CUT renova direção e prevê período difícil. Se a crise
internacional afetar mais o crescimento, disputas com o patronato e a área
econômica do governo devem se acirrar
Por: Vitor Nuzzi, Revista do Brasil
A CUT surgiu há 29 anos, ainda na ditadura, e conviveu a
maior parte do tempo com governos hostis ou pouco receptivos ao movimento
sindical. E chega a seu 11º Congresso Nacional, o Concut, agora em julho, em
situação distinta: com um governo que ajudou a eleger pela terceira vez seguida
(duas com Lula e uma com Dilma), com as centrais sindicais legalmente incluídas
na estrutura sindical brasileira desde 2008 e com um ambiente mais propício à
negociação. Mas não se livrou das tensões internas, nem “chegou ao poder”, como
afirmaram algumas vozes mais ácidas, embora a relação seja efetivamente
diferente na comparação com, por exemplo, os anos FHC.
Para o presidente da CUT até o congresso, Artur Henrique, no
período recente a central consolidou sua plataforma, em um contexto de “disputa
de um modelo de desenvolvimento que coloque o trabalho no centro do debate”.
Disputa que ora aproxima, ora distancia a entidade do governo – e não pode
distanciá-la da base, ou seja, os sindicatos. “Continuamos tendo postura de
independência em relação ao governo”, afirma Artur, citando a greve nas
universidades federais e dados do Dieese sobre paralisações no setor público.
“Em todas as greves do governo Lula, a CUT estava à frente. Mas não ficamos em
cima do muro e com medo de apoiar as medidas que são favoráveis aos
trabalhadores.”
Ele rebate argumento de parte do movimento sindical de que
uma suposta aproximação do poder enfraqueceria a entidade. E lembra que, dos
sindicatos filiados a alguma central, 46% estão ligados à central. “Se essa
tese fosse real, a CUT perderia representatividade.”
Secretário de Finanças até o momento do congresso, Vagner
Freitas vê uma trajetória coerente da central em relação ao que considera um
dos principais desafios do sindicalismo nas últimas décadas: o enfrentamento ao
neoliberalismo, “à ordenação econômica voltada para o mercado e desinteressada
das pessoas”, como define. “Sabemos as dificuldades que tivemos no governo
Fernando Henrique. Era uma relação de enfrentamento de classe. Hoje continuamos
independentes de governos, mas sabemos reconhecer que há momentos em que nosso
projeto é posto em prática”, avalia. “A grandeza de uma central se vê pela
capacidade de avaliar a conjuntura. A CUT defende os projetos políticos para a
classe trabalhadora. Se isso coincidir com alguma política de governo, melhor.”
O sindicalista – indicado pelas principais correntes dentro
da CUT para presidir a central nos próximos três anos –, teme se aproximar um
período de cenário desfavorável, uma vez que, sob impacto da crise mundial, o
crescimento da economia brasileira segue em ritmo desacelerado. “Se a economia
crescer menos, as políticas devem levar em conta os trabalhadores. Vamos ter
muita disputa na sociedade”, afirma Vagner. Para ele, a base de sustentação do
governo Dilma é mais conservadora do que em relação a Lula, ainda que o governo
atual mantenha as políticas do anterior. “Precisamos estabelecer o nosso papel.
Serão três anos de intensa agenda sindical, de mobilização, mas também de
diálogo.”
Em débito
Artur destaca a importância das chamadas contrapartidas
sociais nas discussões com governo e empresários. “Quando se discute modelo de
desenvolvimento, isso (PIB) é apenas parte do problema. Estamos falando de
políticas públicas, políticas sociais, combate à miséria, salário mínimo. Não
basta criar empregos, é preciso discutir a qualidade desses empregos.”
Ele critica o que chama de “visão restritiva” na área
econômica do governo, de olhar apenas para os indicadores e não se preocupar
com questões como a rotatividade do mercado de trabalho e a terceirização – sem
contar o corte nas despesas. “Investimento não é gasto, servidor público também
não.” Do mesmo modo, faz ressalvas às recentes medidas de desoneração, em
tentativas de estimular a economia. “Não acreditamos que desonerações pontuais,
para determinados setores, deem resultados a médio e longo prazo.”
Segundo Artur, o governo é “ágil no atendimento de
determinadas demandas do setor empresarial”, enquanto questões relacionadas à
pauta sindical ainda emperram no Executivo e no Legislativo. Ele acrescenta
que, desde o início de seu mandato, a CUT já apontava a necessidade de reformas
política, tributária e agrária. “A concentração de renda continua elevada e o
país, muito desigual. Estamos diante de uma disputa de projetos, não pode haver
retrocesso.”
Quanto à relação com outras centrais, Vagner admite
divergências, principalmente relacionadas à concepção de estrutura sindical
“arcaica, carcomida pelo tempo”, mas acrescenta que isso não impedirá a
realização de manifestações conjuntas. “Nosso enfrentamento é com o patrão, com
o capital, e com políticas de governo que não são interessantes para nós.” Para
ele, a CUT também deve dar atenção à massa de brasileiros integrados à economia
de mercado nos últimos anos e ao crescimento da chamada classe média.
“Precisamos ter a capacidade de entender as necessidades dos trabalhadores para
representá-los corretamente.”
Para os cutistas, o Estado deve ser fomentador da economia.
“Inclusive regulando”, observa Vagner. “Ficou claro que aquela ideia da década
de 1990, de Estado mínimo, não funcionou. Nós, que fomos chamados de
dinossauros, desinformados, estávamos alertando que aquele capitalismo virtual
nada tinha a ver com uma sociedade justa. Emprego, educação pública, saúde
pública não são ativos mercadológicos.”
Em tese apresentada em 2009 no Departamento de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(USP), Mario Henrique Guedes Ladosky abordou a relação entre a CUT e o governo
Lula. Ele observa que a central passou pelo mesmo processo ocorrido em outros
países e épocas. “Sempre há tensão sobre o papel do movimento sindical quando
um partido de origem operária chega ao poder.”
Mas se trata de um governo não exclusivamente de esquerda,
sujeito a pressões que levam a medidas nem sempre de acordo com as expectativas
do movimento sindical. Assim, há avanços e resistências. “É a situação que vai
exigindo respostas que têm de ser dadas naquele momento”, afirma Ladosky.
“Mudou a estratégia, não a concepção.”
Ele vê três fases distintas no processo de consolidação da
central. A primeira, nos anos 1980,
mais “conflitiva”, com maior presença em oposições sindicais, ainda com regime
autoritário e inflação elevada. A segunda, mais concentrada nos anos 1990, de
inflexão, tentativa de resistência ao neoliberalismo e defensiva em um contexto
de desemprego mais elevado, com maior presença institucional mesmo em cenário
mais adverso. Por fim, após 2002, uma fase mais favorável do ponto de vista
econômico e político para se pôr em ação uma estratégia mais “contratualista”,
de negociação.
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