Delúbio Soares (*)
O Nordeste brasileiro serviu durante muitíssimo tempo para a
manutenção de uma estrutura social cruel, uma distribuição de renda injusta, a
deplorável “indústria da seca”, além do constante fortalecimento de oligarquias
medievais responsáveis pelo atraso secular da região.
Visto com os olhares preconceituosos de um sul “maravilha”,
rico e esnobe, o Nordeste era bom provedor de mão-de-obra barata, lugar
longínquo e dotado de praias atrativas e pessoas cordatas. Ou muito pouco mais
que isso.
A elite do sudeste e do sul – arraigada em seus preconceitos,
reconhecidamente mesquinha e nada disposta a integrar o Brasil ou aceitar as
peculiaridades regionais, as identidades culturais de cada Estado da Federação
e a valorizar os nossos milhões de irmãos da Bahia ao Maranhão – se esmerou em
manter a situação dramática de desigualdade e pobreza. Teve, nesse mister
tenebroso, o auxílio luxuoso de chefetes políticos provincianos e das
oligarquias econômicas e sociais dos rincões nordestinos.
Josué de Castro, uma das grandes figuras de nossa história,
retratou em todo o seu vasto e profundo trabalho, especialmente na insuperável
“Geografia da Fome”, a realidade abjeta de uma região potencialmente rica e
futurosa onde milhões de pessoas morreram vítimas da fome ao longo dos anos,
tão vitimadas pela seca inclemente quanto pela estrutura social perversa. E as
crianças mortas no ápice das secas, enterradas com “anjinhos” pelas sofridas
família, eram – isso, sim – o mais pronto e acabado retrato de um Brasil
miserável e perdedor.
O Brasil opulento e supostamente desenvolvido do Sudeste/Sul,
com sua cultura colonizada pelas grandes Nações ricas do hemisfério norte,
aceitou como realidade consumada (rejubilando-se, até) as levas de milhões de
irmãos nordestinos, transportados desumanamente nos tristemente históricos
caminhões “pau-de-arara”. Esse autêntico gado humano, recrutado para os
afazeres mais duros e primários, sem saúde ou instrução, tornou-se a
mão-de-obra vigorosa que levantou edifícios e construiu cidades, prestou bom
serviço e retribuiu com lealdade e honradez a paga escassa que lhes destinou o
Brasil rico de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e outros
Estados. Foi essa gente boa e explorada, longe de sua terra e de suas famílias,
que se tornou a base sólida da transformação econômica do Brasil nos últimos 60
anos.
A asa branca batendo asas e voando para longe de um sertão
calcinado pela seca ou a fé inquebrantável no apadrinhamento do Padre Cícero,
foram mais visíveis na dura realidade do Nordeste do que a mão forte dos
poderes públicos em socorro da região e seu povo. Uma pena.
Enquanto a diáspora sertaneja aumentava a olhos vistos com a
concentração de milhões de baianos, cearenses, pernambucanos, potiguares,
sergipanos, alagoanos, piauienses, paraibanos e maranhenses nas periferias da
grandes metrópoles do Sul, com habitação deficiente e condições de vida
sub-humanas, a oligarquia nordestina enriquecia, formando grupos de
comunicação, indústrias têxteis e alimentícias, bancos e financeiras,
explorando a indústria das secas e mamando nas tetas gordas do aparato estatal.
Quando na década de 60, em seu curto e digno governo, o
presidente João Goulart encarregou o brilhante economista Celso Furtado de
idealizar um organismo forte de fomento econômico e social para o Nordeste, a
Sudene nascia como a primeira grande iniciativa de evolução, apoio e
reconhecimento à região e seu extraordinário povo. Definiu-se uma política
realista e específica para a vasta região que se inicia no árido Norte/Nordeste
de Minas Gerais, englobando o desassistido Vale do Jequitinhonha, até os vales
úmidos do Maranhão. Mobilizaram-se recursos e mentes, repensando e formulando
propostas exequíveis e ações concretas para que o Nordeste superasse a miséria
e a fome.
Muito se fez, mas ainda foi pouco diante de tanta pobreza,
tanto abuso e dos enormes problemas encontrados. O golpe de 64 não só liquidou
as lideranças populares e progressistas da região, como desmoralizou a Sudene,
transformando-a em banca de financiamento à projetos tocados pelas oligarquias
locais, que se chafurdaram no dinheiro barato e farto. Ficaram mais ricos e o
Nordeste e seu povo ficaram mais pobres ainda. Se quisermos sintetizar em
poucas palavras tanto o que os sucessivos governos da ditadura militar quanto o
de FHC e dos tucanos, tão elitistas e anti-Nordeste, fizeram com a Sudene e com
os sonhos dos nossos irmãos nordestinos, podemos dizer que foram absolutamente
cruéis.
Foi com Lula, nascido no coração do Nordeste e que chegou ao
Sul na carroceria de um caminhão pau-de-arara com sua mãe e seus irmãos – e
continua com Dilma – que o Nordeste reassumiu seu sonho plenamente possível de
redenção econômica e de igualdade social. Com a retomada do crescimento, o
Nordeste mostrou a que veio no cenário de um novo e promissor Brasil,
apresentando índices surpreendentes de crescimento em todos os seus Estados, e
em alguns casos, como o de Pernambuco, por exemplo, chegando a mais de 16% ao
ano.
Não houve milagre, houve trabalho. Trabalho lastreado em
firme decisão política do presidente Lula e no apoio absoluto do povo
nordestino, que superou grande parte de seus dramas e tem participado
ativamente da construção de um país melhor e mais justo.
Iniciativas de toda ordem, que começaram com o programa de
assistência às famílias, que – para terror de madames da elite paulistana e de
colunistas da imprensa golpista – passaram a comer três vezes ao dia, com os
filhos na escola e, enfim, com emprego e a possibilidade de revolucionar suas
vidas. Essa potencialização do Nordeste continua com o incentivo ao turismo,
com obras contra as secas, de saneamento básico, da construção de milhares de
casas populares, hospitais, pontes, novas estradas e rodovias, além da obra
monumental da Ferrovia Leste-Oeste.
Os governos do PT e
dos partidos da base aliada tem demonstrado imensa sensibilidade para com o
Nordeste e os nordestinos. Nada fazem, em verdade, mais do que reconhecer os
direitos negados ao longo do tempo a uma região rica e a seu povo, extremamente
trabalhador e talentoso.
O preconceito de uma elite perversa e preconceituosa tentou
fazer do Nordeste um Brasil dos coitadinhos. A força dos nordestinos, aqueles
que antes de tudo são uns fortes, tem feito da região o Brasil dos vencedores.
(*) Delúbio Soares é professor
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