“Presidente, ao contrário do que ocorre em países como os
EUA, no Brasil a imprensa tem um fortíssimo poder de manipulação sobre a
opinião pública. Não é fácil enfrentá-la.” O alerta foi feito pelo jornalista
Samuel Wainer a Getúlio Vargas. Na série de artigos que iniciamos nesta edição,
Emiliano José retrata alguns exemplos que explicitam a relação da mídia (muitas
vezes golpista) com o poder. De Vargas a Goulart, da ditadura a Collor, de FHC
a Lula e Dilma, todos esses personagens serão analisados à luz da intervenção
da mídia, que o autor qualifica como um partido político, à Gramsci
População lamenta a morte de Getúlio Vargas
Foto: Arquivo Agência Estado
(...)Los acontecimientos sociales no son objetos que se
encuentran ya hechos en alguna parte
en la realidad y cuyas propiedades e avatares nos son dados a
conocer de inmediato por los medios con mayor o menor fidelidad. Sólo existen
en la medida en que esos medios los elaboran.(...) Los medios informativos son
el lugar en donde las sociedades industriales producen nuestra realidad.
(Verón, Eliseo. Construir el Acontecimiento – Los medios de
Comunicación Masiva y el Accidente en la Central Nuclear de Three Mile Island.
Barcelona, Editorial Gedisa S.A., 1995, p. II)
Faltavam poucos minutos para as 9 horas, 24 de agosto de
1954. O jornalista Pompeo de Souza barbeava-se pacientemente, os olhos fixos no
espelho, em seu apartamento no Rio de Janeiro, o rádio ligado, quando ouve uma
notícia:
“O presidente Getúlio Vargas está morto. Suicidou-se com um
tiro no coração às 8:25 desta manhã”.
– Fiquei paralisado e me senti um assassino. E chorei muito,
convulsivamente. Nunca mais pude sentir raiva do Getúlio.
Pompeo de Souza tinha razões para chorar, fosse ele, como
era, um homem honesto.
O choro era do jornalista que havia sido convictamente o
cérebro e mentor principal do que ficou conhecido como República do Galeão, que
conduzira até ali as investigações em torno do atentado do dia 4 de agosto do
mesmo ano contra Carlos Lacerda, que levara à morte o major Rubens Florentino
Vaz, segurança do político e jornalista e, presumivelmente, ferira os pés de
Lacerda. Essa república era, em si, o prenúncio do golpe contra Vargas.
E Pompeo fora o condutor da imprensa golpista, que construíra
de alguma forma aquele momento.
A Aeronáutica, à revelia do presidente da República, instalou
um IPM e passou a conduzir tudo, arbitrariamente, constituindo-se numa espécie
de república paralela, que não dava satisfações a ninguém, não obedecia a lei
alguma e era guiada exclusivamente pelo antigetulismo raivoso. Não se
envergonhou, sequer, de ter chamado o mais notório torturador da polícia
carioca, Cecil Borer, para ser o principal interrogador, com a prática
constante da tortura. À Aeronáutica juntou-se parte da Marinha e do Exército na
conspiração golpista, sediada na Base Aérea do Galeão.
Não se imagine, como não se pode imaginar hoje quando forças
golpistas se movimentam contra Lula, um ex-presidente, que falar em
antigetulismo raivoso e golpista seja apenas uma tentação panfletária. A
movimentação contra Getúlio Vargas era intensa, com nítidas inspirações
golpistas, e Lacerda era o principal líder, e tudo isso ecoava por toda a
grande imprensa, cuja vocação contra governos reformistas é antiga, como pode
se ver, à exceção apenas do jornal Última Hora. A Aeronáutica ocupou o Rio de
Janeiro, quase literalmente e ostensivamente, a demonstrar ao presidente da
República que a lei e a hierarquia não eram mais parâmetros pelos quais se
guiava.
Lacerda tinha força na Aeronáutica, embora também na Marinha
e no Exército. O Estado é complexo, ontem e hoje. Enganam-se os que acreditam
seja ele um ente uno, a obedecer linearmente às ordens de cima. Às vezes, do
interior do Estado, de órgãos hierarquicamente subordinados, vêm as ações golpistas,
que não nos enganemos, como naquele momento.
Os lacerdistas da Aeronáutica, e não eram poucos, esperavam
uma oportunidade como aquela, desejavam um atentado como aquele, que fora
providencial, como confessou alguns anos mais tarde o coronel Adhemar Scaffa
Falcão, subcomandante da Base Aérea do Galeão, uma espécie de faz-tudo da
insólita república.
O objetivo era político, revelou ele, como se precisasse
fazê-lo. Foi claro, em entrevista ao historiador Hélio Silva:
– O objetivo não era bem apurar a morte do major Vaz, e sim
transformar o atentado em motivo para uma modificação política, e assim foi
feito.
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