por Pedro Pomar
A hegemonia do “pensamento Globo” é tão forte que arrasta
para o seu campo uma série de intelectuais progressistas (ou que supúnhamos que
o fossem) que mantêm vínculos simbólicos ou materiais com o principal grupo de
mídia do país. O jornalista Nelson Motta, excelente crítico de música, e
colunista do jornal O Estado de S. Paulo, ultimamente vem se aplicando na
tarefa de tornar-se um intelectual reacionário, sempre pronto a espicaçar a
esquerda por erros reais ou imaginários.
No artigo “Piadas no Salão”, publicado na edição de 8/2 do
Estadão (p. A7) e disponível também em
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/02/08/piadas-no-salao-por-nelson-motta-485583.asp,
Nelson Motta trata da questão da democratização da mídia com uma leviandade
espantosa. Ao fazer referência a uma declaração do ex-ministro José Dirceu,
condenado na AP 470, em que este denuncia o “monopólio da comunicação”, o
colunista pergunta: “Êpa! Que monopólio de araque é esse com tantas empresas
competindo num dos maiores mercados publicitários do mundo?”
A rigor, não se trata mesmo de monopólio, mas de oligopólio,
como advertia o saudoso jornalista Jair Borin, professor da Escola de
Comunicações e Artes (ECA-USP). O que não refresca nada. Porque, ainda que não
seja uma única empresa a controlar sozinha o conjunto dos meios chamados de
“comunicação de massa”, são algumas poucas que concentram, reunidas, algo em
torno de 90% do sistema! Portanto, temos um oligopólio em que cerca de uma
dezena de grandes grupos empresariais controla as principais emissoras de TV,
rádio, jornais e revistas impressos de maior circulação, portais da Internet e
outras mídias. Também integram o sistema, em maior ou menor grau, oligopólios e
monopólios de escala regional e local.
Portanto, “monopólio”
ou oligopólio, o fato é que um pequeno grupo de poderosas empresas determina,
em grande medida, a qualidade e o formato daquilo que a maior parte dos
brasileiros lê, ouve e assiste. A propriedade cruzada — o controle simultâneo
de redes de rádio e TV, publicações impressas, meios digitais, distribuidoras,
produtoras de filmes e discos e até transmissão de dados via satélite — confere
enorme poder a essas empresas.
Motta devia saber disso, afinal de contas ele trabalha para a
TV Globo e tem seus escritos publicados no G1, portal do mesmo grupo. O
supergrupo da família Marinho é a estrela de maior brilho dentro do oligopólio
e o “campeão” em matéria de propriedade cruzada da mídia no Brasil.
Mesmo com audiência em queda na TV, o grupo Globo ainda é, de
longe, o maior conglomerado de mídia do país, com receitas anuais superiores a
R$ 10 bilhões nos últimos anos. Segundo a revista Forbes, somente com a novela
“Avenida Brasil” a Globo obteve receita de R$ 2 bilhões em 2012!
“Não podemos permitir
que o Zé Dirceu tente cercear a palavra da imprensa independente, que não
depende de favores do governo e vive de anunciantes privados que pagam para
divulgar e promover seus produtos e serviços nos veículos que atingem o maior
público com mais credibilidade”, exclama o indignado Motta no seu texto.
Ora, o que o
articulista chama de “imprensa independente” são exatamente esses grandes
grupos que integram o oligopólio da mídia. Afirmar que essa turma vive de
anunciantes privados e que “não depende de favores do governo” é contar apenas
parte da história (e falsear a outra parte). Tem sido fartamente noticiado que
os governos estaduais de São Paulo (Alckmin, Serra) repassaram centenas de
milhões de reais, durante anos, para os grupos Abril, Globo, Folha e Estado,
mediante contratos sem licitação para aquisição de publicações impressas.
Mesmo o governo
federal, duramente combatido por alguns desses grupos de mídia que resolveram
assumir ostensivamente o papel de oposição, tem contribuído generosamente para
sustentá-los. Todos receberam fartas verbas publicitárias da União em 2012. Mas
Carta Capital, uma revista comercial que faz jornalismo de qualidade (e que
apoiou a eleição de Dilma, sem abrir mão do direito de criticar erros do
governo), recebeu pouco mais de R$ 100 mil.
Por outro lado, a opinião do ex-ministro José Dirceu importa
bem pouco nesta questão. Para falar a verdade, enquanto esteve à frente da
máquina partidária, e depois na Casa Civil, ele nunca se preocupou efetivamente
em combater o oligopólio da mídia. É bom que se diga que a bandeira da
democratização da mídia pertence a movimentos sociais, grupos, partidos e
entidades da sociedade civil que conseguiram viabilizar politicamente a I
Conferência Nacional de Comunicação, realizada em Brasília em 2009. Embora
tenha sido convocada pelo próprio governo federal, e contado com expressiva
participação do empresariado, as principais medidas aprovadas na Conferência
para tornar a comunicação mais democrática e pluralista jamais foram implantadas.
Utilizando-se de um linguajar que seria mais apropriado num
texto de Arnaldo Jabor, diz ainda Motta em seu artigo: “Um dos relinchos (sic!)
mais estridentes nos blogs políticos é exigir que Dilma corte toda a
publicidade estatal da TV Globo, por criticar o governo. Devem achar que a
Caixa, o Banco do Brasil e a Petrobras anunciam na Globo, que tem mais
audiência do que todas as outras juntas, não por necessidade de competir no
mercado, mas para comprar apoio. Para eles tudo na vida é mensalão”.
Criticar o governo é necessário e importante, sempre que
houver erros, omissões e ilicitudes que precisem ser apontadas. Porém, o que os
grupos de mídia (Globo à frente) têm feito frequentemente é inventar e
distorcer fatos, com a finalidade de proteger seus próprios interesses (e os de
seus aliados). O alvo dessa mídia nem sempre é o governo Dilma: muitas vezes
são os movimentos sociais, os beneficiários de políticas públicas (como os
sem-terra, os povos indígenas, os quilombolas), as centrais sindicais (como a CUT),
os movimentos grevistas etc. Ou os governos de países como Venezuela, Argentina
e Equador, atacados como se fossem “ditaduras” e constantemente ridicularizados
por comentaristas e apresentadores.
Motta deveria refletir
sobre o que ele mesmo escreve: que a TV Globo “tem mais audiência do que todas
as outras juntas”. Será que isso é bom? Será que caiu do céu? Será que se deve
apenas ao “padrão Globo de qualidade”? Ou tem a ver com os benefícios que a
Globo recebeu da Ditadura Militar, que lhe permitiram crescer rapidamente,
enriquecendo a família Marinho?
É verdade que Caixa, Petrobras e BB anunciam na Globo por
causa de sua maior audiência? Em parte, sim. Mas também é verdade que não é à
toa que o Brasil é “um dos maiores mercados publicitários do mundo”. Aqui
gerou-se, historicamente, uma enorme relação de promiscuidade entre gestores
públicos e interesses privados, em torno exatamente da publicidade oficial.
Portanto é importante rever as estratégias de publicidade do governo, inclusive
como parte do processo de desconcentração da mídia. Além disso, não custa
lembrar um incômodo detalhe: as TVs são uma concessão do poder público! O
governo paga para usar algo que é patrimônio da nação.
Por fim, não foi o próprio Motta que garantiu que a “imprensa
independente”, ou seja, o oligopólio da mídia, “vive de anunciantes privados”?
Bem, se é assim, devemos entender que não deve lhe fazer falta a publicidade de
empresas estatais como a Petrobras, o BB e a Caixa…
Motta tripudia dos defensores da democratização da mídia, que
ele vê como “piadistas de salão”. Mas sua defesa do oligopólio é ou não é uma
piada de mau gosto?
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