A XXII Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de
Governo, iniciada nesta sexta-feira na cidade de Cádis, se anuncia como uma
grande mesa de negócios, na qual as duas “pátrias-mãe” latino-americanas pedem
a suas ex-colônias para “arrimar el hombro” e ajudá-las a superar as
dificuldades econômicas. A presidente Dilma Rousseff, na foto com o presidente
do Haiti, é uma das estrelas do encontro. A reportagem é de Naira Hofmeister,
direto de Madri.
Naira Hofmeister - Madri
Madri - O esforço feito pela família real espanhola para
convencer os mandatários latino-americanos a participar da XXII Cúpula
Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo em Cádis deu resultado. Desde
a quinta-feira, 18 líderes de nações latinas desembarcaram na Espanha para
participar de um encontro “pouco efetivo”, como admitiu o presidente do
Equador, Rafael Correa, em uma entrevista ao diário El País.
“Qualquer cúpula que
inclua a mais de dois já perde eficiência e esta inclui a muitíssimos. É,
aliás, algo sobre o que devemos pensar: talvez nossos povos estejam cansados de
que frequentemos tantas cúpulas e eles, tantos abismos”, criticou Correa.
No caso de Espanha e Portugal, a reunião é considerada
justamente uma oportunidade para sair do abismo – uma saída que, se pactada,
será mais dirigida às empresas que aos cidadãos que seguem padecendo com cortes
nos gastos públicos (embora seja também verdade que a aposta é por facilitar a
entrada de negócios estrangeiros de pequeno e médio porte, já que as grandes
marcas – principalmente as espanholas – estão na América Latina há anos).
As matérias do El País, principal jornal espanhol, não deixam
dúvidas sobre o caráter da Cúpula. “O que há do outro lado do Atlântico é um
mercado de uns 550 milhões de pessoas e a Espanha tem uma posição interessante
para tentar tirar alguma vantagem”, publica o jornal, fazendo referência ao
número de investimentos que o país ibérico possui no continente das
“ex-colônias”.
Em outro texto, o correspondente de Buenos Aires, Francisco
Perejil, se ressente de que não haja eco do encontro nos mais importantes
diários latino-americanos. Por fim, o correspondente no Brasil assina um texto
com um rasgado elogio ao “republicanismo” da presidente do Brasil, Dilma
Rousseff, uma das estrelas do encontro. “Dilma tem consciência de que é em
primeiro lugar presidenta de todos os brasileiros. Dos que votaram nela e
também dos mais de 40 milhões que se opuseram nas urnas e que hoje estão
oferecendo-lhe seu apoio nas pesquisas, facilitando um segundo mandato”.
Dilma Rousseff é uma
das estrelas
É inegável que a mandatária brasileira é uma das grandes
estrelas da Cúpula de Cádis - sua presença, diz o El País, “minimiza outras
previsíveis ausências”. O jornal se refere possivelmente à chefe de Estado
argentina, Cristina Kirchner, que conquistou a inimizade da mídia e do povo
espanhol depois de nacionalizar a subsidiária da Repsol no país, a YPF (mas que
garante seguir sendo merecedora de um trato “carinhoso” por parte do rei da
Espanha, don Juan Carlos); e também a Hugo Chávez, da Venezuela, que em uma
reunião como a que se celebra agora em Cádis, no ano 2007, foi alvo da já
anedótica repreensão do monarca espanhol: “¿porqué no te callas?”
Além dos dois presidentes, não compareceram o mandatário
uruguaio, José Mujica – por problemas de saúde –, o guatemalteco Otto Pérez
Molina, o cubano Raúl Castro e o paraguaio Federico Franco, cuja ausência foi
solicitada pela Espanha para evitar polêmicas e boicotes de outros chefes de
Estado, críticos a destituição do ex-presidente Fernando Lugo.
Para garantir a presença de Dilma Rousseff, a Espanha
empenhou toda a sua artilharia: estiveram em Brasília em um intervalo de 32
dias o ministro de Relações Exteriores, José Manuel García Margallo, o próprio
presidente do governo, Mariano Rajoy, e o rei em pessoa - na época, junho, ele
ainda estava ainda chamuscado pelo escândalo de uma caça a elefantes que
realizou na África enquanto o país se afundava na crise econômica.
O Brasil é o país da moda na Espanha. Não são poucos os
cidadãos que querem emigrar para o gigante latino-americano, que ocupa quase
diariamente manchetes econômicas que falam de crescimento, consumo, lucros,
empregos.
São tantos os pedidos de informação sobre emigração que a
embaixada em Madri recebe e o Itamaraty organiza no dia 23 deste mês um evento
com o título “Trabalhar em Brasil”, no qual o conferencista será o cônsul
honorário do país.
Algo que será muito bem vindo pelo país em áreas carentes de
mão de obra qualificada, conforme antecipou em entrevista exclusiva à Carta
Maior o ministro de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco.
Depois de Cádis,
presidente vai a Madri
Embora os resultados da XXII Cúpula Ibero-americana de Chefes
de Estado e de Governo não sejam tão fundamentais para o Brasil como podem ser
para Portugal e Espanha , o fato é que o país pode ganhar muito com o interesse
dos europeus. Segundo a Agência Brasil, a Espanha é o segundo maior investidor
externo no Brasil, com estoque acumulado de US$ 85,3 bilhões, e o 10º maior
comprador das exportações nacionais, com volume superior a US$ 4 bilhões
(2011), à frente de países como França, Rússia e Índia. A balança comercial
entre os dois países tem crescido em valores nos últimos dez anos.
Há também grandes expectativas de assinaturas de acordos na
área de ciência e tecnologia, principalmente no setor militar, já que a crise
tem levado os países europeus a abrir mão de determinados segredos de estado
para poder sair do buraco.
Outro tema que será pautado – mais pela imprensa brasileira
do que pelos governos – será o dos brasileiros inadmitidos em Barajas, o já
temido aeroporto de Madri. O Planalto considera que o problema está
praticamente solucionado, com um número de entradas negadas bem reduzido nos
últimos meses.
Na área política, Dilma, que é uma crítica das medidas de
austeridade e desde que iniciou seu mandato pressiona o Fundo Monetário
Internacional (FMI) – do qual o Brasil é um dos financiadores – para que
modifique os critérios para o empréstimo ou o resgate de países em dificuldades
econômicas, pode se transformar inclusive em uma aliada do conservador Mariano
Rajoy. O governo espanhol vem a tempos pedindo à União Europeia para que reduza
a pressão por ajustes e redução do déficit de forma tão imediata.
Para dar conta da agenda de interesses bilaterais, a
presidente Dilma vai estender a sua permanência no país ibérico – depois dos
dois dias de conferências em Cádis, 16 e 17 de novembro, e um domingo para
descansar, a chefe do executivo brasileiro passará toda a segunda-feira na
capital espanhola.
Em Madri, conversará com alunos brasileiros na Casa Brasil,
que completa 50 anos de existência na cidade, e com empresários em um evento
promovido pelo El País. Mas também se encontrará a portas fechadas com os
anfitriões Mariano Rajoy e o rei Juan Carlos.
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