Entrevista: “Dez anos
de PT” (Carta Capital)
Aniversário| O que
preocupa o ministro Gilberto Carvalho é a ofensiva midiática contra o governo e
a passividade de quem teria de reagir
POR ANDRÉ BARROCAL - Na
Carta Capital
Às vésperas do Natal, o
secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, gravou e
divulgou pela internet um vídeo em que prenunciava um 2013 “brabo” para o
governo e o PT. Os inimigos do petismo, dizia o ministro, estariam dispostos a
tudo para “destruir” o projeto político, econômico e social que completou uma
década, torná-lo insustentável no tempo e recuperar o poder.
No centro desse poder,
o Palácio do Planalto, desde o início da era petista – chefiou o gabinete de
Lula nos dois mandatos e assumiu a Secretaria Geral com Dilma Rousseff -,
Carvalho mistura ânimo e preocupação ao analisar os últimos dez anos e projetar
o futuro. Pobreza, desemprego e desigualdade caíram, PIB e salários cresceram.
Apesar da crise externa, o rumo segue. Ponto para o PT. Condenações por
corrupção no “mensalão”, um acúmulo de escândalos éticos e demissões, tudo em
proporções também inéditas. Ponto para os adversários. Na balança eleitoral,
até quando o prato da mudança socioeconômica descerá mais do que o da ética e
da política, pergunta-se o ministro.
Em conversa com Carta
Capital sobre uma década de PT, Carvalho defende o governo como uma
experiência que busca tornar o Estado mais permeável e sensível aos anseios
sociais e que concretamente melhorou a vida de milhões de pessoas, embora de
forma mais lenta do que um dia se sonhou. E também expõe angústia com o futuro.
Para ele, a passividade das forças sociais e intelectuais pró-governo, a
ideologização dos meios de comunicação com valores distintos e um certo
silêncio no PT e no governo colocam o petismo em risco.
CartaCapital: Em dez
anos, o PT entregou o que prometeu e o que esperavam os eleitores que o
elegeram?
Gilberto Carvalho:
Acredito que sim. Se você pega o programa de 2002, há uma coerência muito
forte, mesmo para a nossa geração que sonhava com uma mudança mais radical do
ponto de vista do cuidado com os pobres, da participação social. Não foi,
evidentemente, na plenitude sonhada, mas foi massivamente atingido porque houve
uma mudança de lógica. O País tinha uma visão absolutamente elitista, onde só
cabiam 35 milhões, 40 milhões de consumidores. Hoje temos uma economia de
massa, um mercado interno fortalecido. As pessoas passaram a contar como preocupação
do governo e, mais que isso, tendo direito de opinar e participar. Essa é a
grande lógica, que não é perceptível por má vontade ou por desinformação da
chamada grande imprensa.
No Brasil, para “35
milhões, 40 milhões de consumidores”, diz o ministro, recursos de fundos e
bancos públicos financiavam apenas grandes projetos. E não só pela captura do
poder pelas elites, mas também pela atitude da burocracia intermediária, que
acha mais difícil lidar com pobre do que com rico. Criar ou reforçar programas
para agricultura familiar, economia solidária e microempresa é uma vitória de
certa permeabilidade do Estado com o PT, mas a sociedade não sabe, pois não
está informada, teoriza carvalho.
Como também estaria mal
informada em geral sobre o tamanho da transformação pós-2003. O desemprego
caiu pela metade e está perto de 5%, quase pleno emprego. O salário mínimo
triplicou. A desigualdade social é a menor já vista, embora ainda monstruosa.
Vinte e três milhões deixaram a pobreza, 40 milhões entraram na classe média,
conforme medições estritamente econômicas e largamente generosas, é bom
esclarecer.
GC: O fato de o cidadão
ter dado um salto no patamar econômico, de o filho poder ascender para a
universidade, essa mobilidade social que não existia… Por isso, no meu juízo,
o governo conta com elevados índices de aprovação, direto, diuturno, de grande
parte da imprensa.
CC: Um ano atrás, muna
versão reduzida do Fórum Social Mundial, o senhor disse que era necessária uma
“busca ativa democrática” dessas pessoas que melhoraram de vida “para elas não
ficarem à mercê da ideologia dos meios de comunicação. Como se faz essa “busca
ativa” e a quem cabe a tarefa?
GC: Um ano depois, não
mudou nada, isso é perigoso e me preocupa. A expressão na comunicação é das
minorias, não há expressão do pensamento da maioria. E dramático. Nós não
conseguimos produzir um movimento no País que gerasse mobilização, novos
valores, nova cultura. E aí, quando digo nós, faço uma distinção. É menos o
governo, mais os movimentos sociais. Eu considero um milagre a gente ter ganho
o governo, ter conseguido governar, fazer uma reeleição e depois uma eleição
da Dilma. É um milagre ante o bombardeio diário que a gente sofre. Esse
milagre só ocorreu pela transformação do País. Agora, há um limite. A
persistência desses movimentos ideológicos pode fragilizar nossa relação com o
povo, a compreensão do nosso projeto e o apoio ao nosso projeto. Por isso
reclamo a necessidade de um movimento mais amplo.
CC: Há nos movimentos
sociais, no entanto, uma visão de que a mobilização é tarefa do governo. Por
que o governo não a cumpre?
GC: O governo cumpre
parcialmente. Trabalha, dialoga, as conferências continuam. O estilo pessoal de
Dilma é diferente do estilo de Lula, em termos de comunicação, mas a filosofia
geral, de chamar à participação, de um modo ou de outro, prosseguiu. Agora, a
gente não cumpre em sintonia porque é governo múltiplo com visões bastante
diferentes internamente. Nem todo mundo no governo tem essa preocupação. Então,
isso dificulta a nossa ação.
Para as forças sociais
vistas como passivas, o governo é que se omite. Ele poderia propor ao Congresso
uma lei que mudasse o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, para
garantir pluralidade na mídia. Ainda que só na reta final do mandato tenha
encampado o tema, a gestão Lula deixou uma proposta à sucessora. Mas nem Dilma
nem o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) parecem interessados.
CC: Então, sem essa
“busca ativa”, que no seu entender cabe primordialmente aos movimentos sociais,
o projeto petista está ameaçado?
GC: A palavra
“ameaçado” é um pouco forte para o momento. Eu diria que pode estar ameaçado a
médio prazo. O cidadão comum é bombardeado. Nós acabamos de ver agora:
criou-se um apagão que nunca existiu e isso se transformou numa crise. Se você
lê os jornais, o Brasil está na bancarrota, a inflação está disparando. O
martelar dessa visão, acompanhada de uma visão ideológica do individualismo,
da violência, do consumismo, eu receio que comece, num determinado momento, a
minar as bases de um projeto como o nosso. Não acho que se trata de algo
iminente, relativa a 2014, conquanto valha a ressalva de que não podemos
garantir uma eleição tranquila em 2014. É coisa de médio prazo.
O aniversário de uma
década de petismo coincide não somente com indicadores socioeconômicos
favoráveis. A corrupção também vai para o currículo. No fim de 2012, o Supremo
Tribunal Federal (STF) condenou 25 réus do chamado “mensalão” com penas que,
somadas, superam 250 anos. Jamais houve algo parecido no Brasil.
CC: O que pesa mais
para o eleitor quando ele olha o governo: a transformação social ou a tese de
que a essência do governo é a corrupção, sustentada no “mensalão”?
GC: O resultado das
eleições de 2012 e a continuidade do apoio ao governo detectado nas pesquisas
mostram que o eleitor não é tão permeável quanto certos setores da opinião
pública sonhariam, à narrativa de que o PT é o inventor da corrupção e o mais
corrompido. Mas cabe ter preocupação. Não pegou agora, mas não sei daqui a
pouco, com tanta insistência. Me incomoda a gente apanhar tanto e reagir tão
pouco. Me incomoda a gente ter a maioria dos meios de comunicação dando essa
leitura da realidade e a gente não enfrentar um debate público. Nos falta
iniciativa. E quando falo nós, não é só o governo. O governo fala pouco, mas
na sociedade me impressiona também a falta de debates, de enfrentamento, por
parte de intelectuais, de partidos mais à esquerda, movimentos sociais. Mesmo
no Parlamento há um déficit. Não estamos na melhor fase de expressão e debates.
Ao lado do incômodo,
autocrítica e contracrítica. Após tanto tempo no poder aliado a políticos
tradicionais, sem os quais acha que não governaria, o PT adquiriu maus hábitos.
Por outro lado, teria dado mais transparência ao Estado de uma forma que se
voltaria contra si, ao indicar para o cargo de procurador-geral da República
sempre o preferido da categoria e nomear ministros para o STF sem esperar
retribuição.
GC: Se inoculamos no
velho o novo, nós fomos inoculados também pelo velho, para usar uma linguagem
de João Cabral de Melo Neto. Você passou a ter práticas bastante semelhantes
às práticas anteriores.
Só que feitas antes, no
caso deles, por profissionais, por uma elite que fez privataria e não teve
nenhum processo para valer contra, que comprou uma reeleição e não teve um
processo contra, porque não funcionava o Estado, não funcionavam esses
aparelhos que nós criamos e que se voltam contra nós quando erramos. Lula, toda
vez que tinha uma crise aqui, dizia: “A única hipótese de alguém não ser
investigado no meu governo é não cometer erro”. Esse é um mantra que contraria
toda a tese de que ele era complacente com a corrupção.
As condenações, segundo
o ministro, deixam lições importantes para o PT, embora esse ainda seja um tema
indigesto no partido. Assimilar o golpe é um desafio a quem quer sobreviver
como alternativa de poder. Uma pesquisa do Ibope sobre a preferência partidária
do brasileiro feita durante o julgamento do “mensalão” ainda mostra o PT na
liderança folgada, mas com um índice (24%) só inferior ao de fevereiro de 2006
(21%), quando a crise estava no auge.
GC: A dor pelo
julgamento dos nossos companheiros tem de provocar uma dupla reação. De um
lado, indignação ante a exceção que foi esse julgamento, ante as novas teses
mal importadas e entendidas, o famoso “domínio do fato”, que eu prefiro chamar
de “delírio do fato”. E também a insurgência contra o julgamento ter sido
realizado a reboque de uma eleição municipal, e a imprensa o ter transformado
no grande evento democrático, sem levar em conta o que já ocorreu antes. Por
outro lado, temos de aprender que nós erramos, é verdade. Caixa 2 é crime.
Precisamos usar esse aprendizado e lutar pela reforma política, particularmente
pelo financiamento público. As campanhas tornaram-se caríssimas, é inviável
não depender do poder econômico. Não podemos cair na hipocrisia em que outros
caíram.
CC: Depois do
“mensalão”, em 2005, a CUT entra no ministério, com Luiz Marinho, Antonio
Palocci é substituído na Fazenda por Guido Mantega e Dilma Rousseff vai para a
Casa Civil. O caso promoveu certa inflexão progressista no governo?
GC: Lula teve
sabedoria, procurou aprender com a crise e, de fato, aproveitou para promover
mudanças importantes, que selavam de maneira mais adequada a ligação dele com
os movimentos sociais e nos permitiriam avançar mais. A presença de Marinho, a
vinda de Paulo Vanucchi para os Direitos Humanos, a indicação de Guido para a
Fazenda, a vinda de Dilma. Durante aquela crise, Lula dizia o tempo todo :
“Não vamos parar, o que eles querem é paralisar o governo”. O governo trabalhou
muito e, quando a poeira baixou, produziu mudanças reais no País, cuja
repercussão foi muito maior na cabeça das pessoas, porque mexeu com a vida delas
para melhor, do que as acusações de corrupção e a crise política, que são
distantes da vida cotidiana do povo.
CC: O “mensalão”foi um
caso extremo de polarização que acelerou as transformações desejadas pelo
governo do PT. A ausência de oposição partidária forte atrapalha? Quem faz
oposição firme, como já disse a associação dos jornais, hoje são os meios de
comunicação, que são o mediador e têm legitimidade institucional.
GC: Não queria falar
isso formalmente, porque pode parecer que estou subestimando a oposição.
Agora, o fato de que a oposição está assentada nos meios de comunicação é,
sim, uma coisa grave. Porque ali se vende a ideia da objetividade. O jornal não
se pretende um partido, se pretende portador da objetividade, da verdade, de uma
visão de mundo objetiva. E não é. É uma visão subjetiva. Quando você tem um
partido, você vai para o debate parlamentar, o debate de ideias, ele vê de um
jeito, você de outro. O problema é que a imprensa tem a arrogância de se achar
a dona da verdade, a dona “da visão”, aí fica um combate muito mais difícil.
http://luizmullerpt.wordpress.com/2013/01/31/em-entrevista-gilberto-carvalho-critica-passividade-do-pt-e-dos-movimentos-sociais/
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