A definição da data inicial do julgamento do mensalão pelo
Supremo Tribunal Federal teve um gostinho de vitória para as famílias Marinho,
Civita, Frias e Mesquita, bem como para o PSDB e o DEM. A aliança entre esses
impérios de comunicação e partidos políticos tateia, há quase uma década, em
busca de um feitiço que lhe permita recuperar o poder perdido.
De 2002 para cá, ainda que tenha conservado o poder de
interferir na agenda pública, a direita midiática perdeu o poder sobre a
definição de políticas públicas e de utilização de verbas. Com isso, apesar da
manutenção da influência, na prática o que partidos e órgãos de imprensa
perderam foi, simplesmente, dinheiro.
Em termos eleitorais, o julgamento do mensalão é uma benção
para essa força política decadente. É possível sonhar com uma devastação
eleitoral e de imagem não só do PT, mas, sobretudo, de Luiz Inácio Lula da
Silva, que, nos últimos dez anos, converteu-se no carrasco das forças
conservadoras ao, não se limitando a vencer eleições, gerar vitórias eleitorais
de seus correligionários.
Contudo, por mais que a marcação da data do julgamento do
mensalão revele suscetibilidade do STF às pressões midiáticas, existe uma
possibilidade imensa de a vitória de hoje se transformar em derrota amanhã.
Isso porque o julgamento inteiro do mensalão depende da condenação inequívoca
de um só dos seus 38 acusados: José Dirceu.
Se os outros 37 réus forem condenados e Dirceu for absolvido,
mídia, PSDB e DEM terão sido derrotados. E o que é pior: ressurgirá no cenário
político aquele que deveria ser hoje o presidente da República se não tivesse
tido os seus direitos políticos cassados.
Por alguma razão que ainda não ficou muito clara, a direita
considera Dirceu muito “pior” do que Lula para si. Guerrilheiro de décadas
atrás, treinado em combates físicos em Cuba, era e continua sendo considerado o
grande artífice da remodelação ideológica que levou o PT ao poder.
Um José Dirceu reabilitado politicamente aos 66 anos
significaria, também, possibilidade concreta de ele assumir algum importante
cargo público no governo Dilma Rousseff ou, por exemplo, eleger-se senador por
São Paulo em 2014, voltando a influir decisivamente na política.
Não se engane, leitor: poder para Dirceu significaria, sem
sombra de dúvida, uma ameaça às famílias midiáticas. Conforme o ex-ministro de
Lula declarou mais de uma vez, a grande agenda do Brasil nos próximos anos será
a diluição da concentração de poder em mãos de meia dúzia de famílias
controladoras de impérios de comunicação. Essa declaração jamais será
esquecida.
Dirceu, hoje, é tratado como culpado pela mídia e pelos
adversários políticos declarados. Não se encontrará um só texto jornalístico da
grande imprensa em que se conceda a ele a realidade, ou seja, de que continua
inocente até que seu processo tenha transitado em julgado. O que seus inimigos
políticos fariam da vida se ele fosse absolvido?
Podem condenar os outros 37 réus, portanto. Se Dirceu for
absolvido, o que Globo, Folha, Estadão e Veja disseram antes será alvo de
desmoralização e a sensação de vitória do PT e de Lula será inevitável. Caso
contrário, o maior partido e o maior líder político brasileiros dividirão a
derrota com os condenados e os prejuízos político-eleitorais entre si.
A boa notícia para Lula, para o PT e para o próprio Dirceu é
a de que, à luz do melhor direito, inexiste uma só prova contra esse político
controverso. Mesmo se for culpado – o que ninguém pode confirmar ou negar –, se
houver um julgamento justo ele terá que ser absolvido.
Se isso não ocorrer, José Dirceu terá sofrido condenação
política por um tribunal que deveria se pautar estritamente por critérios
técnicos.
Eis, portanto, o dilema em que se debaterá o Brasil em pleno
processo eleitoral. A condenação de Dirceu seria um verdadeiro estupro do
Estado de Direito que transformaria o Brasil em uma ditadura midiática em que
inimigos de meia dúzia de famílias podem ser linchados. Já sua absolvição
contra todas as pressões, consolidará a democracia no Brasil.
Não é pouco o que está em jogo neste ano.
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