Discípulo de Antônio Fernando Souza, autor da denúncia
inicial do chamado mensalão, em 2007, o procurador mineiro José Adércio Leite
Sampaio tornou-se um homem de confiança de Roberto Gurgel, e o depoimento de Marcos
Valério contra o ex-presidente Lula pode acabar parando nas mãos dele; hábil
politicamente, Adércio já recebeu medalhas do governo mineiro e não será
surpresa se Lula vier a ser denunciado
247 - Depois de dizer que o depoimento em que o empresário Marcos
Valério envolve o ex-presidente Lula diretamente com o suposto esquema do
mensalão seria encaminhado para o Ministério Público Federal em São Paulo, o
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mudou de ideia e enviou as
acusações a Minas Gerais. O procurador-geral justificou a mudança de ideia
dizendo que tramitam na Justiça mineira outros processos referentes ao esquema.
Mas a decisão talvez tenha outro componente: um dos procuradores que irá
investigar o caso, José Adércio Leite Sampaio, é pessoa de total confiança de
Gurgel – e não será surpresa se o ex-presidente vier a ser denunciado.
Leia, abaixo, reportagem da revista Istoé deste fim de
semana, que trata do caso:
Os homens que vão investigar Lula
Quem são os procuradores federais responsáveis pela apuração
das acusações de Marcos Valério contra o ex-presidente
Josie Jerônimo
Desde a quinta-feira 14, o procurador Leonardo Augusto Santos
Melo, 36 anos, encontra-se no centro de um furacão político. Caberá a ele,
escolhido por sorteio, a tarefa de examinar as seis peças de acusação reunidas
pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, contra o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Sem prazo definido para desincumbir-se do trabalho,
Santos Melo, que está há nove anos no Ministério Público Federal de Minas
Gerais, terá a palavra inicial sobre o caso. Pode pedir o indiciamento do
presidente pelo crime de tráfico de influência, como admite a documentação de
Gurgel. Ou escolher outro caminho, mandando arquivar o processo. Caso decida
encerrar o caso, a decisão não será definitiva, pois há a possibilidade de
outro procurador pedir que o processo seja reaberto e examinado mais uma vez.
Ainda que o estatuto do Ministério Público garanta autonomia
plena a cada procurador, que não obedece a nenhuma hierarquia em seu trabalho,
Santos Melo não estará sozinho em sua tarefa. Ele será acompanhado pelo Núcleo
do Patrimônio Público e Social do Ministério Público Federal de Minas, composto
por quatro procuradores. Um deles é Adailton Ramos do Nascimento, procurador-geral
do Estado, que tem poderes para discutir os rumos da investigação e mesmo
indicar procuradores para auxiliar no trabalho. Definido pelo deputado Mauro
Pestana (PSDB-MG) como um "homem ponderado," Ramos do Nascimento já
foi acusado de engavetar uma investigação sobre tráfico de órgãos, numa
iniciativa que terminou por proteger um deputado tucano.
Outro personagem que em breve estará por perto da instituição
que vai investigar Lula é o procurador José Adércio Leite Sampaio. Discípulo de
Antônio Fernando Souza, autor da denúncia inicial do mensalão, em 2007, Sampaio
tornou-se um homem de confiança de Roberto Gurgel. Bem relacionado na política
de Minas, sua terra natal, ele recebeu do governador Antonio Anastasia a
medalha da Inconfidência, a mais alta condecoração do governo do Estado. Com
tanto poder de influência, Sampaio é o nome mais temido pelo círculo de
advogados e juristas próximos de Lula e do PT, que enxergam nesta investigação
um esforço dos adversários para manter o ex-presidente nas cordas pelos
próximos anos.
Formuladas pelo publicitário Marcos Valério, principal
operador do mensalão, as denúncias contra o ex-presidente Lula são variadas. O
tesoureiro disse, em depoimento oficial, que em 2003 entregou R$ 98 mil a um
segurança de Lula, Freud Godoy, para auxiliar no pagamento de despesas da
família presidencial. Também afirmou que na mesma época fez uma reunião de três
minutos com Lula, no Planalto, onde o presidente deu "OK" aos
empréstimos bancários destinados ao PT. "Não posso responder a uma
mentira", reagiu Lula, ao tomar conhecimento das denúncias.
A intimidade de Marcos Valério com o esquema financeiro
teoricamente lhe dá condições para dizer o que disse. Por isso, a investigação
é necessária – é do interesse público que tudo reste esclarecido. Mas, de outro
lado, as circunstâncias são complicadas. Em sete anos de processo, Valério
sempre fez silêncio sobre qualquer envolvimento de Lula. Mudou de postura
quando já não tinha como se defender num tribunal onde foi condenado a 40 anos
de reclusão, sem falar no que pode lhe acontecer no mensalão mineiro. Nesta
situação, a delação premiada é a última esperança para Valério livrar-se da
cadeia. Caso seja aceito num programa de proteção a testemunhas, contará com
proteção do Estado. Ganhará nova identidade e passará a residir anonimamente em
local desconhecido. Esse benefício tão grande obriga considerar os dois lados
da moeda: tanto a possível veracidade dos fatos que Valério descreve, como o
eventual interesse dele em incriminar Lula de qualquer maneira.
A investigação sobre o mais popular político brasileiro
ocorre num momento particularmente delicado. O calendário político marca uma
nova campanha presidencial, no ano que vem. Em 2013, Roberto Gurgel estará
empenhado, ao longo do primeiro semestre, em fazer o sucessor num processo que
começa pela indicação de três nomes numa lista tríplice. Embora a influência de
Gurgel entre a maioria dos procuradores federais seja reconhecida até pelos
adversários, a palavra final pertence à presidenta Dilma Rousseff.
Cabe a ela, por lei, indicar o nome do procurador-geral a ser
sabatinado pelo Senado. A presidenta pode escolher o mais votado, prática que
Lula instituiu e a própria Dilma repetiu ao indicar Gurgel em 2009. Mas ela
pode agir como o governador Geraldo Alckmin, que preferiu o segundo colocado em
São Paulo. Ou mesmo pinçar um nome que lhe pareça mais indicado, sem ligar para
a escolha dos procuradores, como fez FHC com Geraldo Brindeiro, o procurador
que entrou para a história como o engavetador da República.
Sintonia Fina
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