Por Tarso Genro
Como Elio Gaspari foi do velho Partidão e depois se tornou
confidente do General Golbery, fazendo, a partir daí, uma carreira de
jornalista mordaz e corregedor de todos os hábitos do país, ele se dá o direito
de não só inventar tolices nas suas colunas, como também enganar os mais
desavisados.
Defende as suas teses principalmente a partir da falsificação
da posição dos seus adversários de opinião. Para defendê-las, Elio sempre
desqualifica os seus adversários com textos de estilo ferino, que não raro
beiram a difamação. Os que se sentem agredidos raramente se defendem, não só
porque ele não publica as respostas na sua coluna, mas porque talvez temam
despertar nele uma ira ainda maior, que também não abre espaços para o
contraditório.
Já fui alvo algumas vezes das suas distorções e
falsificações, mas sobre este tema da reforma política preciso responder
formalmente, porque se trata de um assunto extremamente relevante para o
aperfeiçoamento democrático do país, sobre o qual existem divergências
elevadas, tanto dentro da esquerda como da direita democrática.
A estratégia usada por Elio Gaspari para promover suas
crônicas foi muito comum na época da ditadura, quando o SNI – através de articulistas
cooptados – recheava de informações manipuladas a grande imprensa, sobre a
“subversão” e as “badernas estudantis”. O regime tentava, desta forma, tanto
manter o controle da opinião pública, como dividir a oposição legal e a
clandestina, num cenário em que povo já estava cansado do regime. Elio Gaspari
parece que se contaminou com este vício e combinou-o com uma arrogância
olímpica: desqualifica todo mundo, não respeita ninguém, o que pode significar
uma volúpia de desrespeito a si mesmo, ensejada pela sua trajetória como
jornalista com idéias muito próximas de um ceticismo anarco-direitista.
Vários dirigentes políticos, tanto da oposição como da
situação – da direita e da esquerda – que não estão satisfeitos com o sistema
político atual, debatem uma saída: uma reforma política para melhorar a
democracia no país. Todos sabemos que não existe um sistema ideal e perfeito,
mas que é possível uma melhora no sistema atual, que pode tornar mais decente a
representação e os próprios partidos. Este debate para melhorar a democracia e
dar maior coerência ao sistema de representação tem despertado a santa ira de
Elio Gaspari, que dispara para todos os lados, mas nunca diz realmente qual é a
sua posição sobre o assunto.
No seu artigo “O comissariado não toma jeito”, no qual sou
citado nominalmente como defensor de fisiologismos, ele atinge o auge na
deformação das opiniões de pessoas que ele não concorda. Vincula, inclusive de
maneira sórdida estas opiniões a dirigentes políticos condenados na ação penal
470, para aproveitar a onda midiática que recorre diariamente a estas
condenações, não só para desmoralizar a política e os partidos, mas para tentar
recuperar os desastrados anos do projeto neoliberal no país, nos quais, como
todos sabemos, não ocorreu nenhuma corrupção ou fisiologismo.
As deformações de Elio são explícitas quando ele examina dois
pontos importantes da reforma política: o “voto em lista fechada” e o
“financiamento público” das campanhas eleitorais. Sobre o voto em lista
“fechada” ele argumenta, em resumo, que a “escolha deixa de ser do eleitor”,
que vota numa lista preparada pelo Partido, que captura o seu direito de
escolha.
Pergunto: será que Elio não sabe que a escolha na “lista
aberta” (sistema atual), é feita, também, a partir de uma relação de nomes que
é organizada pelos Partidos? E mais: será que Elio não sabe que a diferença
entre um e outro sistema é que, no atual, o voto vai para a “fundo” de votos da
legenda e acaba premiando qualquer um dos mais votados da lista, sem o mínimo
nexo com a vontade do eleitor? Repito, qualquer um da lista, sem que o eleitor
possa saber quem ele está ajudando eleger!
Na lista fechada é exatamente o contrário. O eleitor sabe em
quem ele está votando. E sabe da “ordem de preferência”, que o seu voto vai
chancelar, a partir do número de votos que o Partido vai amealhar nas eleições.
O eleitor faz, então, previamente, uma opção partidária – inclusive a partir da
qualidade da própria lista que os Partidos apresentaram – e fica sabendo, não
só quem compõe a lista do seu partido, mas também a ordem dos nomes que vão ter
a preferência do seu voto.
Na lista aberta, ao invés de crescer o poder político dos
partidos – que Elio parece desprezar do alto da sua superioridade golberyana –
o que aumenta é o poder eleitoral pessoal de candidatos que, neste sistema de
lista aberta, carreiam os votos dos eleitores para qualquer desconhecido. Por
mais respeito humano que se tenha por figuras folclóricas que ajudam eleger
pessoas com meia dúzia de votos, não se pode dizer que a sua influência pessoal
possa ser melhor que a influência das comunidades partidárias, por mais
defeitos que elas tenham.
A tegiversação sobre o financiamento público das campanhas
não é ridícula, porque é simplesmente uma falcatrua argumentativa. Elio diz que
este tipo de financiamento não acabará com o “caixa 2” e que tal procedimento
vai levar a conta para o povo, que ele chama gentilmente de “patuléia”. Vejamos
se estes argumentos são sérios.
Primeiro: ninguém tem a ilusão de acabar com o “caixa 2”, que
acompanhará as campanhas, enquanto tivermos eleições. O que devemos e podemos
buscar é um sistema que possa diminuí-la, substancialmente, através – por
exemplo – de um controle “on line”, de todos os gastos das campanhas, num
sistema financiado por recursos conhecidos e previamente distribuídos aos
partidos.
Este sistema certamente diminuirá a dependência dos partidos
em relação aos empresários e permitirá um controle mais detalhado dos gastos,
pois cada partido terá um valor previamente arbitrado, para ser fiscalizado à
medida que os recursos forem sendo gastos. Reduzir, portanto, a força do poder
econômico sobre as eleições, este é o objetivo central do financiamento
público.
Quanto à transferência das despesas para o povo, qualquer
aluno do General Golbery – digo aqui da modesta situação de fisiológico que me
foi imputada – sabe que as contribuições dadas pelas empresas aos partidos e
aos políticos, são “custos” de funcionamento de uma empresa, que integram o
preço dos seus produtos e serviços, que são comprados pelo consumidor comum ou
pelo Estado.
Quem paga por tudo, sempre, é o povo que trabalha e compra e
o Estado que encomenda, compra e paga. O defensor da patuléia, portanto, não
está defendendo nem a “viúva” metafórica nem o Estado concreto. Está, sim, defendendo
a atual influência do poder econômico sobre os processos eleitorais, de uma
forma aparentemente moralista, mas concretamente interessada: acha que o
sistema assim está bem. Uma forma de fisiologismo altamente disfarçado. O alto
comissário do Golbery não toma jeito.
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