Na cobertura do
julgamento do “mensalão”, o jornalista Paulo Moreira Leite foi uma das poucas
vozes dissidentes na imprensa brasileira. Em seu blog, então hospedado no site
da revista Época, o ex-diretor de Veja, Diário de S.Paulo e da própria Época,
cobriu o tema, em suas palavras, de forma “crítica e desconfiada”, evitando o
tom meramente condenatório sobre os réus e analisando também as contradições do
Supremo Tribunal Federal no caso. “A maioria dos veículos de comunicação abriu
mão de fazer jornalismo durante o julgamento e cobriu como se não tivesse mais
nada a ser demonstrado”, diz a CartaCapital nesta entrevista. “Esse tipo de
senso crítico [ao julgamento] tem valor quando se baseia em fatos, não tem a
ver com ser do contra ou a favor.”
Os textos publicados no
blog durante o julgamento e outros inéditos se transformaram no livro A outra
história do Mensalão – As contradições de um julgamento político (Geração
Editorial, 353 págs., R$ 34,90), lançado na terça-feira 19. O trabalho chega às
livrarias com uma tiragem acima da média no Brasil, em um mercado aquecido por
ao menos outras duas recentes obras sobre o tema.
“Isso mostra como as pessoas ainda querem
entender o que aconteceu. Elas vão ler e reler o que conhecem sobre o caso.
Querem refletir mais profundamente, porque não foi um julgamento qualquer. A
sua repercussão sobre a Justiça e a política brasileira ainda precisa ser
avaliada.”
CartaCapital: O seu
blog se destacou por uma cobertura mais independente. Como foi a recepção?
Recebeu muitas críticas negativas?
Paulo Moreira Leite: A
recepção foi boa e a audiência cresceu muito, às vezes 500%. As pessoas não
necessariamente concordavam com o que eu escrevia, mas sentiam que expressava
um ponto de vista importante para o debate. Falava com leitores curiosos, com
espírito crítico bastante acentuado e que não acreditavam em tudo o que ouviam.
CC: Essa abordagem
diferente da mídia em geral foi algo importante na cobertura deste caso?
PML: Sim. Esse tipo de
senso crítico tem valor quando se baseia em fatos, não tem a ver com ser do
contra ou a favor. No caso, quando se lê os documentos disponíveis, o relatório
da Polícia Federal sobre o caso anexado no processo, se conversa com a defesa e
vê as alegações finais das partes, percebe-se que é um processo com
contradições. Está longe de ser uma denúncia amarrada. É uma questão
intelectual e profissional do jornalista examinar, pensar e não ter receio de
desagradar quem quer que seja desde que esteja convencido, como estou, de que
está expressando a verdade.
CC: Houve alguma
pressão editorial em relação ao conteúdo do blog?
PML: Não. Mas tenho
certeza que não expressava a posição unânime de leitores. No meu blog, há
muitos comentários agressivos. No entanto, ele cresceu e virou uma referência
no debate.
CC: O fato de ser um
blog ajudou no enfoque escolhido para a cobertura?
PML: O blog permite que
as pessoas compartilhem o que leram de forma instantânea. Isso é importante,
torna a leitura focada, pois vai ler quem quiser saber sobre aquele assunto.
Mas não sei se haveria mais ou menos eco se fossem outras mídias, como um
grande jornal ou televisão.
CC: Pouco tempo após o
fim do julgamento já há alguns grandes lançamentos de livros sobre o caso. O
que o senhor acha dessa tendência?
PML: Esse mercado
mostra como as pessoas ainda querem entender o que aconteceu. Elas vão ler e
reler o que conhecem sobre o caso. Querem refletir mais profundamente, porque
não foi um julgamento qualquer. A sua repercussão sobre a Justiça e a política
brasileira ainda precisa ser avaliada.
CC: No prefácio do seu
livro, Jânio de Freitas diz que parte dos jornalistas que cobriram o caso
“enveredaram por práticas que passaram do texto próprio de comentário jornalístico
para o texto típico da finalidade politica, foram textos de indisfarçável
facciosismo”. O senhor concorda com isso?
PML: A maioria dos
jornalistas e veículos de imprensa achou que estava tudo demonstrado e que a
culpa de todos estava provada, como se não houvesse um trabalho para fazer
sobre o julgamento, a qualidade das provas ou da acusação – que era muito mais
frágil do que as pessoas supunham. A imprensa assistiu ao julgamento e
contratou advogados, que muitas vezes tiveram papel mais importante que os
repórteres. Algo engraçado, pois as pessoas leem o jornal para ver uma
investigação, uma apuração. E a maioria dos veículos de comunicação abriu mão
de fazer jornalismo durante o julgamento, cobriram o caso como se não tivesse
mais nada a ser demonstrado. Mas, ao ver os autos em busca do contraditório,
não ó que aparece. O que a Polícia Federal investigou é diferente daquilo que o
Ministério Público aponta. Para o MPF e Joaquim Barbosa [relator do caso no
STF] os empréstimos do Banco Rural ao PT, que José Genoíno assinou, eram
fraudulentos. A PF investigou e concluiu que eram verdadeiros e a partir deles
saiu dinheiro para o esquema. E isso muda muito a história.
CC: Qual foi a maior
contradição do julgamento?
PML: São várias, mas a
maior é apontar a tese de que o mensalão era um sistema de compra de votos e
não conseguir indicar um único caso concreto em que se comparam votos. Não foi
preciso comprar votos para apoiar nenhuma das reformas do governo, que passaram
com larga margem, inclusive com o voto da oposição. No caso da Previdência, que
era uma continuidade de uma reforma do governo do PSDB, o bloco governista era
tão forte que o governo excluiu petistas que se recusaram a votar na reforma.
CC: O que precisa ser
desmistificado neste julgamento?
PML: Banqueiros foram
condenados a penas duríssimas, mas nenhum deles concentra o poder econômico do
Brasil. Não é o Banco Rural que detém o poder financeiro do País, é um banco
secundário. Os políticos que foram condenados são historicamente perseguidos
pelo aparelho policial, seja no regime militar ou agora. Não são os homens
públicos e poderosos. São pessoas de um governo específico, que representa uma
força social específica. Os banqueiros de ponta que apareceram com grandes
operações no ‘mensalão’, e que participaram das privatizações, não foram sequer
levados a julgamentos ou no mínimo arrolados.
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