domingo, 10 de fevereiro de 2013

Cláudio Fonteles: “O sistema da ditadura era brutal e assassino”



 “A comissão é responsável por manter acesa a chama para a construção de uma sociedade democrática”, afirma Fonteles. Foto: Iano Andrade/D.A Press

Cláudio Fonteles se despede da coordenação da Comissão Nacional da Verdade na sexta-feira 15. Em um ano, o ex-procurador-geral da República divulgou 14 informações relevantes sobre os crimes da ditadura. A mais recente, a comprovação do assassinato nas dependências do DOI-Codi do deputado Rubens Paiva.
 “A comissão é responsável por manter acesa a chama para a construção de uma sociedade democrática”, afirma ele em entrevista a CartaCapital. Segundo Fonteles, achar documentos foi mais fácil do que se imaginava. Só o Arquivo Nacional tem em seu poder 16 milhões de papéis do período. Os próximos passos da investigação, diz, são a Guerrilha do Araguaia e a morte de Juscelino Kubtischek. Confira os principais trechos da entrevista:
CartaCapital: Como o senhor avalia o trabalho da Comissão da Verdade?
Claudio Fonteles: A missão da comissão é envolver a sociedade nesta tarefa. Estivemos em vários estados e incentivamos a criação de comissões estaduais e municipais, além de comitês da sociedade civil, porque eles vão existir para sempre. E a ideia é formar uma grande rede permanente de proteção da democracia, que começa a se estabelecer do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Além disso, entre outras coisas, conseguimos que a Justiça reconhecesse a causa da morte de Vladimir Herzog como tortura nas dependências do DOI-Codi e enviei ofícios a governadores para que transformem os locais caracterizados como prédios da morte em espaços de memória e debate.
CC: Quais têm sido as maiores dificuldades?
CF: Não foi tão difícil achar documentos. Até me espantei. Todos os textos que produzi são frutos de pesquisa no Arquivo Nacional, com prova documental produzida pelo Estado ditatorial por meio de materiais até então secretos. No Arquivo, segundo estimativas, há um acervo de pesquisa sobre este período de cerca de 16 milhões de documentos. A Comissão vai acabar e não vamos conseguir olhar tudo. É vital que os brasileiros mergulhem neste conhecimento. Há um cabedal de informações que ficará para a exploração durante anos e anos.
CC: Com tanto para analisar o tempo dado à comissão foi curto? 
CF: Se pensarmos na comissão como um motor propulsor da cidadania, de incentivar todas as outras comissões que não têm prazos, então o tempo está correto. Temos trocado informações com as comissões locais, recebido e enviado documentos a elas. Ao se falar em uma perspectiva micro, de querer resolver pontualmente tudo em dois anos, aí não daria.
CC: O acesso a documentos em poder de órgãos militares tem sido difícil?  
CF: Esses órgãos possuem sim documentos, mas o Serviço Nacional de Informação (SNI) entregou ao Arquivo uma enorme quantidade de material. Esse acervo não tem apenas a produção do SNI, porque o Estado ditatorial era como um polvo negro com tentáculos. A sua cabeça era o Sistema Nacional de Informações (Sisni), alimentado por outros órgãos de informação como o SNI, CIE, Cenimar e Cisa.  Então há um mosaico no Arquivo Nacional. O Ministro da Defesa deve enviar a documentação do Estado-Maior das Forças Armadas até o final deste mês. A Petrobrás também acabou de encontrar material e vai digitalizar antes de encaminhar.
CC: Quais são os casos de desaparecimento mais misteriosos da ditadura?
CF: Não citaria um caso, mas o sistema, que choca profundamente. Mergulhado na minha pesquisa, vejo como ele é brutal, assassino, como viola brutalmente os direitos da pessoa humana.
CC: Quais casos estão sendo investigados ou devem ser em breve?
CF: Agora começarei a trabalhar na Guerrilha do Araguaia, já tenho a documentação. Também temos que investigar o caso de Juscelino Kubitschek porque recebemos um pedido formalizado da OAB de Minas Gerais. Estamos estudando e até o final do primeiro semestre é provável que se apresente algo.
CC: O senhor liberou um texto que afirma que Rubens Paiva foi morto nas dependências do Exército. É possível chegar a esse nível de certeza sobre outros desaparecidos?
CF: Em alguns casos, encontro dificuldades. Não consigo chegar à exatidão porque ainda não há elementos para consolidar. Apoiar-se também nos depoimentos de audiências públicas é um pouco difícil, pois tudo está diluído, há referências a um fato e não à pessoa. Não há uma exatidão fática. Alguns casos ainda estão nas sombras.



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