniões com outros presidentes. É um peso, uma condenação muito forte. As classes políticas e empresariais começam a se dar conta disso.
Istoé - O sr. reconhece que falhou em sua gestão? O impeachment lhe traz algum aprendizado?
FERNANDO LUGO - Há, sim, muitas lições aprendidas. Sempre respeitei a Constituição, que fala da separação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Fui ingênuo em achar que não poderia haver ingerência. Também aprendi que sem apoio significativo no Congresso, não há como governar. Especialmente porque a Constituição dá muito poder aos parlamentares, que se sentem acima de todos. 
Istoé - Embora o Brasil resista a reconhecer o governo Franco, muitos brasiguaios pressionam em sentido inverso, já que o novo presidente prometeu ajudá-los. É uma questão complexa, não?
FERNANDO LUGO - Esse é de fato um problema muito complexo. A começar pela nomenclatura. Os brasiguaios não existem perante o Estado paraguaio. Eles são simplesmente imigrantes brasileiros que se estabeleceram em território paraguaio. O acordo que fizemos com o então presidente Lula em 2010 deu todas as garantias para que eles pudessem produzir e exportar sua produção à vontade. Não têm muito do que reclamar. E acredito também que nem todos o façam. 

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