Yoani Sanchez e Frank de La Rue. Dois personagens que
protagonizaram fatos distintos recentemente no Brasil, mas que fazem parte de
um mesmo contexto: a liberdade de expressão. Os dois estiveram no país, e esse
foi o assunto que permeou a passagem de ambos por aqui. Mas os holofotes da
grande mídia não foram iguais para os dois. Na verdade, nada que lembre uma
cobertura equilibrada e imparcial, como exigem as regras do bom jornalismo.
Vejam o porquê!
Yoani Sanchez é uma jornalista e blogueira cubana que ganhou
fama em todo o mundo por criticar, através de seu blog, o regime político de
Cuba, que, para a dissidente, não é democrático e não respeita a liberdade de
expressão das pessoas. Em sua visita ao Brasil durante a última semana, foi
recebida com pompas de chefe de Estado, inclusive no Congresso Nacional. Nas
cidades onde participou de eventos, ouviu vaias e aplausos, o que a fez
acreditar que no Brasil existe liberdade de expressão para todos.
Na grande mídia tupiniquim, não faltou espaço para blogueira
da ilha caribenha de Fidel Castro. Yoani Sanchez foi destaque em inúmeras
"reportagens" na TV, no rádio, nos portais de notícias e nos jornais.
Em quase todas as aparições dela na grande mídia, o mesmo enfoque: a falta de
democracia e liberdade de expressão em Cuba e a presença destes no Brasil. Em
síntese, os grandes veículos de comunicação adotaram e incorporaram, em
uníssono, o discurso anticomunista e liberal da jornalista cubana.
Agora, muda-se o fato e a repercussão da grande mídia, mas
não o assunto. Em dezembro do ano passado, o Brasil recebeu a visita do relator
especial para promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão
da ONU, Frank de La Rue, que veio a convite da campanha Para Expressar a
Liberdade, conduzida por movimentos que lutam pela democratização da
comunicação no país. Ele participou de debates com segmentos da sociedade civil
organizada e também se encontrou com importantes autoridades públicas, em
Brasília.
Mas ao contrário da companheira latino-americana, a passagem
do relator guatemalteco pelo Brasil não logrou, nem de longe, o mesmo destaque
nas manchetes dos jornalões* e nas chamadas de grandes emissoras de rádio e TV,
veículos estes controlados por um punhado de empresários que mandam na difusão
da informação e das ideias no país. Mas não foi à toa que La Rue, mesmo
representando um organismo da relevância que tem a ONU, ficou no subterrâneo da
repercussão midiática.
O relator especial da ONU veio ao Brasil para falar sobre um
tema que a grande mídia comercial daqui tem total aversão: a liberdade de
expressão. Na verdade, a carência dela em nosso país. Fato este causado
justamente, segundo o relator, pela enorme concentração da propriedade dos
meios de comunicação em mãos de poucas pessoas. Ele elogiou a nova legislação
da mídia na Argentina (a Ley de Medios), pois acredita que ela combate o
monopólio da comunicação naquele país e amplia o acesso aos meios para
segmentos da sociedade até então marginalizados; e criticou o poder que a mídia
comercial tem no Brasil, em detrimento dos meios públicos e comunitários, e
afirmou que a liberdade de expressão só existe num ambiente onde tenha
pluralidade de vozes e diversidade de meios.
Enfim, Frank de La Rue falou tudo o que os "donos da
mídia" têm horror de ouvir e de noticiar: que ao contrário do que a
blogueira pop star cubana disse repetidas vezes em cada aparição dela nos meios
de comunicação, no Brasil a liberdade de expressão não é garantida para todos!
Talvez Yoani Sanchez não saiba, mas no Brasil, o Estado é
coautor dessa realidade. Basta verificar quanto o Governo Federal gasta com
dinheiro público em publicidade oficial nos grandes meios de comunicação. Cerca
de 70% desses recursos vão para os cofres de apenas 10 veículos, segundo
informações divulgadas recentemente. E a maior beneficiária é a Rede Globo de
Televisão. Ou seja, o Estado brasileiro patrocina aqueles que restringem o
direito à liberdade de expressão de cidadãos e cidadãs por deterem o controle
de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV por todo o país, editoras,
portais de internet, canais de TV paga, enfim, de todos os meios possíveis, e
por não darem espaço ao contraditório, à pluralidade de opiniões.
Enfim, meios fundamentais para que a sociedade possa
expressar, publicamente, suas ideias e opiniões, mas que são utilizados para
dar ampla repercussão aos fatos que melhor atendem aos interesses privados e
ideológicos de grupos empresariais. Se a blogueira cubana fizesse uma rápida
leitura do que foi publicado e exibido durante a sua visita e a do relator da
ONU ao Brasil, talvez não retornaria para casa com a mesma impressão sobre o
país.
*Uma das raras exceções foi a entrevista publicada pelo
jornal Folha de S. Paulo, sob o título Brasil pode criar um novo modelo de
mídia latino-americano, diz relator da ONU.
Posted by Vilson Vieira Jr.
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