terça-feira, 20 de março de 2012

Benjamin Sicsú, vice-presidente da Samsung - "Apoio do governo à indústria é bom. Mas não basta"


Quando se discute política industrial no Brasil, os defensores da maior participação do Estado costumam invocar a favor de seu ponto de vista a Coreia do Sul como exemplo a ser seguido.
Por Carla JIMENEZ
Lá como aqui, as empresas nacionais receberam um vigoroso apoio do governo para criar musculatura e prosperar. No entanto, há uma diferença fundamental entre os dois modelos, lembra o executivo Benjamin Sicsú, vice-presidente de novos negócios da Samsung Electronics. “O grande erro aqui no Brasil é que o governo se associou ao setor privado apenas  para prover serviços e produtos para o mercado interno”, diz Sicsú. “Na Coreia, ao contrário,  governo e empresas se uniram para atender o mercado externo.” Há nove anos na Samsung, ele tem passagens anteriores pelo governo – foi secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, entre 2000 e 2002. Para Sicsú, essa prática levou ao fechamento do mercado interno e reduziu o estímulo à inovação. “O Brasil se acomodou na tarefa de montar produtos, em vez de desenvolvê-los ”, diz Sicsú.
DINHEIRO – Há mais de uma década o Brasil ensaia o investimento numa cadeia de componentes. Por que não consegue?
BENJAMIN SICSÚ – O Brasil se acomodou com uma política industrial de montagem de produtos acabados, e não de desenvolvimento. Mas o que dá competitividade a um país para disputar o mercado mundial são duas coisas: ter as matérias-primas e deter tecnologia. Além disso, a falta de investimento em educação desemboca na carência de inovação. O fato de não fabricarmos componentes fez aumentar a importação de celulares e gadgets, por exemplo. E isso acontece, também, em outras cadeias, como fármacos. Importamos o princípio ativo, equivalente ao chip na tecnologia. Não se está trabalhando numa política para quebrar esse ciclo, nem tampouco fizemos isso com os novos ciclos tecnológicos, como o do LCD ou do Oled, que é a próxima tecnologia a dominar o mercado. Também estamos ficando fora até de  produtos siderúrgicos. Nós não conseguimos desenvolver gruas e guindastes, por exemplo.
 DINHEIRO – A Samsung compraria aqui se houvesse fábricas de componentes?
SICSÚ – A Samsung, na verdade, também é uma fabricante de componentes. Ela nasceu assim, para depois fazer os bens finais. Nós estudamos em 2003, no começo do governo Lula, a possibilidade de ter uma fábrica de componentes da Samsung aqui, mas concluímos que faltava mão de obra para tocá-la.
 DINHEIRO – O governo diz que há, atualmente, 14 projetos de empresas para produzir tablets, além da indústria de celulares. Isso seria suficiente para garantir mercado para uma empresa do setor?
SICSÚ – Uma indústria do gênero demanda muito mais mercado do que o atual no Brasil. Você precisa de escala. Mesmo com 14 milhões de computadores e mais de 60 milhões de celulares vendidos por ano, continua sendo um mercado pequeno. Ainda não fizemos as lições básicas para ter uma fábrica de LCD. Vamos ver se a fábrica do sr. Eike  Batista, a Companhia Brasileira    de  Semicondu­to­res (CBS), vai sair mesmo.
 DINHEIRO – Mas hoje temos mão de obra qualificada para tocar esses projetos?
SICSÚ – Cada um tem um jeito de fazer as coisas, não sei como a Foxconn e outras empresas pensam em resolver esse tema. A Samsung, por exemplo, investe muito na formação de mão de obra no Brasil. Em 2011, começamos o ano com oito mil funcionários, e acabamos com quase 12 mil, dos quais mil empregados em pesquisa e desenvolvimento.
 DINHEIRO – Mas só montam, importando a maioria dos componentes...
SICSÚ – A Samsung é a quinta maior importadora do País e sempre temos de prestar contas por isso. Faturamos US$ 6 bilhões e importamos US$ 3 bi­­lhões, mas produzimos localmente mais do que o nosso processo produtivo básico exige.
 DINHEIRO – Quais são os gargalos que atrapalham a atividade da Samsung?
SICSÚ – Logística. Mana­us, onde temos fábrica, até hoje não tem porto. A Suframa arrecada três vezes o que gasta. O excedente dessa conta entra no cálculo do superávit primário e não nos ajuda a reduzir as alíquotas pagas nem financia a construção de um porto por lá. Todo ano há essa promessa, até de mais de um porto, mas nada acontece. Logística deficitária, seguro de frete muito mais caro que no resto do País, internet deficitária, coisas do custo Brasil. É muito mais caro trazer um contêiner de produtos de Manaus para São Paulo (US$ 5 mil) do que da China para São Paulo (US$ 3 mil). O custo sobre o produto deveria ser 2% ou 3%, e aqui chega a ser 7%.
 DINHEIRO – A Coreia do Sul era um país emergente nos anos 1970, com problemas similares aos do Brasil. Como os coreanos veem o Brasil de hoje?
SICSÚ – Houve um tempo em que a Coreia tinha problemas razoavelmente iguais aos do Brasil, inclusive o mesmo PIB per capita. Mas o país apostou nos talentos e na formação da mão de obra. Hoje, o melhor salário público na Coreia é o de professor primário. Ou seja, os melhores profissionais estão oferecendo um ensino de ponta, o que faz inverter a rota de uma educação de baixa qualidade. Os coreanos não entendem por que isso não é feito aqui.
DINHEIRO – Mas, com todos os problemas, o Brasil não deixa de ser um mercado interessante para a Samsung...
SICSÚ – Certamente, é um mercado enorme, com 200 milhões de habitantes, além dos vizinhos da América Latina. Está entre o quarto e o quinto mercado para a Samsung, e ainda com potencial de crescimento enorme. Hoje representa 5% do faturamento do grupo. A meta é que o Brasil se torne o terceiro, depois dos Estados Unidos e da China. Chegaremos logo a esse número.
 DINHEIRO – Além de fabricar  celulares e notebooks, como os  produzidos aqui, a Samsung é uma empresa extremamente diversificada em outros países...
SICSÚ – Temos áreas clássicas, como semicondutores, LCD, notebook e a área de equipamentos do lar. Geladei­ras, máquinas de lavar roupa e microondas. No ano passado, a Samsung entrou em novas áreas. Na saúde, por exemplo, comprou uma empresa para fazer equipamentos de pequeno porte de ultrassonografia. Entrou em células fotovoltaicas, em baterias com energia inteligente e em remédios biotecnológicos. Temos ainda a Samsung Construc­ti­on, de engenharia e construção, além de atividades na cadeia de química e petroquímica, que ainda não estão no Brasil.
 DINHEIRO – A Samsung atuará em petroquímica aqui?
SICSÚ – Sim, há planos, mas os investimentos estão concentrados na Petrobras, e não é fácil ser seu sócio numa petroquímica.
 DINHEIRO – A Petrobras vê com bons olhos essa ideia?
SICSÚ – Vamos aguardar, pois é outra divisão da Samsung que está negociando. Eles querem saber como podem atender essa carteira de 22 navios e sete plataformas. A Samsung, a segunda maior fabricante de navios do mundo, será sócia de algum estaleiro brasileiro. Uma hora sai algo. Temos uma área forte também em engenharia de projetos – fizemos um dos prédios mais altos de Dubai. Está cheio de executivos da Samsung de olho em oportunidades no País.
DINHEIRO – A Samsung cresceu com apoio do governo. No Brasil, o BNDES é criticado por eleger vencedores.
SICSÚ – É verdade, a Samsung cresceu com apoio do governo coreano. Apoio do governo é bom. Mas não basta. Ela também cresceu graças ao arrojo de seus fundadores. Nasceu como vendedora de açúcar, que transportava açúcar entre Japão, China e Coreia. Na década de 1950, a Coreia dava incentivo para empresários fazerem seus projetos. O dono da Samsung, Byung-Chull Lee, pegou dinheiro do governo para formar 200 engenheiros na Europa. O objetivo era treiná-los para desenvolver a última tecnologia da época, rádios de válvula. Muitos empreendedores coreanos pegaram dinheiro e não fizeram o projeto, e foram presos. Lee teve financiamento do mesmo jeito que as empresas no Brasil conseguem crédito do BNDES. Mas hoje não há dependência do governo. O nosso maior investidor é o Citibank.
 DINHEIRO – A Coreia focou o mercado externo porque tem um mercado interno menor, a exemplo de países como a Suíça, a Holanda e o próprio Japão.
SICSÚ – Eles têm 45 milhões de habitantes, mas enxergaram esse mundo, da forma como é hoje, há muito tempo. Nós saímos da Segunda Guerra Mundial com um discurso nacionalista. O grande erro aqui no Brasil é que o governo se associou ao setor privado apenas  para prover serviços e produtos para o mercado interno. Na Coreia, ao contrário,  governo e empresas se uniram para atender o mercado externo. Nós ficamos muito tempo ligados à política de atender internamente, autoabastecer o nosso mercado, sem nos plugar na interação competitiva global.
DINHEIRO –  O Brasil está conseguindo migrar para a nova economia?
SICSÚ – Temos de investir pesadamente em educação e focar em algumas cadeias da indústria. Programas como o Brasil Maior são bons, mas o complicado é a capacidade de fazer. Não temos cultura de implementação de projetos.
 DINHEIRO – Bons de iniciativa e ruins para tocá-las?
SICSÚ – Talvez pelo nosso nível educacional, não somos  tão bons em planejamento. Daí você chama o custo Brasil de câmbio. Mas tem que enfrentar a infraestrutura, que se resolve com os remédios clássicos. Deixar a livre iniciativa agir, estimular as agências reguladoras, etc. Já licitamos três aeroportos, Ok, mas precisamos fazer mais 50. Precisamos de mais velocidade nas mudanças. Hoje, as políticas industriais são discutidas no Ministério da Fazenda, porque caímos na renúncia fiscal. É necessário ter foco. É preciso começar a fazer as políticas micros, linha de metrô, portos, rodovias, etc.
 DINHEIRO – A Samsung deve investir quanto no País?
SICSÚ – Como somos apenas montadores, não usamos muito esse indicador. Estamos para inaugurar uma fábrica de equipamentos para o lar, em Limeira, que começará a produzir em 2013. Além disso, neste ano faremos mais de 40 milhões de unidades entre notebooks, celulares e tevês. Em 2011, foram 36 milhões. No ano passado, inauguramos uma nova fábrica em Manaus, que é a maior fora da Coreia. Começamos a vender notebook e, apenas 12 meses depois, já somos líderes de mercado.

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