Participação da China como importador do estado cresceu mais
de quatro vezes em 12 anos, mas commodities dominam. Do outro lado da balança,
manufaturados achatam a indústria local
Marta Vieira
O comércio de Minas Gerais se transformou num negócio da
China não para o estado, que alimenta dependência crescente das vendas de
produtos minerais e agrícolas. O ganho é do próprio gigante asiático, um
consumidor voraz de minério de ferro, açúcar, celulose e soja produzidos em
terras mineiras e que, em troca, vende ao parceiro comercial produtos de alto
valor como eletroeletrônicos, aparelhos de precisão, medição e médicos,
veículos e máquinas e equipamentos. As exportações de Minas com destino à China
responderam por 31,6% da receita total apurada nos embarques mineiros no ano
passado, de US$ 33,4 bilhões. A participação chinesa cresceu mais de quatro
vezes nos últimos 12 anos, desde os 7,7% em 2001 (US$ 6,1 bilhões). São quase
24 pontos percentuais a mais no período, levando os clientes chineses a
deslocarem parceiros tradicionais, como os Estados Unidos e a Alemanha.
No começo da década, os americanos, com 15,6% das vendas
externas de Minas, comandavam o ranking, seguidos da Alemanha, responsável por
8,7% (veja o quadro). Em 2012, os dois compradores diminuíram drasticamente
suas participações, enquanto a China decolou, avanço que só foi quebrado pela
redução de 19,2% das compras entre 2011 e o ano passado, como resultado da
desaceleração do dragão chinês. Graças à fome chinesa pelas chamadas
commodities – produtos minerais e agrícolas cotados no mercado internacional –,
o minério de ferro respondeu por 87,7% das exportações mineiras (US$ 9,253
bilhões) em 2012. A concentração das exportações do estado assusta e provoca
polêmica que o Estado de Minas vai retratar em série de reportagens de hoje a
terça-feira.
A relação desigual de comércio, que deságua num 2012 marcado
pelo freio imposto ao crescimento chinês, chama a atenção até mesmo dos
analistas mais acostumados com os rumos do comércio de Minas com o exterior. O
economista Alexandre Brito, do Centro Internacional de Negócios/Inteligência
Comercial da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg),
estudou os números da década e ainda se espanta ao ver como a presença do
minério de ferro mascara os resultados, conforme dados do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).
Em 2001, o domínio da matéria-prima já impressionava, ao
alcançar 82,7% da receita global das exportações mineiras. “Não há nenhum
problema no fato de o estado continuar explorando uma riqueza como o ferro, mas
a nossa relação de troca comercial piorou. Os produtos manufaturados estão, em
geral, mais baratos do que estavam 10 anos atrás. O que é preciso é um esforço
para criarmos um comércio diversificado”, afirma.
Embora com menor intensidade, o Brasil não foge a essa
dependência. As vendas do país na China somaram US$ 44 bilhões, pouco mais de
17% do bolo das exportações de US$ 256 bilhões no ano passado, e o minério de
ferro representou 33,8% das compras chinesas. A dependência é problemática,
alerta José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do
Brasil (AEB). “Se nós tivéssemos certeza de que essa participação é
sustentável, talvez não fosse um problema, mas já verificamos que ela é sujeita
a trovoadas”, afirma. Em 2000, a China detinha 1,9% das exportações
brasileiras. Outros países, como os Estados Unidos, desenharam a curva inversa,
saindo de 25% em 2000 para 11% do total em 2012.
No mês passado, o governo chinês divulgou o crescimento de
7,8% do Produto Interno Bruto (PIB), medida da riqueza gerada na produção de
bens e serviços, em 2012. Foi a menor expansão desde 2009. A rigor, as análises
mais cuidadosas da balança comercial mostram que a China está se transformando
perigosamente num parceiro muito mais importante para o Brasil e para Minas do
que o contrário. O valor agregado das importações com origem na China é prova
disso. As máquinas destinadas à indústria da construção estão entre esses produtos
de ponta que têm aumentado presença no Brasil, reconhece Teodomiro Diniz
Camargos, presidente da Câmara da Indústria da Construção da Fiemg. “Nossa
indústria, e principalmente a mineira, é incipiente no ramo de máquinas para
construção e material. Ou importamos ou temos de trazer de outros estados.
Precisamos virar esse jogo e criar cadeias de produção mais densas no estado”,
afirma.
Aposta no consumo
Com o título de segunda maior exportadora do mundo de minério
de ferro, a Vale tem insistido em análises ponderadas sobre o comportamento da
economia chinesa, minimizando o temor dos analistas. A companhia enfatiza a
perspectiva de crescimento de longo prazo da demanda de ferro do país para
abrigar com infraestrutura 300 milhões de novos moradores chineses nas cidades
nos próximos 20 anos. Em razão do processo de urbanização, serão necessários,
conforme a companhia destaca, investimentos em imóveis residenciais e
construção não residencial. Como resultado, a mineradora traça um cenário
positivo de elevação do consumo de automóveis e outros bens de consumo
duráveis, o que tende a contribuir para aumento das compras de minério de
ferro, carvão, metais e fertilizantes.
Compras têm valor
superior
A diversidade das importações de Minas Gerais com origem na China
surpreende, assim como o empobrecimento da pauta de comércio do estado
provocado pela concentração das vendas de produtos básicos, especialmente o
minério de ferro. Em recente levantamento de informações do Mdic, a
pesquisadora Elisa Maria Pinto da Rocha, da Fundação João Pinheiro, encontrou
uma diferença de 43 vezes entre o preço médio das compras do estado no exterior
e o valor também médio das suas exportações. O exercício com os números foi
feito para o período de janeiro a maio do ano passado, comparando a cotações de
US$ 4.289,50 por tonelada das importações totais e de US$ 100,30 por tonelada
das exportações.
“Se não tivermos uma política de valorização das vendas
externas por meio de conteúdo tecnológico, vamos continuar dependendo das
commodities”, diz Eliza Rocha. Na Central Exporta Minas, braço da Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Econômico, o diretor da instituição, Ivan Barbosa
Netto, diz que a política estadual definiu trabalho intenso junto às empresas
para valorização dos produtos exportados pelo estado. Não se trata de renegar
as commodities, observa. “Estamos atuando fortemente em segmentos com potencial
para exportar na área de biotecnologia, cosméticos e higiene pessoal, serviços,
software e tecnologia da informação, além do agronegócio”, afirma. (MV)
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