Por Leonardo Avritzer
As eleições de 2012 no Brasil irão ocorrer sob o signo de uma
profunda descrença no sistema político do país. Não é difícil imaginar os
motivos para tal: a Constituição de 1988 avançou em muitos pontos, como a
elevação do acesso aos direitos sociais, o crescimento da participação social e
o novo papel do Judiciário, mais conectado com a ampliação de direitos. No
entanto, a Carta não conseguiu inovar na organização do sistema político. Temos
no Brasil praticamente o mesmo tipo de organização que tínhamos no final do
regime autoritário: um Congresso Nacional fraco, submetido às vontades do
Executivo, com a diferença que o de hoje goza de um nível de confiança
extremamente baixo por parte da opinião pública.
A baixa legitimidade do Congresso Nacional e do sistema
político como um todo está ligada à ausência de mudanças na organização
política no Brasil. A falta de uma forma de financiamento público de campanha
associada a uma forte deterioração das práticas políticas e um uso desregrado
das emendas de parlamentares ao orçamento são os três elementos que definem o
sistema político hoje no Brasil. Por um lado, essas práticas são capazes de
gerar um sistema político que é funcional para o governo federal, isto é, um
sistema no qual ele aprova suas propostas de lei e tem uma relação estável com
o Congresso Nacional. Por outro lado, esse sistema é fortemente questionado
pela opinião pública e pela sociedade civil, já que a emergência de escândalos,
principalmente de corrupção, é quase endêmica nele. Vale a pena elaborar um
pouco o papel do PT e das mudanças estruturais pelas quais ele passou, antes de
pensar o que está em jogo nas eleições de 2012.
O PT se consolidou politicamente entre 1988 e 2002 como um
outsider do sistema político descrito anteriormente. O partido surgiu como um
crítico ao sistema político brasileiro e, inicialmente, conseguiu constituir
uma bancada parlamentar de nível mais alto do que aquela existente no Congresso
Nacional, em razão de uma forte vinculação de seus líderes a diversos
movimentos sociais. Isso tornava suas campanhas relativamente baratas e
separava o PT das práticas mais correntes no Congresso Nacional. Ao mesmo
tempo, como já apontaram diversos cientistas políticos, o partido estabeleceu
um sistema de disciplina partidária à margem do sistema político, passando a
ter uma bancada disciplinada e solucionando negociadamente suas disputas
internas. Esse sistema informal foi capaz de estabelecer uma regulação externa
em relação ao sistema político brasileiro e funcionou bastante bem até 2002,
quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente. Então se colocou para o
PT o dilema de optar pela governabilidade com a capacidade de controlar o
Congresso ou pela manutenção de um sistema quase alternativo de governo.
Sabemos quais foram as escolhas feitas, mas o importante é entender as
consequências disso para a relação entre governo, sistema partidário e
sociedade civil.
O governo Lula gerou, ao mesmo tempo, avanços e retrocessos
para a relação entre a sociedade civil e o Estado no Brasil. Os principais
avanços estão relacionados ao aprofundamento das formas de democracia
participativa no governo federal. As conferências nacionais ampliaram a relação
entre Estado e sociedade civil em muitas áreas ao tornarem-se um local de
efetiva negociação entre o governo e a sociedade em áreas com forte tradição de
participação social, como é o caso da saúde e da assistência social. Ao mesmo
tempo, o governo ampliou algumas das áreas sob a influência da participação,
criando novos conselhos nacionais ou mesmo novos sistemas gestores. Em áreas
como a política urbana ou a segurança alimentar, a participação social foi
efetivamente ampliada. Mas esses avanços não estiveram sistemicamente relacionados
à organização do Estado, que, em muitos setores, teve reduzida a influência da
sociedade civil. Foi o caso, por exemplo, do meio ambiente e da agricultura, em
que grandes grupos econômicos passaram a influenciar fortemente a agenda do
Estado em questões decisivas, como os transgênicos e as grandes obras de
energia elétrica.
Assim, temos hoje um panorama misto quando pensamos na
relação entre governo e sociedade civil e em uma agenda de esquerda para o
país. Certamente, o Brasil avançou em agendas importantes para a sociedade
civil, como a redução da desigualdade e a ampliação da participação social no
âmbito do governo federal. Mas a relação entre governo e sociedade civil ficou
mais esgarçada em diversos campos, entre os quais cabe destacar o meio ambiente,
as grandes obras de energia elétrica e, principalmente, a relação com o sistema
político, marcada pela repetida incidência de casos de corrupção e a ausência
da reforma política. Esse novo equilíbrio reposiciona a agenda por parte da
sociedade civil para as eleições municipais de 2012. Essa agenda deve ser mais
seletiva.
De um lado, vale a pena avaliar os candidatos do PT e suas
coalizões uma a uma. Os casos de algumas cidades chamam a atenção, e irei
abordá-los comparativamente. Em primeiro lugar, pensemos no caso de São Paulo,
que traz à baila a disputa interna entre esquerda e direita que tem marcado a
vida política da cidade desde a democratização. Nenhum grande município
brasileiro teve tão pouca continuidade administrativa como São Paulo, que foi
administrado pela totalidade do espectro político, do malufismo ao PT, passando
pelo PSDB e pelo DEM. A cidade obedeceu, em suas disputas municipais, tanto à
lógica nacional, que prevaleceu em 1988 e em 2000, como às lógicas locais, que
dominaram em 1996 e em 2008. A candidatura de Fernando Haddad à prefeitura traz
à tona novamente a lógica nacional. O papel do ex-ministro na realização de uma
política de educação à esquerda em sua gestão no MEC, com fortes traços de
inclusão social e aceitação da diversidade no processo educacional, serão temas
durante a campanha. Por todos esses motivos, é de supor que Haddad na
Prefeitura de São Paulo irá significar a colaboração entre Estado e sociedade
civil.
Outro caso merece ser mencionado: o de Belo Horizonte. A capital
já foi exemplo de relação positiva entre sociedade civil e Estado na
democratização das políticas sociais. As quatro gestões do PT na cidade foram
altamente democratizantes, mas é claro que essa tendência chegou ao limite com
a eleição de Márcio Lacerda, que obedeceu unicamente às conveniências
individuais do ex-prefeito Fernando Pimentel. Durante a atual gestão, o
prefeito se desentendeu com o mundo cultural, com as associações de defesa da
reforma urbana e com a juventude. Não está absolutamente claro o que a
sociedade civil pode conseguir com a reeleição de Lacerda.
Assim, comparar São Paulo e Belo Horizonte pode dar uma ideia
do tipo de posicionamento necessário para pensar o aprofundamento da democracia
e de uma relação mais democrática entre Estado e sociedade civil no Brasil.
Entender a política brasileira hoje implica perceber que deixamos de ter um
partido que se posiciona automaticamente com a agenda da sociedade civil, mas
que temos um partido no qual alguns de seus membros continuam defendendo tais
políticas. Atuar seletivamente no reforço desses candidatos é importante nas
eleições de 2012, pois são eles que têm a condição de fazer avançar uma agenda
de ampliação da participação social e de aprofundamento da diversidade e dos
direitos.
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