Venício Lima
Fundada em Cuba, ao tempo de Fulgêncio Batista (1943), com
sede em Miami, EUA, a SIP reúne os donos dos principais jornais privados das
Américas e é fruto do ambiente de disputa ideológica da guerra fria,
pós-Segunda Guerra.
Entre as posições que tem defendido, a SIP se opõe
obstinadamente à revolução cubana, foi contra o sandinismo na Nicarágua, apoiou
o golpe contra Salvador Allende no Chile, foi contra o debate sobre a Nova
Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic), na Unesco, na década de
1980. Mais recentemente, tem sido crítica implacável dos governos
latino-americanos que propõem a regulação democrática do mercado das empresas
de comunicação.
Ao longo das últimas décadas, por óbvio, o mundo mudou. A
América Latina mudou. Em particular, o mundo das comunicações mudou. A
revolução digital e a convergência tecnológica refundaram os conceitos e a
prática da produção e da distribuição de notícias. A mídia impressa passa por
transformações profundas e até mesmo a sobrevivência dos jornais – no formato
atual – tem sido questionada.
Mas a SIP não mudou. Suas bandeiras e sua linguagem não
mudaram. A cada ano, a cada assembleia, reafirma seu repúdio aos avanços que a
maioria da população latino-americana vem conquistando, democraticamente, nas
últimas décadas. Seu ideário continua o mesmo dos velhos tempos da guerra fria
e das ditaduras militares e/ou civis que ajudou a instalar e com as quais
colaborou em todo o continente.
Nas conclusões da assembleia realizada no Brasil está
escrito:
A violência contra a integridade física dos jornalistas e a
crescente intolerância dos governos autoritários são os principais problemas
que a imprensa independente no continente enfrenta hoje. [...] E uma feroz
ofensiva liderada pelos presidentes da Argentina, Equador e Venezuela tenta
silenciar o jornalismo independente nos seus países mediante leis para regular
o exercício do jornalismo, discriminação na concessão da publicidade oficial e
imensos aparatos midiáticos estatais e privados utilizados para difamar e para
promover campanhas sujas. [...] No Brasil, a justiça continua emitindo decisões
contra a mídia para impedir a circulação de informações (ver aqui).
Para a SIP, seus membros e seus aliados, “imprensa
independente” e “jornalismo independente” são equacionados com a cobertura
política que a grande mídia fez e continua a fazer na América Latina, incluído
o Brasil.
“Independente” é considerar liberdade da imprensa como
liberdade de expressão e excluir milhões de vozes que permanecem secularmente
impedidas de participar do debate público. Na ressignificação da SIP,
“independente” identifica, de fato, imprensa e jornalismo opinativos e
partidarizados, defensores de uma democracia elitizada e excludente em pleno
século 21.
Acima de tudo, para a SIP hoje, “independente” é o código
para um liberalismo arcaico que luta sem tréguas contra qualquer forma de
interferência do Estado para garantir direitos da cidadania; contra qualquer
forma de regulação democrática, mesmo aquela que existe há décadas nas
democracias liberais mais avançadas do planeta; contra tudo que possa pôr em
risco os imensos privilégios dos oligopólios privados de mídia na América
Latina.
A SIP continua no tempo da guerra fria. Não mudou. Nem
mudará.
Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador
visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de
Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentando) e autor de Política de
Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher
Brasil, 2012, entre outros.
(*) Artigo publicado originalmente na revista Teoria e
Debate.
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