Marco Aurélio Weissheimer
Tomei conhecimento do documentário Muito Além do Peso pelo
ótimo blog do médico José Carlos Souto, urologista gaúcho que trabalha na Santa
Casa e que vem se dedicando a estudar as relações entre nutrição e saúde. Na
opinião de Souto, um dos documentários mais importantes já produzidos no
Brasil. “É um documentário assustador. Trata da obesidade infantil no Brasil (e
nos EUA), de uma forma que você nunca viu. O filme produziu em mim uma mistura
de sentimentos, que incluíram tristeza, raiva, incredulidade e surpresa”,
comenta o doutor Souto em um post que publicou, recomendando vivamente que o
documentário fosse assistido. E, de fato, “Muito Além do Peso” é tudo isso e
muito mais. Deveria virar instrumento de política pública e ser exibido em
todas as escolas do país, na presença de pais, professores e crianças.
Dirigido por Estela Renner, produzido pela Maria Farinha
Filmes com o patrocínio do Instituto Alana, “Muito Além do Peso” mostra e
discute o fenômeno da obesidade infantil no Brasil e no mundo. “Pela primeira
vez na história da raça humana, crianças apresentam sintomas de doenças de
adultos. Problemas de coração, respiração, depressão e diabetes tipo 2” – é
disso que se trata. Os fatores causadores dessa epidemia têm nome e sobrenome
bem definidos: indústria alimentícia, cadeias de fast-food, governos omissos,
pais desinformados e agências de publicidade e meios de comunicação que faturam
milhões vendendo drogas diariamente para crianças.
A conexão entre a indústria alimentícia e a plataforma das
indústrias midiática-publicitária-entretenimento é particularmente mortífera e
poderosa. A maioria das iniciativas de alguns corajosos médicos e promotores no
sentido de regulamentar e proibir determinado tipo de propaganda vem sendo
sistemática e criminosamente boicotado pelos proprietários dessas empresas que
não hesitam em levantar a bandeira da “liberdade de expressão” e da “liberdade
de escolha” para defender a propaganda de seus produtos que vem envenenando
milhões de crianças em todo o mundo. Acha que é um exagero? Veja o
documentário, ouça a opinião de pais, crianças, professores, médicos e
promotores e tire suas próprias conclusões. Uma mãe, que trabalhou como gerente
em uma cadeia de fast-food , diz lá pelas tantas que sentia como uma traficante
vendendo crack para crianças.
“O problema afeta
crianças em todo o país e em todas as classes sociais. As crianças não sabem
mais identificar a comida de verdade: confundem pimentão com abacate, cebola
com batata, etc. Afinal, só comem coisas que vem dentro de embalagem”, observa
José Carlos Souto, comentando o que viu no documentário.
“Uma das maiores
tragédias de se permitir que publicitários tenham acesso irrestrito às crianças
é que a publicidade, na verdade, enfraquece o brincar criativo. Os brinquedos
mais vendidos são normalmente ligados à mídia ou são brinquedos com chip de
computador em que basta apertar um botão. E os brinquedos gritam, pulam,
cantam, fazem tudo sozinhos, enquanto as crianças ficam sentadas apertando um
botão. Isso é interessante para os vendedores pois os brinquedos não são muito
interessantes e as crianças logo vão querer outro”, diz a psicóloga Susan Linn,
diretora da Campaign for a Comercial-Free Childhood (Campanha por uma infância
livre de propaganda), entrevistada no documentário que dá atenção especial às
técnicas publicitárias e de marketing dos fabricantes de refrigerantes e
fast-food e sua associação com a indústria de brinquedos.
No início deste ano, o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB), vetou o Projeto de Lei 193/2008, que propõe a restrição da
publicidade de alimentos não saudáveis dirigida às crianças entre às 6h e 21h
nas rádios e TVS e a qualquer horário nas escolas. Após assistir “Muito Além do
Peso”, fica difícil fugir da sensação de que o governador está, na verdade,
incorrendo em uma prática criminosa. Ou que nome devemos dar a decisões que
contribuem direta ou indiretamente com o que autoridades médicas já definem
como uma epidemia que está afetando milhões de crianças em todo o mundo? Veja e
decida você mesmo.
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