terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Em entrevista, Gilberto Carvalho critica passívidade do PT e dos Movimentos Sociais



Entrevista: “Dez anos de PT” (Carta Capital)

Aniversário| O que preocupa o ministro Gilberto Carvalho é a ofensiva midiática contra o governo e a passividade de quem teria de reagir

POR ANDRÉ BARROCAL - Na Carta Capital

Às vésperas do Natal, o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, gravou e divul­gou pela internet um vídeo em que prenunciava um 2013 “brabo” para o governo e o PT. Os inimigos do petismo, dizia o ministro, estariam dispostos a tudo para “destruir” o projeto político, econômico e social que completou uma década, torná-lo insustentável no tempo e recuperar o poder.
No centro desse poder, o Palácio do Planalto, desde o início da era petista – chefiou o gabinete de Lula nos dois mandatos e assumiu a Secretaria Geral com Dilma Rousseff -, Carvalho mistura ânimo e preocupação ao analisar os últimos dez anos e projetar o futuro. Pobreza, desemprego e desigualdade caíram, PIB e salários cres­ceram. Apesar da crise externa, o ru­mo segue. Ponto para o PT. Condenações por corrupção no “mensalão”, um acúmulo de escândalos éticos e demissões, tudo em proporções também inéditas. Ponto para os adversários. Na balança eleitoral, até quando o pra­to da mudança socioeconômica descerá mais do que o da ética e da política, pergunta-se o ministro.
Em conversa com Carta Capital so­bre uma década de PT, Carvalho defende o governo como uma experiên­cia que busca tornar o Estado mais permeável e sensível aos anseios sociais e que concretamente melhorou a vida de milhões de pessoas, embo­ra de forma mais lenta do que um dia se sonhou. E também expõe angústia com o futuro. Para ele, a passividade das forças sociais e intelectuais pró-governo, a ideologização dos meios de comunicação com valores distintos e um certo silêncio no PT e no governo colocam o petismo em risco.
CartaCapital: Em dez anos, o PT entre­gou o que prometeu e o que esperavam os eleitores que o elegeram?
Gilberto Carvalho: Acredito que sim. Se você pega o programa de 2002, há uma coerência muito forte, mes­mo para a nossa geração que sonhava com uma mudança mais radical do ponto de vista do cuidado com os pobres, da participação social. Não foi, evidentemente, na plenitude sonhada, mas foi massivamente atingido porque houve uma mudan­ça de lógica. O País tinha uma visão absolutamente elitista, onde só ca­biam 35 milhões, 40 milhões de con­sumidores. Hoje temos uma economia de massa, um mercado interno fortalecido. As pessoas passaram a contar como preocupação do governo e, mais que isso, tendo direito de opinar e participar. Essa é a grande lógica, que não é perceptível por má vontade ou por desinformação da chamada grande imprensa.
No Brasil, para “35 milhões, 40 mi­lhões de consumidores”, diz o minis­tro, recursos de fundos e bancos pú­blicos financiavam apenas grandes projetos. E não só pela captura do po­der pelas elites, mas também pela ati­tude da burocracia intermediária, que acha mais difícil lidar com pobre do que com rico. Criar ou reforçar pro­gramas para agricultura familiar, economia solidária e microempresa é uma vitória de certa permeabilida­de do Estado com o PT, mas a socieda­de não sabe, pois não está informada, teoriza carvalho.
Como também estaria mal informa­da em geral sobre o tamanho da trans­formação pós-2003. O desemprego caiu pela metade e está perto de 5%, quase pleno emprego. O salário míni­mo triplicou. A desigualdade social é a menor já vista, embora ainda mons­truosa. Vinte e três milhões deixaram a pobreza, 40 milhões entraram na clas­se média, conforme medições estrita­mente econômicas e largamente gene­rosas, é bom esclarecer.
GC: O fato de o cidadão ter dado um salto no patamar econômico, de o filho poder ascender para a universi­dade, essa mobilidade social que não existia… Por isso, no meu juízo, o governo conta com elevados índices de aprovação, direto, diuturno, de grande parte da imprensa.
CC: Um ano atrás, muna versão reduzida do Fórum Social Mundial, o senhor dis­se que era necessária uma “busca ativa democrática” dessas pessoas que melho­raram de vida “para elas não ficarem à mercê da ideologia dos meios de comunicação. Como se faz essa “busca ativa” e a quem cabe a tarefa?
GC: Um ano depois, não mudou na­da, isso é perigoso e me preocupa. A expressão na comunicação é das minorias, não há expressão do pensamento da maioria. E dramático. Nós não conseguimos produzir um movimento no País que gerasse mobilização, novos valores, nova cultura. E aí, quando digo nós, faço uma distinção. É menos o governo, mais os movimentos sociais. Eu considero um milagre a gente ter ganho o governo, ter conseguido governar, fazer uma reeleição e de­pois uma eleição da Dilma. É um mi­lagre ante o bombardeio diário que a gente sofre. Esse milagre só ocor­reu pela transformação do País. Agora, há um limite. A persistência desses movimentos ideológicos po­de fragilizar nossa relação com o povo, a compreensão do nosso pro­jeto e o apoio ao nosso projeto. Por isso reclamo a necessidade de um movimento mais amplo.
CC: Há nos movimentos sociais, no en­tanto, uma visão de que a mobilização é tarefa do governo. Por que o governo não a cumpre?
GC: O governo cumpre parcialmente. Trabalha, dialoga, as conferências continuam. O estilo pessoal de Dilma é diferente do estilo de Lula, em termos de comunicação, mas a filosofia geral, de chamar à participação, de um modo ou de outro, prosseguiu. Agora, a gente não cumpre em sintonia porque é governo múltiplo com visões bastante diferentes internamen­te. Nem todo mundo no governo tem essa preocupação. Então, isso dificulta a nossa ação.
Para as forças sociais vistas como passivas, o governo é que se omite. Ele poderia propor ao Congresso uma lei que mudasse o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, para ga­rantir pluralidade na mídia. Ainda que só na reta final do mandato tenha en­campado o tema, a gestão Lula deixou uma proposta à sucessora. Mas nem Dilma nem o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) parecem interessados.
CC: Então, sem essa “busca ativa”, que no seu entender cabe primordialmente aos movimentos sociais, o projeto petista es­tá ameaçado?
GC: A palavra “ameaçado” é um pou­co forte para o momento. Eu diria que pode estar ameaçado a médio prazo. O cidadão comum é bombar­deado. Nós acabamos de ver ago­ra: criou-se um apagão que nunca existiu e isso se transformou numa crise. Se você lê os jornais, o Brasil está na bancarrota, a inflação está disparando. O martelar dessa visão, acompanhada de uma visão ideoló­gica do individualismo, da violência, do consumismo, eu receio que come­ce, num determinado momento, a minar as bases de um projeto como o nosso. Não acho que se trata de algo iminente, relativa a 2014, conquanto valha a ressalva de que não podemos garantir uma eleição tranquila em 2014. É coisa de médio prazo.
O aniversário de uma década de petis­mo coincide não somente com indicado­res socioeconômicos favoráveis. A cor­rupção também vai para o currículo. No fim de 2012, o Supremo Tribunal Fede­ral (STF) condenou 25 réus do chama­do “mensalão” com penas que, somadas, superam 250 anos. Jamais houve algo parecido no Brasil.
CC: O que pesa mais para o eleitor quan­do ele olha o governo: a transformação so­cial ou a tese de que a essência do governo é a corrupção, sustentada no “mensalão”?
GC: O resultado das eleições de 2012 e a continuidade do apoio ao gover­no detectado nas pesquisas mostram que o eleitor não é tão permeável quanto certos setores da opinião pú­blica sonhariam, à narrativa de que o PT é o inventor da corrupção e o mais corrompido. Mas cabe ter pre­ocupação. Não pegou agora, mas não sei daqui a pouco, com tanta insistên­cia. Me incomoda a gente apanhar tanto e reagir tão pouco. Me incomoda a gente ter a maioria dos meios de comunicação dando essa leitura da realidade e a gente não enfrentar um debate público. Nos falta iniciativa. E quando falo nós, não é só o go­verno. O governo fala pouco, mas na sociedade me impressiona também a falta de debates, de enfrentamento, por parte de intelectuais, de parti­dos mais à esquerda, movimentos so­ciais. Mesmo no Parlamento há um déficit. Não estamos na melhor fase de expressão e debates.
Ao lado do incômodo, autocrítica e contracrítica. Após tanto tempo no po­der aliado a políticos tradicionais, sem os quais acha que não governaria, o PT adquiriu maus hábitos. Por outro lado, teria dado mais transparência ao Esta­do de uma forma que se voltaria contra si, ao indicar para o cargo de procura­dor-geral da República sempre o pre­ferido da categoria e nomear ministros para o STF sem esperar retribuição.
GC: Se inoculamos no velho o novo, nós fomos inoculados também pe­lo velho, para usar uma linguagem de João Cabral de Melo Neto. Você passou a ter práticas bastante se­melhantes às práticas anteriores.
Só que feitas antes, no caso deles, por profissionais, por uma elite que fez privataria e não teve ne­nhum processo para valer contra, que comprou uma reeleição e não teve um processo contra, porque não funcionava o Estado, não fun­cionavam esses aparelhos que nós criamos e que se voltam contra nós quando erramos. Lula, toda vez que tinha uma crise aqui, dizia: “A única hipótese de alguém não ser investigado no meu governo é não cometer erro”. Esse é um mantra que contraria toda a tese de que ele era complacente com a corrupção.
As condenações, segundo o ministro, deixam lições importantes para o PT, embora esse ainda seja um tema indi­gesto no partido. Assimilar o golpe é um desafio a quem quer sobreviver como alternativa de poder. Uma pesquisa do Ibope sobre a preferência partidária do brasileiro feita durante o julgamento do “mensalão” ainda mostra o PT na lide­rança folgada, mas com um índice (24%) só inferior ao de fevereiro de 2006 (21%), quando a crise estava no auge.
GC: A dor pelo julgamento dos nos­sos companheiros tem de provo­car uma dupla reação. De um lado, indignação ante a exceção que foi esse julgamento, ante as novas te­ses mal importadas e entendidas, o famoso “domínio do fato”, que eu prefiro chamar de “delírio do fato”. E também a insurgência contra o julgamento ter sido realizado a re­boque de uma eleição municipal, e a imprensa o ter transformado no grande evento democrático, sem le­var em conta o que já ocorreu antes. Por outro lado, temos de aprender que nós erramos, é verdade. Cai­xa 2 é crime. Precisamos usar esse aprendizado e lutar pela reforma política, particularmente pelo fi­nanciamento público. As campa­nhas tornaram-se caríssimas, é inviável não depender do poder econômico. Não podemos cair na hipocrisia em que outros caíram.
CC: Depois do “mensalão”, em 2005, a CUT entra no ministério, com Luiz Ma­rinho, Antonio Palocci é substituído na Fazenda por Guido Mantega e Dilma Rousseff vai para a Casa Civil. O caso promoveu certa inflexão progressista no governo?
GC: Lula teve sabedoria, procurou aprender com a crise e, de fato, aproveitou para promover mudan­ças importantes, que selavam de maneira mais adequada a ligação dele com os movimentos sociais e nos permitiriam avançar mais. A presença de Marinho, a vinda de Paulo Vanucchi para os Direitos Hu­manos, a indicação de Guido para a Fazenda, a vinda de Dilma. Duran­te aquela crise, Lula dizia o tempo todo : “Não vamos parar, o que eles querem é paralisar o governo”. O governo trabalhou muito e, quando a poeira baixou, produziu mudanças reais no País, cuja repercussão foi muito maior na cabeça das pessoas, porque mexeu com a vida delas pa­ra melhor, do que as acusações de corrupção e a crise política, que são distantes da vida cotidiana do povo.
CC: O “mensalão”foi um caso extremo de polarização que acelerou as transforma­ções desejadas pelo governo do PT. A au­sência de oposição partidária forte atra­palha? Quem faz oposição firme, como já disse a associação dos jornais, hoje são os meios de comunicação, que são o media­dor e têm legitimidade institucional.

GC: Não queria falar isso formalmen­te, porque pode parecer que estou subestimando a oposição. Agora, o fato de que a oposição está assenta­da nos meios de comunicação é, sim, uma coisa grave. Porque ali se vende a ideia da objetividade. O jornal não se pretende um partido, se pretende portador da objetividade, da verda­de, de uma visão de mundo objetiva. E não é. É uma visão subjetiva. Quan­do você tem um partido, você vai para o debate parlamentar, o debate de ideias, ele vê de um jeito, você de outro. O problema é que a imprensa tem a arrogância de se achar a dona da verdade, a dona “da visão”, aí fica um combate muito mais difícil.


 http://luizmullerpt.wordpress.com/2013/01/31/em-entrevista-gilberto-carvalho-critica-passividade-do-pt-e-dos-movimentos-sociais/ 

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