Sanguessugado do QTMD?
Laerte Braga(*), especial para sua coluna no QTMD?
Num artigo publicado no jornal FOLHA DE SÃO PAULO, o
jornalista Paulo Francis explicou como funciona a mente do piloto de caça norte-americano.
Referia-se à primeira guerra contra o Iraque, conduzida por George Bush, o pai.
Segundo Francis, pelo menos àquela época, o sangue que
esguichava dos monstros mortos nos jogos de vídeo game era verde. Os jovens
norte-americanos cresciam (e crescem) matando “monstros”. Como no Brasil, uma
geração cresceu acreditando que a pedagogia da GLOBO via Xuxa era o segredo
para o sucesso. E sucesso virou o objetivo de quase todas as crianças do País,
substituindo o bem estar, a realização pessoal no seu sentido lato e como ser
humano. A geração Xuxa, uma lástima.
Nos EUA o negócio assume aspectos de barbaridade explícita.
Volta e meia, uma vez por semana, um invade uma escola e mata dezenas de
colegas e professores. Um escritório e mata colegas de trabalho. Ou se posta no
alto de um prédio e dispara aleatoriamente contra as pessoas que passam.
Termina tudo com um pedido de reflexão e as bênçãos divinas sobre os americanos
(do norte) e a América (que consideram propriedade, extensão de segunda
categoria dos EUA.
Francis dizia que na idade de alistarem-se nas forças armadas
os jovens que iam para a aviação não tinham a menor dificuldade em despejar
bombas de alguns milhares de toneladas, pois não enxergavam seres humanos, mas
alvos como nos jogos e o sangue que, porventura pudesse esguichar dali, era
verde, como nos vídeos.
Matar “monstros” num jogo, ou iraquianos, afegãos, sírios,
líbios, colombianos, etc, etc, num bombardeio é só uma questão de tempo e
lugar. Tanto faz que assentado numa poltrona em frente a um computador, ou num
caça bombardeio. A diferença estava apenas na possibilidade de uma “ação real”,
o que acabava excitando e estimulando o jovem jogador de vídeo.
Sete integrantes de uma tropa de elite da Marinha dos Estados
Unidos, incluindo um que participou da operação que assassinou o líder da Al
Qaeda, Osama bin Laden, foram punidos por divulgar material confidencial e
ceder dados, filmes e fotos, para que uma empresa especializada pudesse como
fez, produzir um vídeo especial e mais próximo da realidade.
As punições variaram de advertência a corte dos salários pela
metade durante o período de dois meses. O fato foi divulgado pela rede de tevê
CBS e confirmado pela Marinha.
Os integrantes da tropa de elite, via de regra apontados como
“libertadores”, foram consultores da empresa na produção do jogo.
Bradd Manning é um soldado acusado de ter permitido acesso de
milhares de documentos secretos do governo e de operações militares e
terroristas dos EUA e de Israel, ao site WIKILEAKS.
Está preso incomunicável, nu, sem qualquer respeito aos
direitos humanos, numa base militar nos EUA. Permanece o tempo inteiro com as
luzes acesas, não tem cama, o compartimento para suas necessidades fisiológicas
é mínimo e limpado uma vez por semana. Não há culpa formada, o processo legal
não tem trâmite. Juristas do país já classificaram a prisão de ilegal, os EUA
foram denunciados em todos os países do mundo pelo crime, pela violação de
direitos de Manning e nenhum juiz tem coragem suficiente para mandar libertá-lo
a despeito da flagrante ilegalidade. Lá como cá, o Judiciário é parte da
máquina que controla os “negócios de Estado”.
Para se ter uma idéia, negros, latinos e imigrantes são os
maiores habitantes, digamos assim, das cadeias nos EUA. Brancos, de um modo
geral, são tratado a leite no pires e pão de ló.
A violência, nas dimensões que a temos, é uma conseqüência
natural do capitalismo.
Seja pelas razões explicadas por Francis a propósito dos
pilotos norte-americanos, dos mariners de elite, seja da violência que estabelece
uma pré-guerra civil em São Paulo. O poder oficial da OPUS DEI a partir do
governador Geraldo Alckmin versus o poder real do PCC – Primeiro Comando da
Capital – e no meio disso tudo a Polícia Militar, anomalia do Estado
brasileiro, dividida entre um e outro poder.
Num outro meio, mais perigoso, o cidadão comum, sempre a
vítima de bala perdida, ou da “missão cumprida”. Como em Bogotá, capital do
crime na América Latina. À falta de competência para combater o crime
organizado e envolvidos no crime organizado as forças de segurança matam
pessoas comuns e atribuem a elas crimes monstruosos. Não importa, por exemplo,
que sejam crianças. É irrelevante, o importante são os números.
Terminado julgamento de Carla Cepolina, bode expiatório da
morte do coronel Ubiratan Guimarães, assassino de 111 seres humanos confinados
a uma prisão, Carandiru, a mídia preocupou-se em mostrar que um dos advogados
de defesa da acusada era “bonitão e teatral” e essas características teriam
sido decisivas para o júri absolver a ré.
O espetáculo, o sangue verde, ainda que não existam dúvidas
quanto a inocência da moça e certezas que Ubiratan Guimarães foi executado ou
por inimigos ou por parceiros de crime. A expectativa é se Carla Cepólina, 47
anos de idade, vai ser ou não convidada a participar do programa do Faustão,
virar evangélica, ou posar nua para alguma revista “especializada”.
Não se transformou no maior espetáculo da mídia, pois a
preocupação maior era com o resultado das eleições nos EUA e o final do
julgamento do mensalão.
“Pobre México, tão perto dos EUA, tão longe de Deus”. Frase
centenária do ex-presidente mexicano Porfírio Diaz. Separados por um muro.
Não existe nada de estranho na atitude dos soldados da
Marinha dos EUA no caso da produtora de vídeos games. Desde o governo Bush a
imensa maioria das forças de segurança e inteligência daquele país foram
privatizadas. A guerra virou um negócio, como negócio fundamental à boçalização
dos norte-americanos são os vídeos em que os muçulmanos são os “monstros”.
A punição é simbólica. O sangue que esguicha continua a ser
verde.
A barbárie não.
*Laerte Braga é jornalista e colaborador do “Quem tem medo da
democracia?”, onde mantém a coluna “Empodera Povo“.
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