Delúbio Soares (*)
O Mercosul nasceu em 1991 por iniciativa do Brasil e da
Argentina, com as imediatas adesões do Uruguai e Paraguai. Ele foi a
consolidação de um anterior “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento”,
celebrado entre os governos brasileiro e argentino em meados de 1988, onde se
fixava como meta o estabelecimento de um organismo de regulação comercial,
regional e multilateral, que congregasse os países do Cone Sul.
Tentativas anteriores, com escasso êxito, já haviam sido
impulsionadas. No início dos anos 60 a ALALC (Asociación Latino-Americana de
Libre Comércio) nasceu de um tratado de integração entre países do continente,
visando a flexibilização das regras e normas legais e alfandegárias, possibilitando
um intercâmbio comercial mais intenso, fluído e produtivo, eliminando barreiras
e vencendo fronteiras. Nos anos 80 a ALADI (Asociación Latino-Americana de
Integración) foi formada em substituição à ALALC e com alguns inovadores
instrumentos para a dinamização dos velhos anseios do estabelecimento de um
mercado comum em nossa região. Brasil e Argentina – sempre encabeçando os
esforços – assinaram a “Declaração de Iguaçú”, que determinou a formação de um
grupo bilateral de estudos que possibilitasse a celebração de diversos acordos
comerciais, avançando bastante em direção ao tão sonhado Mercosul. E assim foi
feito.
Mas foi na capital paraguaia, em 1991, que os quatro
parceiros inauguraram o “Mercado Comun del Sur”, o Mercosur. Através da
assinatura do “Tratado de Asunción”, determinou-se uma aliança comercial
visando dinamizar a economia regional, movimentando entre si mercadorias,
pessoas, força de trabalho e capitais. Inicialmente foi estabelecida uma zona
de livre comércio, em que os países signatários não tributariam ou
restringiriam as importações mútuas. Sem dúvidas, um imenso progresso para as
atividades econômicas e o desenvolvimento do Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai, os países membros pioneiros da
aliança estratégica. Logo, Chile e Bolívia passariam a integrar o novo
organismo na qualidade de associados.
A partir de 1 de janeiro de 1995, esta zona converteu-se em
união aduaneira, na qual todos os signatários poderiam cobrar as mesmas quotas
nas importações dos demais países (tarifa externa comum). Experiência inédita,
ela significou imenso aporte às economias integrantes, com a possibilidade de
as empresas de cada país ampliarem seus raios de ação, aumentando as vendas em
mercados diversificados e crescentes.
O Mercosul enfrentou alguns percalços que merecem registro. O
Chile, hoje em fase final do processo de entrada como integrante pleno,
precisou resolver problemas de disputas territoriais com a Argentina. Algumas
nações latino-americanas deixaram patente suas aspirações à integrarem a futurosa
aliança, mas somente a Venezuela levou adiante os delicados procedimentos
diplomáticos e jurídicos para tal inserção. Há uma exigência nos atos
constitutivos do Mercosul, segundo a qual os parlamentos de cada país
integrante dem aprovar a entrada de um novo sócio. Desnecessário dizer que os
critérios de alguns legislativos possam ser mais políticos do que comerciais,
atendo-se mais à questiúnculas da política nativa do que aos interesses maiores
de desenvolvimento econômico, social e de integração continental.
Havia outro ponto, saliente e delicado, que emprestava
evidentes dificuldades ao Mercosul. A ausência de uma instância superior e
disciplinadora, que dirimisse disputas e normatizasse as relações
multilaterais. Ela, porém, foi sanada com o estabelecimento do Tribunal
Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul, pondo fim à insegurança jurídica
então existente no nascedouro do bloco comercial. Ele passou a atuar em 2004,
por ação direta do governo do presidente Lula, transformando-o em realidade e tirando
do papel o que havia sido pactado em 2002, no Protocolo de Olivos. A sede do
tribunal é Assunção, a bela capital do Paraguai, e seu objetivo tem sido
plenamente atingido.
Se comparado aos outros mercados comuns internacionais, o
Mercosul ainda é razoavelmente pequeno. Mas suas possibilidades de crescimento
são impressionantes, tanto pela importância estratégica da região quanto pelo
alto grau de sofisticação das empresas dos países parceiros, além, é óbvio, do
desenvolvimento econômico-social de cada um deles. A união aduaneira, o
estabelecimento de uma imensa zona de livre comércio no hemisfério sul, a
capacidade de entendimento transnacional e de convergência em afinidades e
objetivos comuns, já demonstram a invulgar importância do organismo e a imensa
viabilidade de suas ambiciosas metas.
Boicotado sem a menor cerimônia durante os oito anos do
governo de Fernando Henrique Cardoso, quando nossa chancelaria desdenhou
flagrantemente de suas grandes e evidentes possibilidades de êxito e do crescimento da economia regional,
atualmente o Mercosul é considerado como um dos principais pólos internacionais
de investimentos. Os países que o integram ocupam uma área total de
aproximadamente 12 milhões de quilômetros quadrados, equivalente a quatro vezes
o tamanho da União Européia. Além disso, o Mercosul representa, também, um
invejável mercado potencial de quase 300 milhões de habitantes e um PIB de mais
de US$ 1 trilhão, colocando-se entre as quatro maiores economias do mundo,
ficando abaixo, somente, da Nafta, da União Européia e do Japão.
As indústrias automobilística (36%), da construção e do
comércio (12%), química e farmacêutica (11%), metalúrgica (9%), alimentos e
bebidas (9%), elétrica e eletrônica (6%), encontraram na união entre os países
da nova, crescente e audaciosa aliança comercial, um potencial mercado que se
agiganta ano após ano, com sabidas possibilidades de negócios e interessantes
desafios a serem enfrentados e vencidos.
A posição do Brasil, aliado à Argentina e ao Uruguai, fazendo
valer a cláusula democrática constante na criação do Mercosul e suspendendo o
Paraguai – país irmão e respeitado por todos nós – por conta de lamentáveis
acontecimentos que feriram sua vida democrática, é mais do que justificável: é
absolutamente correta. Não podemos conviver com simulacros de democracia sob
qualquer pretexto, além da obrigação que temos de defender o valor do voto
popular, do sistema democrático de governo e a investidura dos governantes por
ele consagrados.
O Mercosul é, indiscutivelmente, um dos pilares sobre os
quais se alicerça o futuro de uma das mais promissoras regiões do mundo, com
impressionantes potencialidades e uma gente onde o talento, a disposição para o
trabalho e a capacidade criativa não são figuras de retóricas, mas apenas a realidade
da nova, promissora e exuberante fronteira do amanhã.
(*) Delúbio Soares é
professor
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