O mínimo que a situação política e econômica do mundo atual
exige de cada um de nós é a reflexão séria, razoável conhecimento da história e
da formação das ideologias e, sobretudo, paciência nos embates teóricos, nos
confrontos com a práxis fascista que, aos poucos, com o enfraquecimento do
campo socialista em países como o Brasil, foram se tornando aqui e ali
protagonistas de alguns dos nossos acontecimentos históricos mais recentes.
Em outras palavras: o atual confronto de ideias entre o
capitalismo neoliberal, parcialmente combalido, e a busca de alternativas ao
seu já provado e nefasto exercício e sua prática perversa, necessita passar por
um rigoroso e efetivo diagnóstico. Sob pena de vermos o século XXI repetir, com
outras características e outros atores – é claro – as crises de 1914 e 1929,
onde duas guerras mundiais subiram à ribalta e explodiram em meio a uma notável
divisão ideológica, com a ascensão e o confronto das ideias fascistas e
comunistas.
Já não é novidade para aqueles que ainda se preocupam com
essas questões observar que, ao se sentir ameaçado em alguns de seus pilares de
maior sustentação – e a especulação financeira desenfreada e desregulamentada
da segunda metade do século XX se tornou um deles – o capital reage com a
violência que é da sua natureza. E se possível com a violência da guerra.
Volta-se inexoravelmente contra os trabalhadores e todos aqueles que dependem
apenas da força do seu trabalho para sobreviver com um mínimo de dignidade. Os
exemplos capitaneados pela dupla Washington e Londres não nos deixam mentir.
O instinto de sobrevivência do capitalismo, se assim posso me
expressar, tem atingido alguns níveis inimaginados até mesmo pelos seus mais
exaltados defensores, os seus domesticados e ao mesmo tempo agressivos think
thanks...
Institutos de pesquisas científicas, de pesquisas
comportamentais e de publicidade, os mais sofisticados; o uso da tecnologia de
ponta – informatizada ou não – com o entretenimento sendo dirigido com técnicas
sutis de manipulação do pensamento; o uso descarado da propaganda subliminar,
da chantagem política e econômica com o uso da força militar convencional ou
mesmo nuclear; a mídia seletiva organizada na direção da despolitização do
cidadão comum; a indisfarçável tentativa de estabelecer o pensamento único e o
fim da História; a imposição de um falso conceito de democracia, a
judicialização e criminalização da atividade política, tudo isso e mais alguma
coisa tem lançado a cada dia que passa a confusão em bilhões de mentes e
corações.
“Não confio nos
políticos”, ouço os mais jovens dizerem. “São todos farinha do mesmo saco”.
Enquanto se pensar assim a farinha do saco só irá aumentar. A alienação costuma
ser o primeiro passo para governos autoritários... E um privilegiado atalho
para o fascismo.
Confusão proposital, criada em centros de estudos subsidiados
pelas principais empresas corporativas na Europa e nos Estados Unidos. A ação
do Wikileaks e inúmeros vídeos espalhados pela Internet vêm comprovando o fato
à exaustão... Não é por acaso que Julian Assange se encontra asilado há semanas
na embaixada equatoriana em Londres.
Confusão para dividir. Dividir para reinar. Reinar para
subjugar. O jogo é antigo e por mais que cada geração tente criar anticorpos ou
pensamentos e práticas alternativas à usura, à riqueza desnecessária, ao poder
pelo poder, ao culto à irracionalidade e ao efêmero, mais o capital se fecha em
sua defesa, muitas vezes cooptando mentes brilhantes nas várias áreas do saber,
com o pagamento de altíssimos salários e bônus anuais e mesmo ações das
próprias corporações e empresas de governos com que ajudam a manter o comboio
nos trilhos. Ou incentivando a alienação.
Oitenta anos parece ser a média de vida do homem
contemporâneo na terra. Portanto, se qualquer um de nós conseguisse levar uma
vida regada a champanha e caviar nesses anos e estivéssemos listados entre
aquele 1% dos mais ricos do mundo, pois bem, que os outros 99% da humanidade se
lixassem, não é verdade?
O doloroso nesse quadro é ver o esforço que muitos daqueles
que já foram protagonistas do pensamento e das ideias e soluções alternativas
fazem hoje, quando resolvem entregar os pontos, e já não suportam mais defender
as difíceis ideias do humanismo solidário. “Arroubos da adolescência”, “fui
iludido na minha boa fé de jovem que queria mudanças”, “revoltas da juventude”,
“a história acabou” e outras baboseiras do gênero são cinicamente usados para
encobrir o oportunismo, a vaidade, a falta de ética e de caráter, a traição à
luta dos menos favorecidos. Os exemplos, infelizmente, têm se multiplicado em
escala geométrica.
Aqui no Brasil, e é disso que se trata, temos um curioso
quadro político, onde traços surrealistas despontam aqui e ali à medida que os
anos passam. Nossos maiores partidos políticos, aqueles que conseguem fazer o
maior número de congressistas, governadores e prefeitos rechearam-se de
políticos “profissionais”, boa parte deles sem qualquer formação ideológica
mais consistente ou – o que parece ser bem mais grave – num constante pular de
um galho para outro, a suposta esperteza de ficar em cima do muro ou, caso
nenhuma dessas alternativas seja assim tão aliciante, formar novos partidos,
quase sempre sem lastros de representatividade popular. Fenômeno que se dá à
direita e à esquerda do espectro político. Todos reféns de uma imprensa
partidarizada e venal.
A política tanto pode ser o exercício ético da administração
pública em benefício de todos os cidadãos de uma cidade, de um estado, de um
país, ou pode ser o valhacouto das grandes negociatas, cabide de empregos para
amigos e familiares, como – aliás – tem sido a cada dia que passa. Tanto no
atual executivo paralisado politicamente, como no legislativo abúlico e medroso
e, sobretudo no judiciário conspirador (aliás, o único poder em que seus
membros não são eleitos pelo povo) contra a nossa recente democracia, esse
triunvirato republicano tão ao gosto da retórica vazia de sentido. Independente
do esforço daqueles que ainda lutam e se esforçam para que as coisas se passem
de outra maneira.
A nova face da direita brasileira, a renovação dos quadros
mais reacionários e conservadores do país têm hoje a comandá-la vários
integrantes da histórica esquerda do país, inclusive de adeptos da luta armada
nos anos 60. Novidade? Nem tanto, apenas o número de oportunistas aumentou.
“Não confio nos
políticos”, ouço os mais jovens dizerem. “São todos farinha do mesmo saco”.
Enquanto se pensar assim a farinha do saco só irá aumentar. A alienação costuma
ser o primeiro passo para governos autoritários... E um privilegiado atalho
para o fascismo.
Izaías Almada, escritor e dramaturgo, escreve a coluna mensal
Pensando Alto
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