Comerciantes de anúncios nocivos ao público infantil dizem
que autorregulamentação pune publicidade abusiva. Mas isso, quando ocorre, é
sempre com o estrago já feito
Por: Laurindo Lalo Leal Filho
A insensibilidade de alguns empresários às vezes é chocante.
Entre seus lucros e a saúde dos consumidores, não têm dúvida: ficam com os
primeiros. Com arrogância, enfrentam órgãos públicos como os Procons quando
estes tentam contê-los. É o que ocorre com a publicidade e a venda de sanduíches
e refeições rápidas acompanhadas de brinquedos e brindes. As empresas
aproveitam a vulnerabilidade do público-alvo – crianças na faixa dos 10 anos –
e oferecem alimentos e bebidas com alto teor de sódio, açúcar e gorduras,
contribuindo para o aumento das taxas de obesidade, entre outras doenças.
Enganam os pequenos consumidores, sabedores que são da incapacidade crítica
natural da idade.
Não é preciso nenhum exercício de futurologia para adivinhar
o que nos espera com o aumento desse tipo de consumo. Basta olhar para imagens
de cidades dos Estados Unidos e da Europa e ver o número de obesos que por elas
caminha. Em Nova York, o prefeito acaba de proibir a venda de refrigerantes em
garrafas com até meio litro, um paliativo para evitar que o mal se agrave. Por
aqui ainda é tempo de evitar o pior.
Os Procons tentam. O de São Paulo, com base no Código de
Defesa do Consumidor, aplicou nos últimos cinco anos 18 multas relativas a
abusos da publicidade infantil. Habib’s e McDonald’s foram multados por estimular
com brindes o consumo de alimentos não saudáveis e a Barbie/Mattel, por inserir
precocemente as crianças no mundo adulto.
A maioria das multas, no entanto, não foi paga. As empresas
as contestam na Justiça. E a lei, aberta demais, permite diferentes interpretações
– além de levar muito tempo até a interpretação final, a do julgador. Ainda na
fase de conciliação, empresários não abrem mão da forma de publicidade que
adotam e desprezam argumentos em defesa da saúde pública. Aliados aos
publicitários, dão de ombros quando colocados diante das evidências sobre o mal
que causam.
Pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá,
avaliaram o comportamento de crianças entre 3 e 5 anos que passam mais de duas
horas em frente à TV ou jogando videogame. Descobriram que mais da metade
consome pelo menos uma lata de refrigerante por semana. Diante da televisão, a
comida preferida reduz-se a batatas fritas, doces e chocolates. Verificaram
ainda que quanto mais baixa é a renda familiar maior é o consumo de alimentos calóricos,
por serem mais baratos e de fácil preparo.
No Brasil surgem também medidas paliativas na tentativa de
evitar o pior. Em Florianópolis, redes de lanchonetes estão proibidas de vender
produtos e refeições que dão brindes às crianças e em Belo Horizonte comida e
brinquedos só podem ser vendidos separadamente. A melhor notícia vem do Senado.
A Comissão de Defesa do Consumidor aprovou projeto que proíbe esse tipo de
venda casada. Falta agora a aprovação da Câmara.
Enquanto isso, publicitários apegam-se à defesa da
autorregulamentação do setor exercida por meio do Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária (Conar). Dizem atender a reclamações e punir a
publicidade considerada abusiva. Só que isso, quando acontece, ocorre sempre
depois da veiculação do anúncio, ou seja, com o estrago já feito.
Há argumentos estapafúrdios, como o de que a propaganda é uma
informação comercial e deve ser tratada com liberdade absoluta. A essa
afirmação contrapõem-se as premissas de que não existe em nenhuma sociedade a
liberdade absoluta e também que anúncio não é informação, é parte do produto,
destinado a vendê-lo. Tem o mesmo papel do rótulo de uma garrafa, devendo
portanto se submeter a leis do comércio, não da informação.
Daí a importância de uma legislação mais rígida, como a que
agora tramita no Senado. O que temos hoje, com o Conar, é o cabrito cuidando da
horta.
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