PAULO NOGUEIRA
Como Dilma alguns dias atrás, Lula parece ter, enfim, perdido
a paciência.
Lula mais ênfático
Lula governou apanhando calado das viúvas do Antigo Regime,
representadas pelas grandes corporações de mídia.
Ele fez uma opção, desde o início, pela conciliação. Na Carta
aos Brasileiros, garantiu ao 1% que nada de substancial mudaria.
Fez questão de comparecer ao enterro de dois barões da
imprensa de grande destaque no Antigo Regime, Octavio Frias e Roberto Marinho.
Chegou ao ponto – lastimável – de decretar três dias de luto
em memória de Roberto Marinho, a quem numa nota pública fez um panegírico sem
apoio nenhum na realidade dos fatos.
Não fez nada em relação aos limites da mídia. A velha
Inglaterra se movimentou primeiro, e sob um governo conservador com fortes
vínculos com Rupert Murdoch.
O relatório Leveson, o conjunto das propostas de mudança na
regulação da mídia britânica, foi o reconhecimento do governo de David Cameron
de que a sociedade está acima dos jornais – propriedade de empresários como
Murdoch para os quais o interesse pessoal vem na frente do interesse público.
Ponto.
Lula sequer discutiu a abjeta, repulsiva reserva de mercado
para as empresas de jornalismo. Tão ávidas em falar de competição, elas se
agarram a uma legislação esclerosada que impede o estabelecimento no Brasil de
empresas estrangeiras.
Perde o país, porque o jornalismo brasileiro melhoraria sob a
concorrência. E perde a decência, pela perenidade de um privilégio sem sentido.
Em sua política de boa vizinhança, Lula sequer chegou a mexer
no destino da multimilionária conta publicitária do governo e das estatais.
Isso foi dar numa bizarrice: a Globo mesmo com a pior audiência de sua história
em 2012 continuou a faturar em cima do governo como se dominasse, como na era
pré-internet, o mercado brasileiro de forma avassaladora.
Nada disso impediu que
Lula fosse atacado de forma cada vez mais feroz por aqueles diante de
quem contemporizava e, em certas ocasiões, até recuava.
A mídia brasileira se transformou, nos últimos dez anos, numa
fábrica uniformizada de colunistas dedicados a caçar Lula. Bater em Lula deu
emprego e espaço a nulidades como Villa, Azevedo e Mainardi. Todos eles
inexpressivos em seus campos de atuação antes de Lula, ganharam depois os
holofotes interesseiros apenas por atirar em quem o Antigo Regime queria ver
sangrando.
Lula jamais reagiu, e isso talvez tenha lhe dado a aura de
perseguido e ajudado a construir a formidável popularidade que ele tem diante
do povo brasileiro.
Mas ao mesmo tempo a contemporização o tolheu: quando Lula
disse, repetidas vezes, que os grandes empresários jamais tinham ganhado tanto
dinheiro como sob ele, estava tristemente certo.
Como a riqueza nacional é um bolo só, se um grupo está
ganhando muito dinheiro – a família Marinho retornou agora à lista dos
bilionários da Forbes — os demais terão que se contentar com o que sobrar. Não
é um dado auspicioso para um país com tamanha desigualdade.
O silêncio de Lula
diante das pancadas ininterruptas não o ajudou sequer depois do Planalto. Como
já foi notado, Lula se transformou no primeiro ex-presidente cuja derrubada é
tramada, sonhada e tentada.
Tudo isso posto, é interessante notar as palavras de Lula em
Havana, onde ele esteve nestes dias para a celebração do herói cubano José
Marti e também para visitas a Fidel e ao adoentado Chávez.
Lula falou mais alto do que de costume, como Dilma alguns
dias antes dele num pronunciamento transmitido pela televisão brasileira.
Disse o óbvio, mas este óbvio não tinha sido jamais expresso
publicamente antes com tamanha clareza. O Antigo Regime, notou ele, o persegue
não pelos erros – que não são poucos, de resto, como o Diário tem
constantemente lembrado, a começar pelo fracasso no choque ético prometido na
política e a continuar pela baixa velocidade na escandinavização do Brasil –
mas pelos acertos.
O cordato Lula mudou?
Veremos. Mesmo a paciência de alguém forjado nas disputas
sindicais, em que você xinga e é xingado a cada assembleia, tem limites.
Mas não é este o ponto.
Lula parece ter entendido, fora do poder, que para que a
sociedade brasileira seja menos absurdamente injusta você não pode permitir que
uma pequena casta mimada ganhe mais dinheiro que nunca.
Caso isso aconteça, estarão sendo indiretamente lesados
milhões de brasileiros que foram simplesmente abandonados no Antigo Regime,
iniciado no golpe militar de 1964.
Lula parece ter carregado a ilusão de que poderia fazer a
reforma social que o Brasil demanda com urgência recebendo tapinhas nas costas
dos defensores e beneficiários da velha ordem.
Não é bem assim.
Se é para Lula ser agredido incondicionalmente como é, que
pelo menos ele aja sem ansiar por afagos que jamais virão.
Os brasileiros ganharão.
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