O orçamento de 2012 atingiu R$ 3,3 bilhões para beneficiar
cerca de 45 milhões de estudantes, sendo que aproximadamente R$ 900 milhões
devem ser direcionados para a compra diretamente da agricultura familiar. A
liberação do orçamento de 2013 está previsto para meados de janeiro, com
estimativa de cerca de R$ 3,5 bilhões, o que significa R$ 1 bilhão para a
agricultura familiar. O artigo é de Eduardo Sá.
Eduardo Sá
Apesar de ter mais de 50 anos de existência, o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) só teve seu marco legal [Lei 11.947]
sancionado em 2009, graças à mobilização da sociedade civil, sobretudo por meio
do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A disputa travada
no Senado não foi fácil, devido à força de setores privados das indústrias de
alimentos, refeições coletivas e da bancada ruralista que tentaram, mais uma
vez, monopolizar o mercado institucional da alimentação escolar.
Com a lei algumas conquistas foram atingidas, como o
reconhecimento da alimentação como um direito humano e a obrigatoriedade de que
no mínimo 30% dos recursos sejam destinados à compra de alimentos da
agricultura familiar através de chamadas públicas de compra, com dispensa de licitação.
O PNAE garante a alimentação escolar dos alunos da educação básica em escolas
públicas e filantrópicas. Seu objetivo é atender as necessidades nutricionais
dos alunos para contribuir na aprendizagem e rendimento, bem como promover
hábitos alimentares saudáveis
Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), órgão responsável pelo programa, a união repassa a cada dia letivo aos
estados e municípios R$ 0,30 a R$ 1,00 por aluno, de acordo com a etapa de
ensino. O investimento é calculado com base no censo escolar do ano anterior ao
atendimento. A sociedade acompanha e fiscaliza o programa por meio de
conselhos, do tribunal de contas e do ministério público, dentre outras
instituições. O orçamento de 2012 atingiu R$ 3,3 bilhões para beneficiar cerca
de 45 milhões de estudantes, sendo que aproximadamente R$ 900 milhões devem ser
direcionados para a compra diretamente da agricultura familiar. A liberação do
orçamento de 2013 está previsto para meados de janeiro, com estimativa de cerca
de R$ 3,5 bilhões, o que significa R$ 1 bilhão para a agricultura familiar.
O cardápio a ser oferecido às escolas e os procedimentos para
aquisição pública de alimentos também foram alterados pela lei. A comida deve
levar em consideração a produção local, a sazonalidade e conter alimentos
variados, frescos e que respeitem a cultura e os hábitos alimentares saudáveis,
como frutas três vezes por semana. Só podem comercializar com o PNAE os
agricultores que possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Até julho
deste ano, cada agricultor poderia comercializar até R$ 9 mil por ano para o
programa, mas a partir da resolução nº 25, do FNDE, o limite passou para R$ 20
mil. A mudança é fruto de um acordo com as mulheres do campo durante a Marcha
das Margaridas, segundo a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). As
prefeituras e secretarias estaduais são obrigadas a publicar os editais de
compras dos alimentos em jornais de circulação local ou na forma de mural em
lugar público.
De acordo com o estudo realizado em 2010 pelo FNDE em
parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no qual foram
encaminhados para as secretarias municipais e estaduais de educação 5.565
formulários, com resposta de 3,136 (14 estados), as regiões sul e sudeste
lideram o ranking de compra da agricultura familiar. No sul, mais de 50% dos
municípios que responderam compram da agricultura familiar, enquanto no norte
apenas 15%. Os gestores da educação apontam como desafio, por município: a
falta de DAP das organizações (557), dificuldade de logística (1.094), falta de
informação dos atores envolvidos (701), etc. As hortaliças, legumes e verduras,
seguidas das frutas, lideram as compras, e as gorduras e óleos com os orgânicos
e cereais são os menos comprados. Até o fechamento da matéria o FNDE não
disponibilizou dados mais atualizados.
Críticas e elogios da
sociedade
Segundo a presidente do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco, o PNAE é extremamente
relevante e incorporou no seu novo marco legal elementos importantes, como o
conceito de alimentação adequada. Segundo ela, o fundamental é o fortalecimento
da agricultura familiar e camponesa para o processo da transição agroecológica
no país.
“Essa política reforça
o papel da agricultura familiar e reconhece que esses agricultores e
agricultoras produzem alimento de qualidade, além do fato que eles têm direito
a participar da política e vender a produção local dispensando o processo
licitatório pelas chamadas públicas. Por outro lado, essa política inovadora
traz também seus limites e dificuldades. Em muitos locais do Brasil as
prefeituras ainda não estão fazendo essas chamadas públicas, e o processo
licitatório acaba prevalecendo. Esse problema é bastante complicado”, pontuou.
De acordo com o FNDE, o órgão tem acompanhado a publicação
das chamadas públicas através do Portal da Rede Brasil Rural (RBR), ferramenta
implantada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para divulgá-las
nos municípios e estados. O Projeto NUTRE, também do MDA, tem desenvolvido
ações de capacitação com os agricultores familiares interessados em vender para
o PNAE para aproximá-los dos gestores e facilitar o processo de aquisição. Há
também a capacitação nos Centros Colaboradores de Alimentação e Nutrição Escolar
(CECANES), que têm parceria com 7 universidades. No que diz respeito ao
monitoramento da gestão, segundo o FNDE, está em processo de implantação o
Sistema de Prestação de Contas online, que deve aprimorar o acompanhamento das
chamadas públicas.
O PNAE tem servido de exemplo para outros países, como São
Tomé e Príncipe, na África, onde os produtos locais, como o leite de cabra,
estão sendo reincorporados ao sistema alimentar de modo a favorecer gerações
que foram acostumadas a consumir produtos importados. Mas, por outro lado,
existem desafios.
De acordo com Vanessa Schottz, do Fórum Brasileiro de
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a lei de alimentação escolar
traz uma estratégia de segurança alimentar e nutricional proporcionando a
oportunidade de aproximar os circuitos de produção e consumo. É uma política
que tem muitas potencialidades, tanto para a agricultura familiar quanto para a
agroecologia, complementou. O programa é também uma oportunidade para
identificar bloqueios na ponta do acesso dos agricultores às políticas
públicas, segundo ela.
“A questão da
comercialização é muito importante, mas não pode andar sozinha. É necessário
políticas voltadas para o financiamento da produção, e que essa forma de
financiamento seja adequada a um modelo de produção sustentável com base na
agroecologia. Um modelo de financiamento acessível para as mulheres, os
extrativistas, os quilombolas, indígenas, da mesma forma que a assistência
técnica vá também em direção à agroecologia”, sugeriu.
Um dos principais problemas identificados por especialistas
do tema, movimentos sociais e agricultores é a Declaração de Aptidão ao Pronaf
(DAP), que viabiliza a inserção dos agricultores familiares a qualquer política
pública.
O entendimento é que da forma que está estruturada ela
dificulta o acesso às documentações para entrar no programa, sobretudo para
mulheres, quilombolas, indígenas, etc. Outra questão é como desvincular o
acesso de políticas de comercialização, como o PAA e o PNAE, do acesso ao
crédito. “É preciso pensar outro instrumento que identifique os agricultores
familiares, e que os habilite a acessar programas como estes sem regras tão
restritivas”, afirma Schottz.
A DAP é obrigatória para acessar linhas de crédito, políticas
públicas de assistência técnica, seguro, incentivo à comercialização, dentre
outros mecanismos. É fornecida gratuitamente e emitida por órgãos credenciados
pelo MDA, e tem validade de seis anos. A Secretaria de Agricultura Familiar
(SAF/MDA) informou, por meio de sua assessoria, que está ciente de todas as
dificuldades envolvidas no processo de emissão de DAP, e que ele vem sendo
aperfeiçoado ao longo de tempo. Esse procedimento teve início em meados de 2001
e, de acordo com o órgão, as alternativas para emissão evoluíram do formulário
em papel para emissão via internet.
“A DAP é da família e
não da pessoa. No desenho da base de dados foram considerados todos os aspectos
teóricos e analíticos que envolvem a identificação e qualificação de pessoas e
unidades familiares. Existem normativas, como as Resoluções do Conselho
Monetário Nacional e a própria Lei da Agricultura Familiar – Lei 11.326 – que
estabelecem os parâmetros a serem considerados na qualificação dos agricultores
familiares. A SAF os considerou ao estruturar a base de dados de DAP. E as
políticas públicas dirigidas aos agricultores familiares implicam quase sempre
em subvenção econômicas e, portanto, passível de responsabilização dos
gestores, por parte dos órgãos de controle”, informou.
Outra questão apontada por Schottz é que há também uma
tradição longa no Brasil de compra centralizada através de licitação, o que
acaba favorecendo as grandes empresas. Daí a importância da chamada pública,
que possibilita a compra da agricultura familiar. Mas ainda há dificuldade de
entender essa diferenciação, pois a lógica dos editais passa a ter uma seleção
que não vai ao encontro do menor preço, como de costume. O modelo do PAA, com
um preço de referência tabelado, faz com que os alimentos que chegarão às
escolas sejam definidos pela questão da segurança alimentar e do
desenvolvimento local, por exemplo, pautados pela agroecologia. Assim evita
disparates como a compra do pescado, que é típico do Rio de Janeiro, importado
da Argentina para a alimentação escolar carioca. E a licitação dá margem à
monocultura, pois fortalece a lógica da produção em grande escala.
Experiências do PNAE
Paulo Lourenço tem 58 anos e é agricultor em Espera Feliz, na
zona da mata de Minas Gerais. Trabalha com o PNAE há três anos, foi um dos
primeiros camponeses a entregar através da Cooperativa da Agricultura Familiar
Solidária de Espera Feliz (Coopfeliz). Ele planta banana, alface, couve,
brócolis, mandioca e faz polpa de fruta, dentre outros alimentos. Leva tudo
para a cooperativa, que exige alimentos agroecológicos para de sua sede
distribuir às escolas. Consegue em torno de R$ 1.000,00 por mês com essa venda.
Paulo diz que nunca teve problema com os cadastros ou qualquer papelada por
conta da cooperativa, mas tem críticas e sugestões para o governo.
“Ajuda muito o agricultor, porque de outra maneira não
vendia. O problema é que a gente só recebe 30 dias depois, porque até a
Cooperativa não tem dinheiro para pagar. E tem vez que até passa um pouco mais.
Levamos para a cooperativa, que repassa para as escolas, mas a entrega seria
maior se tivesse um carro para buscar na roça. Muita gente tem dificuldade com
isso. O governo poderia também ajudar mais com as sementes e o maquinário, além
de ampliar os projetos para as hortas”, observou.
No Mato Grosso já ocorreram alguns entraves no acesso dos
agricultores, pois saíram chamadas com produtos que não eram produzidos na
região. De acordo com Fátima Aparecida, da ONG Fase, que assessora os grupos
agroecológicos na região, por isso é importante um processo pedagógico junto aos
agricultores e o diálogo com o governo. Ela explica aos camponeses o que é uma
chamada pública, e faz contatos com as secretarias e a nutricionista para
conhecer os cardápios da prefeitura e começar o diálogo das organizações com os
gestores públicos.
“Para que eles
entendam que às vezes é preciso mudar o cardápio, adequar para que os
agricultores digam o que estão produzindo naquela época. Às vezes os
agricultores não têm os produtos que eles querem. Ajudamos a elaborar o
projeto, para participar no dia do encontro que define quem vai entregar e os
preços. Tem muita dificuldade para transportar, mas com o PAA eles começaram
uma parceria com a prefeitura. Outros até cotizaram para comprar um veículo
para levar os produtos do PAA e PNAE”, relatou Aparecida.
O FNDE reconhece que a logística é uma das maiores
dificuldades relatadas pelas entidades executoras e pelos agricultores
familiares na compra e venda de alimentos para o PNAE, por isso estão
trabalhando na elaboração de uma Ata de Registro de Preços Nacional para
facilitar o processo de aquisição de veículos frigoríficos. “O procedimento
visa garantir o melhor preço e agilidade no processo de compra. Além disso, o
MDA tem trabalhado na instalação de Unidades de Apoio À Distribuição de
Alimentos da Agricultura Familiar – equipamentos para auxiliar o
desenvolvimento de atividades de distribuição dos produtos da agricultura
familiar para o PNAE e para o PAA e também apoiar a comercialização direta dos
mercados locais e regionais”, afirmou a assessoria do FNDE.
Os grupos assessorados por Aparecida no Mato Grosso são
formais e comercializam acima de R$ 100 mil por ano, sendo que as documentações
são as mesmas do PAA. Mas em municípios menores, onde grupos informais acessam,
há problemas com a aquisição da DAP, principalmente com a DAP jurídica. No
caso, o sindicato dos trabalhadores rurais acaba contribuindo como parceiro
para o acesso a esses documentos. Em relação ao aumento do preço da compra para
R$ 20 mil por ano, afirma que os agricultores ficam mais animados a participar
só que tem município onde apenas 5 famílias já atingem os 30% obrigatórios.
“Você acaba excluindo
o agricultor. Se você pegar o caso de Cuiabá e Várzea Grande, onde está o maior
número de alunos, esses R$ 20 mil é pouco. Mas ainda é melhor, porque eles têm
que pagar o transporte. Alguns agricultores entregam direto nas escolas, outros
têm uma central de distribuição. As estradas em péssimas condições aumentam o
custo dos alimentos. A grande reclamação das escolas é ir ao local pegar os alimentos,
porque estão acostumadas com os supermercados que entregam pelo telefonema”,
concluiu.
A ampliação do limite representa uma conquista importante
para os agricultores familiares e se soma aos vários instrumentos voltados para
a melhoria da comercialização dos produtos da agricultura familiar e o
fortalecimento dos produtores, informou a SAF. “Com o aumento, o agricultor
pode vender mais do que o dobro do que podia vender antes para o PNAE, o que
lhe permite investir em melhorias. O PNAE é mais um mercado criado para
fortalecer a agricultura familiar e que o agricultor pode vender também para o
PAA, o que não o impede de aumentar a renda fornecendo ao mercado privado”,
afirmou.
Muitas escolas ainda não têm infraestrutura adequada para o
preparo de alimentos, e estudos mostram que algumas sequer possuem água.
Segundo dados do censo escolar 2007, das quase 200 mil escolas públicas de
educação básica existentes no Brasil, 1.789 não possuem qualquer tipo de
abastecimento de água. No que se refere ao saneamento básico, quase 15 mil
delas não possuem infra-estrutura adequada. São questões que não podem ser
vistas como bloqueios para tornar o programa inoperante. Alguns analistas dizem
que são necessárias parcerias entre prefeituras, governos estadual e federal
para viabilizar melhores condições de transporte e logística de armazenamento
desses alimentos. É muito importante para incorporar alimentos que vêm da
agroecologia, sem agrotóxicos, num país que tem o triste recorde mundial de
maior consumidor de venenos agrícolas.
Mesmo com todas as dificuldades, o PNAE mostra como os
agricultores e agricultoras familiares brasileiros têm uma grande capacidade de
responder aos estímulos de políticas públicas minimamente adaptadas às suas
realidades. A evolução do programa certamente vai encher de orgulho milhares de
famílias agricultoras que agora terão a oportunidade de fornecer comida boa
para estudantes da rede pública, contribuindo para a promoção da segurança
alimentar e nutricional por esse Brasil afora.
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