Registros revelam ligação de empresários e embaixada com o
regime militar em SP
Lista com nomes começará a ser revelada nesta segunda-feira
(18), em audiência pública da Comissão Estadual da Verdade da Assembleia
Legislativa de São Paulo
Vasconcelo Quadros – iG São Paulo
Um conjunto de livros de registro de presenças encontrado na
sede de um dos centros de repressão em São Paulo revela a estreita relação
entre empresários e a embaixada americana com a ditadura militar brasileira. As
anotações à mão mostram que o empresário Geraldo Rezende de Matos, que se
apresentava como representante da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp), e o ex-cônsul dos Estados Unidos na capital paulista, Claris
Rowley Halliwell, participavam assiduamente de reuniões com agentes da
repressão.
A Comissão Estadual da Verdade encontrou entre os documentos
do antigo Departamento Estadual de Ordem Polícia e Social (Deops) — que
funcionava no Largo General Osório, região
central de
São Paulo e um dos centros de prisão e tortura de presos políticos — pelo menos
oito livros com anotações à caneta listando personagens que se reuniam no
local.
Nele figuram nomes de dezenas de empresários que iam à sede
do Deops para participar de reuniões com o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o
maior nome da repressão em São Paulo.
Segundo os livros, tanto Rezende de Matos quanto o cônsul
americano, em muitas ocasiões, entravam no prédio no início da noite e só saiam
na manhã do dia seguinte.
“É a ponta do
iceberg”, diz o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão Estadual da
Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Ele acha que as
anotações demonstram a promiscuidade e o envolvimento direto de grandes
empresários no financiamento do golpe civil-militar e na manutenção do esquema
repressivo durante os anos de chumbo, especialmente no período de repressão
mais dura em São Paulo, entre 1971 e 1973.
Na lista de frequentadores do Deops, além de policiais e
empresários, há também os nomes de militares que atuavam em outra frente da
repressão, a Operação Bandeirantes (Oban), que funcionava na rua Tutóia, zona
sul da capital. Ao contrário do que a própria esquerda avaliou ao longo da
história dos anos de chumbo, civis e militares formavam um grupo coeso.
“Sempre imaginamos que
havia um racha na repressão. Mas não é verdade. Os registros revelam que Deops
e Oban estavam articulados”, diz o ativista Ivan Seixas, ex-preso político e
membro da Comissão da Verdade. O Chefe da Oban, o coronel da reserva Carlos
Alberto Brilhante Ustra, por exemplo, participava das reuniões com Fleury e
empresários, conforme apontam os registros.
Nos livros há também o curioso registro da presença constante
da ex-ministra Zélia Cardoso de Melo no prédio do Deops no mesmo período em que
os empresários frequentavam o local. A ex-ministra visitava o pai, o delegado
Emiliano Cardoso de Melo, apontado agora pela Comissão Estadual da Verdade como
um dos nomes fortes da repressão.
A lista de empresários encontrada nos livros do Deops será
aberta em audiência pública marcada para esta segunda-feira. Será a primeira
parte do capítulo que tratará da participação de empresários paulistas na
arrecadação de recursos para financiar a repressão.
O mais conhecido entre os operadores financeiros do grupo é
ex-diretor do Grupo Ultragas, Henning Albert Boilensen, que assistia a sessões
de tortura. Boilensen foi executado por um grupo guerrilheiro em 1971 como
represália.
Um documento produzido pelo antigo Serviço Nacional de
Informações (SNI), encontrado no Arquivo Nacional, em Brasília, pelo procurador
Claudio Fonteles, mostra que os militares chegaram a criar um setor específico
para fazer a articulação entre militares e empresários em São Paulo. Chamava-se
Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI) e era, segundo Fonteles,
órgão da Fiesp.
A aliança entre empresas e os militares, segundo Adriano
Diogo, era baseada também da reciprocidade de favores: apoio ao combate às
organizações da esquerda armada em troca de facilidades que permitissem às
empresas se expandir. Nesse grupo estão bancos, grandes montadoras e o grosso
do empresariado que, à época, se abrigava na poderosa Fiesp. A lista a ser
revelada nesta segunda deverá trazer algumas surpresas.
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