Em 21 de fevereiro, comemora-se mais um aniversário do
Manifesto Comunista, que foi publicado originalmente em 1848. Os seus autores,
Marx e Engels, elaboraram o aludido documento - a pedido da Liga dos Comunistas
- com a finalidade de esclarecer aos proletários a viabilidade e a necessidade
histórica de uma estratégia de superação do modo de produção capitalista.
Trata-se de um texto programático, de caráter político, teórico e sobretudo
crítico, que aponta para uma civilização do futuro, libertada dos males
históricos decorrentes do sistema de propriedade privada e mantida pela
produção dos indivíduos livres e associados.
Enquanto referência de reflexão teórica das relações sociais,
o Manifesto foi, ao lado da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, a maior
novidade social do século XIX, eis que reconheceu o protagonismo social do
operariado e trouxe para a cena política conceitos importantes, tais como o de
modo de produção, propriedade coletiva, classes, crises capitalistas etc.
Lançado em momento de crise do capitalismo dezenovista, o
Manifesto é um peça reflexiva para o auto-esclarecimento dos trabalhadores. A
sua penetração no meio operário foi facilitada por vários aspectos, dentre os
quais se destacam a linguagem simples, sem vulgarismos, a crítica aos
socialismos utópicos, o diagnóstico em relação aos distúrbios sociais
provocados pelo capitalismo e o prognóstico recheado de esperanças para o
proletariado, que seria o sujeito ativo da emancipação humana. O Manifesto,
portanto, suscitou a necessidade histórica tanto de uma consciência crítica
(ver, julgar e agir) quanto da viabilidade de uma ação transformadora capaz de
servir de alternativa de mundo em relação ao capitalismo.
A alternativa apontada pelo Manifesto trata essencialmente da
possibilidade da emancipação humana em relação à desumanidade da exploração
capitalista. O texto aponta para dois aspectos estruturais da emancipação: o
sujeito articulador do processo de emancipação; e a forma de viabilizar a
transição entre a sociedade capitalista e a sociedade emancipada.
Em relação ao primeiro aspecto, o sujeito histórico
revolucionário seria o proletariado, eis que este – segundo Marx e Engels -
constituiria a única classe capaz de desarticular o capitalismo, uma vez que
tal modo de produção dependeria exclusivamente do conteúdo da riqueza material
produzido pelos industriários.
Esses postulados do Manifesto encontram-se hoje relativizados
à medida que, além do "proletariado industrial", existem outros
trabalhadores e movimentos sociais que são importantes para a reprodução e
crítica do modo de produção capitalista, a exemplo dos trabalhadores rurais e
dos trabalhadores do setor de serviços, além dos movimentos sociais que também
assumem relevância no protagonismo político contemporâneo, tais como os
ecológicos e os de direitos humanos, dentre outros.
O segundo aspecto consiste no suposto de que em nome da luta
pela emancipação seria legítimo o recurso da "derrubada violenta da
burguesia". Esse utilitarismo, baseado na máxima de que os fins justificam
os meios, daria legitimidade ao terror revolucionário, posto que este estaria a
serviço do altivo propósito de revolução na propriedade dos meios de produção. Nesse
particular aspecto, as experiências vivenciadas pelos regimes ditatoriais, que
se sucederam principalmente no século XX, deram ao homem de hoje razões para
questionar o Manifesto sob o ponto de vista ético. Com efeito, no curso da
história humana as revoluções que se utilizaram da violência transformaram-se
em regime de terror e de tirania. Por outro lado, a humanidade tem obtido
avanços importantes ao exercitar a democracia e o pluralismo político. O
exercício democrático, longe das meras louvações ao formalismo da
"democracia burguesa", expõe as contradições capitalistas e, além de
avanços sociais, possibilita a crítica em relação à compatibilidade entre o
capitalismo e a democracia.
Os subscritores do Manifesto, além de reconhecerem a classe
burguesa como revolucionária, demonstraram que os trabalhadores poderiam
compreender os problemas e os desdobramentos do modo de produção vigente.
Sinteticamente eles discorreram sobre a escalada expansionista do capitalismo,
o acirramento do conflito de classes e a missão do proletariado como sujeito
histórico que reúne condições para suprimir tal conflito. Demonstraram, ainda,
que a superação da relação de exploração capitalista não se faz com utopismos,
mas com a união do proletariado mundial na busca do controle dos meios de
produção e dos meios de subsistência.
Ao longo do tempo, as críticas feitas ao Manifesto Comunista
enfocam principalmente dois pontos de vista: o primeiro afirma que o documento
espelha uma relação de antagonismos entre capital e trabalho que não teria mais
respaldo na realidade social, haja vista ter sido possível historicamente uma
série de experiências de harmonização de interesses, a exemplo do que ocorreu
durante o Estado de Bem-Estar Social; o segundo sustenta que a queda do
socialismo real no leste europeu seria uma comprovação da inviabilidade do
projeto político descrito no Manifesto.
Debruçar-se sobre essas críticas demanda – como pressuposto -
compreender a estrutura das proposições esboçadas no Manifesto e a forma de
deturpação que lhe deu o pragmatismo político do chamado "socialismo
real". Esses desvios não cancela a atualidade do Manifesto em vários
pontos, principalmente o que aponta o desenvolvimento das forças produtivas
materiais como fator que influencia a formação das relações sociais. Com
efeito, esse desenvolvimento é uma construção histórica do homem, não resultado
de uma força sobrenatural (ex: divindade) ou externa (ex: mercado) aos próprios
homens.
Outro ponto importante do Manifesto é demonstrar que "a
história da humanidade tem sido a história da luta de classes". Sob esse
aspecto, o Manifesto apenas recolhe da realidade algo que ao longo dos anos foi
diagnosticado por inúmeros historiadores, a exemplo de Fustel de Coulange, em
sua Cidade Antiga.
O poder explicativo dos elaboradores do Manifesto,
fundamentado na história das relações produtivas, permitiu-lhes vislumbrar a
tendência de expansão do capitalismo, algo que é confirmado nos dias atuais
pelo que se chama de mundialização (ou globalização). Esse prognóstico tornou-se
mais vigoroso, e atual, na medida em que os trabalhadores sentem a necessidade
de se organizarem de forma solidária e em escala mundial. Todavia, os
interesses nacionalistas e localistas de alguns trabalhadores, principalmente
aqueles aos quais se agrega a postura xenófoba que alimenta ódios raciais,
étnicos ou religiosos, ferem o direito fundamental de liberdade de trabalho dos
imigrantes, distanciando-os da aspiração de fraternidade entre os homens.
Um destacado trecho do Manifesto Comunista que é muito
criticado diz respeito à afirmação de que "a vitória do proletariado é
inevitável". Com base em tal sentença alguns críticos têm qualificado o
Manifesto como uma peça marcada pela visão determinista. Por um lado, a crítica
é pertinente e o citado texto é até contraditório, posto que no item 2 da sua
conclusão os seus autores afirmam que suas análises tratam apenas de
tendências. Por outro lado, contradição à parte, o pensamento dos subscritores
do Manifesto não pode ser reduzido a essa passagem, mesmo porque a obra
amadurecida de Marx, O capital, trata das relações entre capital e trabalho em
termos de tendências e contratendências, de sorte que é reducionismo
intelectual dizer que Marx adotou uma concepção determinista da história. Mais
simplismo ainda é imaginar o capitalismo como sendo uma força eterna e
indestrutível, a qual teria levado a humanidade ao chamado "fim da
história" ou "fim da linha". A julgar pelas atrocidades
históricas, que implicam crescentemente na ruína dos homens e da natureza, é
possível afirmar-se que nunca a humanidade sentiu tanta necessidade de
livrar-se historicamente (ou dar um "fim da história") ao modo de
produção vigente.
Pondere-se que o Manifesto é uma peça elaborada para a
realidade do século XIX, mas isso não significa dizer que se vive no século
atual em outra realidade absolutamente distinta. Afinal, o modo de produção é o
mesmo, embora com sofisticações e transformações decorrentes do seu próprio
desenvolvimento. As metamorfoses vivenciadas no mundo do trabalho, por exemplo,
confirmam as mazelas decorrentes da relação de exploração capitalista.
Essa exploração atinge direta ou indiretamente a todas as
pessoas, sejam trabalhadores ou não-trabalhadores, de sorte que não é sem razão
afirmar-se que reinterpretar o Manifesto é estendê-lo, além do raio de ação dos
proletários, para contemplar igualmente o maior número de pessoas submetidas ao
modo de produção vigente.
Enfim, o Manifesto deve ser compreendido como um referencial
da construção teórico-prática da crítica social e também como inspiração
crescentemente imprescindível tanto à reelaboração do diagnóstico das relações
sociais quanto à construção de alternativas que viabilizem a coexistência
harmoniosa dos homens entre si e destes com a natureza.
Fonte: http://jus.com.br/
Postado por mazucheli
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