De Paris
Completados seis meses na Presidência, François Hollande
tornou-se o mais impopular chefe de Estado da V República. Com apenas 36% de
cidadãos a confiar no atual presidente socialista, segundo enquete realizada
pela TNS-Sofres, ante 53% que ainda admiravam no mesmo prazo seu antecessor, o
direitista Nicolas Sarkozy (ao cabo o presidente menos popular da V República),
vale indagar: por que essa decepção com Hollande, o social-democrata que
parecia inflar as velas rumo a uma mudança em uma morosa França, faz três
décadas?
Quando eleito, em maio, Hollande, prometia aderir ao tema
“crescimento” em uma Europa que só considerava planos de austeridade para
combater a crise econômica. Este – o tema “crescimento”, para aumentar a competitividade
e, por tabela, fomentar a criação de empregos – foi, sem dúvida, a carta
determinante para a vitória de Hollande. Mas a promessa-mor do atual
presidente, a de gerar “crescimento” na França e na Europa, não tem, por ora,
vingado.
“Infelizmente, precisamos
de austeridade para lidar com a crise”, argumenta Mokhtar ben Barka, professor
da Universidade de Valenciennes. Ben Barka diz ter votado, “sem grande
entusiasmo”, em Hollande. Seu voto, como a maioria daqueles a escolher o
candidato socialista foi, antes de tudo, contra Sarkozy. No entanto, Ben Barka
entendia que Hollande e seu Partido Socialista não dispunham de um programa
convincente para lidar com a crise econômica.
Yves Sintomer, professor da Sorbonne, concorda: os franceses
votaram contra Sakorzy, e não em Hollande. No entanto, Sintomer discorda de Ben
Barka no plano econômico. Para ele, a austeridade provoca a contração da
demanda na Europa. Estamos, diz Sintomer, “seguindo a mesma linha econômica da
América Latina dos anos 1980, quando fundamental era diminuir as despesas
públicas e, ao mesmo tempo, aumentar as exportações”. Esta política econômica,
pondera o acadêmico, não funciona quando todos os países de um bloco econômico
a adotam.
Autor do livro A Esperança de uma Nova Democracia (Lisboa:
Campo das Letras, 2003), Sintomer alega que falta um modelo para a França
escapar da crise. Para ele, um exemplo vem do Brasil. Os mandatos de Lula
criaram um novo modelo que não é socialista, mas também não é neoliberal.
“Trata-se de buscar desenvolvimento econômico fundado no consumo interior, e
com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais.” Mas na França não há uma
proposta similar para tirar o país e o continente da crise.
Enfim, também a França vai mal. O país, martelam economistas
de todas as tendências ideológicas, precisa de reformas estruturais para criar
confiança pública e global. Há, inclusive, quem diga que a França poderá ficar
na mesma situação da Espanha, e mesmo da Grécia. E os franceses, e o humor
tangível nas ruas e na mídia, começam a duvidar de seu futuro como economia
forte na Europa.
De fato, a situação das relações entre a chanceler alemã
Angela Merkel e Hollande deixa claro quem segura as rédeas, a despeito dos
planos de “crescimento” do presidente francês. A França é tida, na Europa, como
a líder dos países em crise do Sul. Merkel, em contrapartida, é a líder da
Europa que funciona.
Há 3 milhões de desempregados na França e 23% dos jovens de
19 a 25 anos não têm emprego desde o início da década passada. Fábricas
francesas fecham. Suicídios, como na crise de 1929, ocorrem diariamente. É
comum pessoas se jogarem diante de trens como se atiravam de edifícios, em
1929, nos Estados Unidos. De acordo com uma recente enquete da TNS-Sofres, 70%
dos franceses creem que a situação só pode piorar.
A indústria automobilística francesa tornou-se, como disse
François Sargent em um editorial no diário esquerdista Libération, “a metáfora
da crise da indústria francesa”. Embora o custo da mão de obra na França seja
equivalente ao da Alemanha, a indústria nesse país emprega duas vezes mais do
que na França.
Os motivos? A França não produz carros da qualidade dos
alemães – ou dos japoneses e coreanos. As empresas automobilísticas francesas
são pequenas, se comparadas às estrangeiras. E não fazem reformas estruturais.
Além disso, oferecem produtos menos variados e inferiores em termos de
desempenho.
Nesse contexto, os cidadãos franceses estão, com razão,
pessimistas. E, em grande parte, são estimulados a tanto pela mídia. A capa do
semanário conservador L’Express desta semana indaga: “Existe realmente um
presidente na França?” Ocorre que a mídia de esquerda é igualmente pessimista.
Hollande é, sem a mínima sombra de dúvida, um
social-democrata, diz o cientista político Alain Duhamel. Ao contrário de seu
antecessor e mentor François Mitterrand, eleito pela primeira vez em 1981,
Hollande não é ideologicamente ambíguo. Mitterrand se dizia socialista, mas
tinha relações com a direita, inclusive com o partido nazista na juventude. A
questão, indaga Duhamel, é se “em uma situação de crise nunca vista, Hollande
vai agir com a necessária determinação”.
Ao contrário de Sarkozy, Hollande é cidadão modesto.
Secretário do Partido Socialista, tornou-se, em parte graças à mídia, candidato
ideal. Há quem diga que se trata de alguém dotado de imenso senso de humor.
Perdeu 10 quilos no último ano, trafega de moto por Paris. Trata-se de uma
figura abordável.
Fica a recordação do mau comportamento da companheira de
Hollande, Valérie Trierweiler, em relação a Ségolène Royal, a ex-candidata
socialista às eleições presidenciais de 2007 e mãe dos quatro filhos de
Hollande. Trierweiler, acham muitos franceses, foi grosseira em seu Twitter
contra Ségòlene.
Na França, a vida privada das celebridades, incluindo
políticos, costuma ser preservada. Houve mudança, porém, com Sarkorzy. O
ex-presidente chegou ao Palácio do Élysée com sua mulher, e logo ela o deixou.
Sarko casou-se então com Carla Bruni. Passou a ser visto como o presidente
bling-bling, aquele que age rápido e gosta de dinheiro.
E eis que Hollande, mais discreto, também é alcançado pelas
luzes dos holofotes sensacionalistas. Ele, ex-parceiro de Ségòlene, candidata
socialista nas eleições de 2007, cala-se diante dos venenos da nova
companheira. Segundo uma pesquisa, 67% dos franceses tiveram uma “impressão
negativa” de Trierweiler. E até isso tem influência na baixa cotação do
presidente.
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