segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Como proteger as crianças?


 
Comerciantes de anúncios nocivos ao público infantil dizem que autorregulamentação pune publicidade abusiva. Mas isso, quando ocorre, é sempre com o estrago já feito

Por: Laurindo Lalo Leal Filho

A insensibilidade de alguns empresários às vezes é chocante. Entre seus lucros e a saúde dos consumidores, não têm dúvida: ficam com os primeiros. Com arrogância, enfrentam órgãos públicos como os Procons quando estes tentam contê-los. É o que ocorre com a publicidade e a venda de sanduíches e refeições rápidas acompanhadas de brinquedos e brindes. As empresas aproveitam a vulnerabilidade do público-alvo – crianças na faixa dos 10 anos – e oferecem alimentos e bebidas com alto teor de sódio, açúcar e gorduras, contribuindo para o aumento das taxas de obesidade, entre outras doenças. Enganam os pequenos consumidores, sabedores que são da incapacidade crítica natural da idade.

Não é preciso nenhum exercício de futurologia para adivinhar o que nos espera com o aumento desse tipo de consumo. Basta olhar para imagens de cidades dos Estados Unidos e da Europa e ver o número de obesos que por elas caminha. Em Nova York, o prefeito acaba de proibir a venda de refrigerantes em garrafas com até meio litro, um paliativo para evitar que o mal se agrave. Por aqui ainda é tempo de evitar o pior.

Os Procons tentam. O de São Paulo, com base no Código de Defesa do Consumidor, aplicou nos últimos cinco anos 18 multas relativas a abusos da publicidade infantil. Habib’s e McDonald’s foram multados por estimular com brindes o consumo de alimentos não saudáveis e a Barbie/Mattel, por inserir precocemente as crianças no mundo adulto.

A maioria das multas, no entanto, não foi paga. As empresas as contestam na Justiça. E a lei, aberta demais, permite diferentes interpretações – além de levar muito tempo até a interpretação final, a do julgador. Ainda na fase de conciliação, empresários não abrem mão da forma de publicidade que adotam e desprezam argumentos em defesa da saúde pública. Aliados aos publicitários, dão de ombros quando colocados diante das evidências sobre o mal que causam.

Pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá, avaliaram o comportamento de crianças entre 3 e 5 anos que passam mais de duas horas em frente à TV ou jogando videogame. Descobriram que mais da metade consome pelo menos uma lata de refrigerante por semana. Diante da televisão, a comida preferida reduz-se a batatas fritas, doces e chocolates. Verificaram ainda que quanto mais baixa é a renda familiar maior é o consumo de alimentos calóricos, por serem mais baratos e de fácil preparo.

No Brasil surgem também medidas paliativas na tentativa de evitar o pior. Em Florianópolis, redes de lanchonetes estão proibidas de vender produtos e refeições que dão brindes às crianças e em Belo Horizonte comida e brinquedos só podem ser vendidos separadamente. A melhor notícia vem do Senado. A Comissão de Defesa do Consumidor aprovou projeto que proíbe esse tipo de venda casada. Falta agora a aprovação da Câmara.

Enquanto isso, publicitários apegam-se à defesa da autorregulamentação do setor exercida por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Dizem atender a reclamações e punir a publicidade considerada abusiva. Só que isso, quando acontece, ocorre sempre depois da veiculação do anúncio, ou seja, com o estrago já feito.

Há argumentos estapafúrdios, como o de que a propaganda é uma informação comercial e deve ser tratada com liberdade absoluta. A essa afirmação contrapõem-se as premissas de que não existe em nenhuma sociedade a liberdade absoluta e também que anúncio não é informação, é parte do produto, destinado a vendê-lo. Tem o mesmo papel do rótulo de uma garrafa, devendo portanto se submeter a leis do comércio, não da informação.

Daí a importância de uma legislação mais rígida, como a que agora tramita no Senado. O que temos hoje, com o Conar, é o cabrito cuidando da horta.


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