Ao que parece, o homem está à espera de uma catástrofe – como
foi a peste negra, no século 14 – a fim de compreender as dimensões de seus
erros. O que está matando o mundo, hoje, é a peste da ganância do capitalismo,
que transformou a razão científica em mera servidora do dinheiro,
principalmente a partir do neoliberalismo.
Mauro Santayana
Não se pode esperar muito da Conferência do Rio. Há quarenta
anos que o problema do meio ambiente vem sendo discutido e, nesse tempo, pouco
se fez de objetivo a fim de assegurar as condições que a biosfera oferece à
Natureza. Ao que parece, o homem está à espera de uma catástrofe – como foi a
peste negra, no século 14 – a fim de compreender as dimensões de seus erros.
Naquele século emblemático – no qual historiadores encontram semelhanças com o
nosso – a população européia quase desapareceu. Pulgas e ratos levaram a peste
da Ásia e encontraram o continente vulnerável à bactéria Yersinia pestis:
segundo os cálculos, mais de um terço dos europeus pereceram no curso de quatro
anos. Como vemos, seres aparentemente tão frágeis são capazes de promover
hecatombes.
O que está matando o mundo, hoje, vale repetir, é a peste da
ganância do capitalismo, que transformou a razão científica em mera servidora
do dinheiro, principalmente a partir do neoliberalismo. Todos nós sabemos que
os nutrientes químicos, como o nitrogênio, e agrotóxicos, estão matando os rios
e extensões cada vez maiores dos oceanos. A Monsanto continua, firme, em nome
da liberdade do mercado, a envenenar os solos e os mananciais de água – isso
sem falar nas suas sementes transgênicas. O que já era ruim em 1972, quando se
reuniu, em Estocolomo, a Primeira Conferência sobre o Meio-Ambiente, tornou-se
muito pior a partir da conjuração anti-estado, promovida por Reagan, Thatcher –
e, como coringa solto na jogada, o papa Karol Wojtila. Nestes últimos trinta e
dois anos, não obstante as sucessivas declarações de alarme, e três novas
conferências realizadas, pouco se fez de objetivo, a fim de salvar a natureza.
Assim, o neoliberalismo acelera o assassinato da Terra.
A realidade nos impõe uma constatação: enquanto os Estados
Unidos que, para o bem e para o mal, são o modelo da civilização contemporânea,
não mudarem a sua matriz energética, e não contiverem a insensatez da
bio-engenharia a serviço dos interesses do grande capital, o mundo continuará
sua marcha para a tragédia.
Em nosso caso, a salvação da biodiversidade com que nos
privilegiou a Natureza e, em seguida, a História, vem correndo novos e
evitáveis riscos, a partir do desmantelamento do Estado, promovido pelo governo
neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.
Desde Getúlio Vargas, o Brasil dispunha de grupos técnicos de
planejamento de infraestrutura a médio e longo prazo. Durante o governo de
Juscelino, esses grupos se tornaram a vanguarda do desenvolvimento da economia
nacional. Os governos militares mantiveram alguns deles, reorganizaram outros e
esvaziaram os demais. Um desses grupos, talvez o mais importante para o nosso
desenvolvimento, era o Geipot – reorganizado em 1965, durante o governo de
Castelo Branco, abandonado por Fernando Henrique e hoje em liquidação. A União
teve o prejuízo de 400 milhões de reais na execução das obras da Ferrovia
Norte-Sul, por falta de um órgão como o Geipot. O serviço das empreiteiras não
foi fiscalizado, dia-a-dia, como deveria ter sido, e erros graves, além da não
execução das obras planejadas, como estações e depósitos, foram constatados
pela nova diretoria da Valec, a estatal que administra a implantação do grande
trecho ferroviário.
Outra imprevisão do governo se manifesta agora, na
Hidrelétrica do Jirau. Dois milhões de metros cúbicos de madeira e lenha,
retirados da área a ser coberta pelas águas, estão destinados a apodrecer, por
falta de aproveitamento econômico. A retirada dessa cobertura vegetal deveria
ter sido planejada com antecedência e seu aproveitamento, da mesma forma.
Outras áreas da Amazônia estão sendo desmatadas para a
exportação – legal e ilegal – da madeira, com os danos conhecidos ao
meio-ambiente. É urgente que se planifique o aproveitamento racional da madeira
e dos outros bens naturais existentes nas áreas a serem inundadas nas outras
hidrelétricas em construção no território brasileiro. Há, ainda, no fundo da
futura represa – cujo enchimento se iniciará ainda este ano – muita cobertura
vegetal que, se não retirada a tempo, irá provocar danos imensos ao ambiente,
ao produzir metano, um dos gases mais poluidores da atmosfera, além do carbono.
A eficiência do Estado se garante mediante o estudo prévio de
suas necessidades e de suas possibilidades, ou seja, de planejamento. Desde o
Império, empreendedores e homens de Estado pensaram em termos de planejamento.
Até hoje é válido o projeto ferroviário de Mauá, que previa a ligação
ferroviária entre o Norte e o Sul, entre o Leste e o Oeste, e o aproveitamento
dos rios para o transporte de carga pesada. Vargas, na plataforma eleitoral de
1930, reafirmou a necessidade de planejamento e seguiu a idéia durante o Estado
Novo. Vargas retomou o projeto nacional, em 1951 e Juscelino deu-lhe
prosseguimento de forma vigorosa, em seu mandato. Com a desconstrução do estado
nacional, o governo Fernando Henrique deixou o planejamento por conta das
empreiteiras e dos estrangeiros. Vale lembrar a contratação da Booz Allen pelo
governo tucano, para “identificar os gargalos” que dificultam o desenvolvimento
do país, quando não faltam técnicos competentes nos quadros da administração
federal para cuidar do planejamento dos projetos de infra-estrutura no Brasil,
como é o caso dos transportes e da energia.
É hora de o Estado assumir diretamente a sua responsabilidade
e buscar os meios constitucionais para acabar com as agências reguladoras e
devolver aos ministérios as tarefas que devem ser suas. As agências reguladoras
foram, nos Estados Unidos de Roosevelt e do New Deal, o instrumento do Estado
para conduzir a economia nos anos de crise. No Brasil, elas tiveram o objetivo
contrário, o de entregar aos agentes privados, a serviço dos interesses
estrangeiros, a administração dos setores estratégicos nacionais, como a
energia elétrica, as telecomunicações, as rodovias, as ferrovias e os portos –
isso sem falar na saúde, com a Anvisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário