Wilson Roberto Vieira
Ferreira in Cinema Americano, Jornalismo, Novas tecnologias, Teorias
Conspiratórias, Universidade Anhembi Morumbi
Muito discutida e ainda pouco compreendida, a essência do
filme “Matrix” (a hipótese da virtualidade do real) talvez já esteja presente
no nosso dia-a-dia mais do que imaginamos. A pesquisa “Agenda Setting e a
Cobertura dos Casos Mensalão e Cachoeira” feita por estudantes de jornalismo da
Universidade Anhembi Morumbi São Paulo como conclusão do curso “Estudos da
Semiótica” apresenta a constatação de que a mídia corporativa não tem mais o
poder de eleger presidentes ou forçar impeachments como no passado, mas ela é
eficiente em estabelecer pautas e agendas como a do atual julgamento do chamado
“Mensalão”. Se a hipótese da agenda
setting for correta, o que chamamos de “realidade” poderia ser uma construção a
partir de percepções e cognições fornecidos por um ambiente midiático em que
vivemos.
Virtuosismo tecnológico, capas pretas, bullet time e todo o
visual ciberpunk marcaram as representações dos mundos virtuais em filmes como
“Matrix”: humanos enredados nos véus da ilusão criada por
computadores/demiurgos que nos escravizam. Mas descontando todo esse
sensacionalismo hollywoodiano em torno da hipótese da virtualidade do real,
podemos nos surpreender ao descobrir que a essência do tema de Matrix já está
presente em nosso dia-a-dia, tão diluído nos temas das nossas conversas e na
indústria de informação e entretenimento que nem nos damos conta: mais do que
uma figura retórica, já há muito tempo experimentamos a Matrix na prática!
Isso é o que demonstra
a pesquisa “Agenda Setting e a Cobertura dos Casos Mensalão e Cachoeira”,
trabalho de conclusão da disciplina Estudos da Semiótica da Escola de
Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi – UAM/São Paulo (veja video
abaixo). O grupo formado pelos estudantes da graduação em Jornalismo Ana
Carolina Cassiano, Cainã Ito, Camila Albino, Gustavo Carratte e Renata Corona
analisou as capas e primeiras páginas dos principais veículos de imprensa de
alcance nacional e chegou a uma constatação empírica: até o início do segundo
semestre o foco dos veículos como jornais “O Globo”, “Folha de São Paulo”, “O
Estado de São Paulo” e de revistas como “Veja”, “Isto É” e “Época” “estava
concentrado nas repercussões das denúncias envolvendo o contraventor Carlinhos
Cachoeira. O julgamento do chamado Mensalão ainda era pouco comentado”.
Quase nada de Cachoeira
e exaustiva cobertura do mensalão
Com a proximidade das eleições municipais, esse foco
midiático foi invertido: “quase nada de Cachoeira e exaustiva cobertura sobre o
escândalo envolvendo o Partido dos Trabalhadores (...) Cachoeira permanecia
envolvido em acusações, mas já não tinha seu rosto exposto por tanto tempo na
TV, jornais, revistas e sites, tampouco era comentado nas rádios”.
“Tomando como exemplo
a revista Veja seis de suas capas no segundo semestre de 2012, quando já
estavam próximas as eleições municipais, foram sobre o caso envolvendo o PT.
Além destas, mais três tiveram destaque na capa, com chamadas para ler mais
denúncias páginas adentro”.
Para além dos
evidentes exemplos de manipulação no enquadramento e seleção dos acontecimentos
– desde a tendenciosa pergunta da pesquisa Datafolha no início de agosto (“os
acusados do Mensalão deveriam ser enviados para a cadeia?”) e todo o exagero da
cobertura que invertia os princípios básicos da Justiça (“que obriga os
promotores a comprovarem a culpa do réu e não o contrário”) – a pesquisa associou
a inversão da cobertura no segundo semestre ao fenômeno conhecido como “agenda
setting” ou agendamento: a mídia não apenas manipula a realidade, mas,
principalmente, altera a nossa percepção da realidade. Pode parecer uma
diferença sutil a existente entre os termos “manipulação” e “percepção”, mas
ela é decisiva por ser mais insidiosa e profunda.
A Hipótese do
“agendamento”: já vivemos na Matrix
Embora o conceito de
“agenda setting” tenha sido formulada somente na década de 1970 pelos
pesquisadores norte-americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw em estudos que
analisavam a influência das mídias nas eleições presidenciais dos Estados
Unidos em 1968, seus princípios básicos começaram a ser traçados em 1922 pelas
teses levantada pelo jornalista Walter Lippmann.
Para Lippmann a
opinião pública não reagia diretamente aos fatos do mundo real, mas vivia em
uma espécie de “pseudoambiente” formado principalmente por “imagens em nossas
cabeças” (LIPPMANN, W. Public Opinion). A mídia teria um papel central na estruturação
desse pseudoambiente e fornecimento das imagens.
Em 1963 Bernard Cohen deu uma premissa moderna a essa ideia
esboçada por Lippmann: “Na maior parte do tempo a imprensa pode não ter êxito
em dizer aos leitores o que pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos
leitores sobre o que pensar” (COHEN, B. Press and Foreign Policy). Em outras
palavras, a mídia seria péssima em impor conteúdos ou persuadir a opinião
pública a tomar um posicionamento “A” ou “B”, mas ela seria ótima em criar uma
hierarquia de temas supostamente com pertinência social para ser discutida.
Dessa maneira, Cohen destacou a onipresença da mídia como
eficiente modificadora e formadora de opinião a respeito da realidade. Em
consequência da pauta de temas criados pelas mídias o público sabe ou ignora,
presta atenção ou descura, realça ou negligencia certos elementos dos cenários
públicos. As pessoas tendem a incluir ou excluir dos seus próprios
conhecimentos aquilo que as mídias incluem ou excluem do seu próprio conteúdo.
Além disso, o público pode atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma
importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelas mídias aos
acontecimentos, problemas e às pessoas. A pauta de fixação feita pelos meios de
comunicação perdura no público. Os assuntos nela evidenciados serão comentados
pelas pessoas que acabarão julgando os fatos de acordo com essa pauta e
percebendo uma realidade social diferenciada.
O filme “Obrigado por Fumar” (Thank You For Smoking, 2005)
apresenta didaticamente essa estratégia que está além da manipulação simples
pela imposição de determinado posicionamento ideológico: se as pessoas querem
ou não fumar cigarro, essa seria uma questão que a mídia teria muito pouca
influência. Mas ela seria eficiente em fixar a pauta do tabagismo como tema
pertinente para a opinião pública. O filme ironicamente apresenta como a
indústria tabagista estaria por trás tanto de pesquisas que demonstrem os
malefícios como as que refutam os danos maiores do cigarro. O que importa é que
o tema tabagismo ganhe espaço e visibilidade midiática.
Guerra de percepção e
sociedade do espetáculo
Pela hipótese da agenda setting não se trataria mais discutir
se a mídia influencia ou não determinados conteúdos ideológicos, mas a forma
como ela molda a percepção da própria realidade. A pesquisa do grupo de
estudantes de jornalismo da UAM destaca: “a mídia já não tem força para decidir
quem vai ser o próximo presidente, nem para eleger e forçar o impeachment como
no caso de Collor. Mas isso não significa que a mídia corporativa não siga
buscando seu intento, através da agenda setting, como agora ao conseguir
colocar em pauta o mensalão do PT”.
O mais perturbador nessa hipótese é a de que se a questão da
mídia não é de conteúdo (informação), mas de forma (pauta, agenda etc.) pouco
importaria se durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal ocorresse uma
reviravolta, as chicanes jurídicas fossem derrotadas e o mensalão fosse
desconstruído diante das câmeras: o mal já teria sido feito após a percepção da
opinião pública ter aceito a pertinência do tema “mensalão do PT” como
hierarquicamente superior a outros temas.
A pesquisa da UAM define a guerra pelos agendamentos das
pautas nas mídias como a própria natureza da sociedade do espetáculo: embora
seus resultados sejam ideológicos, os meios de comunicação seriam pouco afeitos
a ideologias, conteúdos ou informações (conscientização, formação, inculcação
etc.). Essa eficiência de influência ideológica talvez tenha existido nas
antigas sociedades de massa dos tempos da Segunda Guerra Mundial. Hoje, com
sociedades mais segmentadas e complexas onde a influência pessoal de líderes de
opinião (não confundir com “formadores de opinião” das mídias) como filtros das
mídias ganha mais força, a batalha passa a ser por agendas impactantes que
alterem a percepção do que seja a realidade para as pessoas.
É claro que após o sucesso do agendamento de um determinado
tema, os tradicionais mecanismos de manipulação da informação entram em cena,
como ficou evidente na cobertura do caso do Mensalão e nos 18 minutos de espaço
dado pelo Jornal Nacional da TV Globo para fazer um “resumo” do julgamento do
STF. Isso seria um aspecto técnico-ideológico da edição da informação (que
muitas vezes o público nem percebe criticamente) e que é mais compreendido por
aqueles predispostos à opinião inquisitorial sobre o PT.
O mais importante é que, em uma sociedade do espetáculo, a
conquista de uma pauta ou agendamento já é, em si, uma vitória ao fazer o
público discuti-la seja a favor ou contra.
Um argumento contra a eficiência ou existência dessa hipótese
seria que apesar de todo o agendamento do caso Mensalão desde 2005 na mídia
Lula foi reeleito e fez seu sucessor, Dilma Roussef. Mas, poderíamos dizer: “é
a economia, estúpido!”. Duas pautas contraditórias parecem disputar percepção
da opinião pública: a moralista da corrupção versus a do crescimento econômico
paradoxalmente partilhada até pela TV Globo, por exemplo, com o tema da “nova
classe média” em novelas como “Avenida Brasil”.
Se a hipótese da agenda setting for correta, o que chamamos
de “realidade” poderia ser um constructu a partir de percepções e cognições
fornecidos por um ambiente midiático em que vivemos. Essa talvez seja a
essência do filme “Matrix”. Um filme muito discutido, mas ainda pouco compreendido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário