O diretor da sucursal de Veja em Brasília, Policarpo Jr., e o
contraventor Carlinhos Cachoeira, que acaba de ser condenado por formação de
quadrilha e tráfico de influência, mantiveram uma longa relação baseada na
troca de favores. Verdade factual.
Há provas irrefutáveis de que Cachoeira executou grampos a
pedido de Policarpo Jr. e organizou a operação para monitorar os movimentos de
José Dirceu, cujos resultados geraram uma capa da semanal da Abril. Provado
está também que o ex-senador Demóstenes Torres ganhou as célebres páginas
amarelas de Veja, prontas a apresentá-lo como um varão de Plutarco, em atenção
a uma solicitação de Cachoeira. Investigações da Polícia Federal revelaram que,
durante a feliz parceria, o profissional e o contraventor mantiveram mais de
200 conversações pelo telefone.
Situações similares em outros países provocaram a expulsão de
jornalistas não somente de suas redações, mas também, e sobretudo, das próprias
entidades da categoria. Por ter formulado acusações falsas, um diretor de
redação italiano pagou recentemente pela culpa do seu jornal e foi condenado a
alguns anos de reclusão. No Reino Unido, Rupert Murdoch teve de sair do país
por ter praticado façanhas muito parecidas com aquelas cometidas pela Veja de
Policarpo Jr.
No Brasil, causa surpresa, se não espanto, o fato de que o
deputado Odair Cunha, relator da CPI do Cachoeira, peça o indiciamento do
diretor da sucursal abriliana entre o de outros cidadãos sob suspeita,
encabeçados pelo governador Marconi Perillo. Solicita também investigação a
respeito do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Ao todo, 46 nomes, e
muitos jornalistas, embora sem a ressonância de Policarpo Jr. Donde já me
apresso a preparar meu coração e meus ouvidos para a tradicional ladainha, a
denunciar o assalto à liberdade de imprensa. Como é do conhecimento até do
mundo mineral esta, nas nossas latitudes, corresponde à liberdade dos barões
midiáticos e dos seus sabujos de agirem como bem entendem. Manipulam, omitem,
mentem.
Quando a verdade factual dos comportamentos de Policarpo Jr.,
e portanto da Veja e da Abril, veio à tona faz meses, até um Marinho se moveu
do Rio no rumo de Brasília para um encontro com o vice-presidente da República,
Michel Temer, a fim de alertá-lo sobre os riscos que a mídia da casa-grande
sofreria caso o parceiro de Cachoeira fosse chamado a depor na CPI. Logo, uma
figura graúda da Abril seguiu-lhe os passos para reproduzir o alerta. Se havia
um plano de convocar Policarpo Jr., este abortou. Temer sabe mexer seus pauzinhos.
De todo modo, a mídia está de prontidão. Alinhados, como
sempre do mesmo lado, os jornalões agora acusam o relator da CPI de ter cedido
às pressões do seu partido, o PT, que dúvida! Ora, ora, acabamos de viver, nós,
de uma forma ou de outra privilegiados, as consequências do processo do chamado
“mensalão”. Vimos o Supremo Tribunal Federal, representante do terceiro poder
da nossa democracia, perpetrar desatinos jurídicos sem conta, ao usar,
inclusive, uma interpretação inaplicável nas circunstâncias. Tratou-se de um
julgamento eminentemente político. Nele o STF curvou-se às pressões da mídia em
vez de atentar para os sentimentos da maioria da população, desinteressada do
êxito da demanda. Nesta edição leiam, a propósito, a instrutiva coluna de Marcos
Coimbra.
Não pretendo afirmar, com isso, que o PT no poder não se
portou como os demais partidos. Chegou ao cúmulo de imitar os tucanos dos
tempos da Presidência de Fernando Henrique Cardoso. Sim, portou-se e imitou,
mas a maioria dos brasileiros está mais atenta aos resultados dos governos Lula
e Dilma. Para a mídia, entretanto, só pesam os interesses da casa-grande, e a
determinação apoia-se com firmeza inaudita na desfaçatez e na prepotência, de
sorte a me arriscar a um vaticínio: o pedido de indiciamento de Policarpo Jr.,
este no mínimo, vai naufragar no oblívio. Donde, as raposas podem sossegar.
Há coisas que não entendo. Consta que a história é escrita
pelos vencedores, no entanto, na hora de vazar as informações básicas a
respeito do seu relatório, o valente Odair Cunha, que, aliás, começou a
fraquejar no dia seguinte à divulgação do relatório, entregou o ouro ao Jornal
Nacional da Globo. O qual, está claro, nada falou a respeito de Policarpo Jr.
No fundo, até os senhores do poder petista, salvo exceções, gostam de aparecer
no vídeo global ou nas páginas amarelas de Veja.
Observem: houvesse eleições presidenciais hoje, Dilma
Rousseff esmagaria qualquer competidor da oposição. E Lula ganhou anteontem a
parada paulistana ao levar Haddad à prefeitura contra o cada vez mais preparado
José Serra. Não consigo escapar ao costumeiro diálogo com os meus botões. Será
que, neste singular, insólito, quem sabe único país chamado Brasil, os
vencedores atuam como perdedores e vice-versa?
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