Nossa vanguarda. Imbatíveis à testada Operação Deserto
Há muito tempo o Brasil não produz escritores como Guimarães
Rosa ou Gilberto Freyre. Há muito tempo o Brasil não produz pintores como
Candido Portinari. Há muito tempo o Brasil não produz historiadores como
Raymundo Faoro. Há muito tempo o Brasil não produz polivalentes cultores da
ironia como Nelson Rodrigues. Há muito tempo o Brasil não produz jornalistas
como Claudio Abramo, e mesmo repórteres como Rubem Braga e Joel Silveira. Há
muito tempo…
Os derradeiros, notáveis intérpretes da cultura brasileira já
passaram dos 60 anos, quando não dos 70, como Alfredo Bosi ou Ariano Suassuna
ou Paulo Mendes da Rocha. Sobra no mais um deserto de oásis raros e até
inesperados. Como o filme O Som ao Redor, de Kleber Mendonça, que acaba de ser
lançado, para os nossos encantos e surpresa.
Nos últimos dez anos o País experimentou inegáveis progressos
econômicos e sociais, e a história ensina que estes, quando ocorrem, costumam
coincidir com avanços culturais. Vale sublinhar, está claro, que o novo
consumidor não adquire automaticamente a consciência da cidadania. Houve, de
resto, e por exemplo, progressos em termos de educação, de ensino público?
Muito pelo contrário.
E houve, decerto, algo pior, o esforço concentrado dos
senhores da casa-grande no sentido de manter a maioria no limbo, caso não fosse
possível segurá-la debaixo do tacão. Neste nosso limbo terrestre a ignorância é
comum a todos, mas, obviamente, o poder pertence a poucos, certos de que lhes
cabe por direito divino. Indispensável à tarefa, a contribuição do mais afiado
instrumento à disposição, a mídia nativa. Não é que não tenha servido ao poder
desde sempre. No entanto, nas últimas décadas cumpriu seu papel destrutivo com
truculência nunca dantes navegada.
Falemos, contudo, de amenidades do vídeo. De saída, para
encaminhar a conversa. Falemos do Big Brother Brasil, das lutas do MMA e do
UFC, dos programas de auditório, de toda uma produção destinada a educar o povo
brasileiro, sem falar das telenovelas, de hábito empenhadas em mostrar uma
sociedade inexistente, integrada por seres sem sombra. Deste ponto de vista, a
Globo tem sido de uma eficácia insuperável.
O espetáculo de vulgaridade e ignorância oferecido no vídeo
não tem similares mundo afora, enquanto eu me colho a recordar os programas de
rádio que ouvia, adolescente, graciosas, adoráveis peças de museu como a PRK30,
ou anos verdolengos habitados pelos magistrais shows de Chico Anysio. Cito
exemplos, mas há outros. Creio que a Globo ocupe a vanguarda desta operação de
imbecilização coletiva, de espectro infindo, na sua capacidade de incluir a
todos, do primeiro ao último andar da escada social.
O trabalho da imprensa é mais sutil, pontiagudo como o buril
do ourives. Visa à minoria, além dos donos do poder -real, que, além do mais,
ditam o pensamento único, fixam-lhe os limites e determinam suas formas de
expressão. O alvo é a chamada classe média alta, os aspirantes, a segunda turma
da classe A, o creme que não chegou ao creme do creme. E classe B também.
Leitores, em primeiro lugar, dos editoriais e colunas destacadas dos jornalões,
e da Veja, a inefável semanal da Editora Abril. Alguns remediados entram na
dança, precipitados na exibição, de verdade inadequada para eles.
Aqui está a bucha do canhão midiático. Em geral, fiéis da
casa-grande encarada como meta de chegada radiosa, mesmo quando ancorada, em
termos paulistanos, às margens do Rio Pinheiros, o formidável esgoto ao ar
livre. E, em geral, inabilitados ao exercício do espírito crítico. Quem ainda o
pratica, passa de espanto a espanto, e o maior, se admissível a classificação,
é que os próprios editorialistas, colunistas, articulistas etc. etc. acabem por
acreditar nos enredos ficcionais tecidos por eles próprios, quando não nas
mentiras assacadas com heroica impavidez.
O deserto cultural em que vivemos tem largas e evidentes
explicações, entre elas, a lassidão de quem teria condições de resistir.
Agrada-me, de todo modo, o relativo otimismo de Alfredo Bosi, que enriquece esta
edição. Mesmo em épocas medíocres pode medrar o gênio, diz ele, ainda que isto
me lembre a Península Ibérica, terra de grandes personagens solitárias em lugar
de escolas do saber. Um músico e poeta italiano do século passado, Fabrizio de
André, cantou: “Nada nasce dos diamantes, do estrume nascem as flores”. E do
deserto?
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