Quando se discute
política industrial no Brasil, os defensores da maior participação do Estado
costumam invocar a favor de seu ponto de vista a Coreia do Sul como exemplo a
ser seguido.
Por Carla JIMENEZ
Lá como aqui, as
empresas nacionais receberam um vigoroso apoio do governo para criar
musculatura e prosperar. No entanto, há uma diferença fundamental entre os dois
modelos, lembra o executivo Benjamin Sicsú, vice-presidente de novos negócios
da Samsung Electronics. “O grande erro aqui no Brasil é que o governo se
associou ao setor privado apenas para
prover serviços e produtos para o mercado interno”, diz Sicsú. “Na Coreia, ao
contrário, governo e empresas se uniram
para atender o mercado externo.” Há nove anos na Samsung, ele tem passagens
anteriores pelo governo – foi secretário-executivo do Ministério do
Desenvolvimento, entre 2000 e 2002. Para Sicsú, essa prática levou ao
fechamento do mercado interno e reduziu o estímulo à inovação. “O Brasil se
acomodou na tarefa de montar produtos, em vez de desenvolvê-los ”, diz Sicsú.
DINHEIRO – Há mais de
uma década o Brasil ensaia o investimento numa cadeia de componentes. Por que
não consegue?
BENJAMIN SICSÚ – O Brasil
se acomodou com uma política industrial de montagem de produtos acabados, e não
de desenvolvimento. Mas o que dá competitividade a um país para disputar o
mercado mundial são duas coisas: ter as matérias-primas e deter tecnologia.
Além disso, a falta de investimento em educação desemboca na carência de
inovação. O fato de não fabricarmos componentes fez aumentar a importação de
celulares e gadgets, por exemplo. E isso acontece, também, em outras cadeias,
como fármacos. Importamos o princípio ativo, equivalente ao chip na tecnologia.
Não se está trabalhando numa política para quebrar esse ciclo, nem tampouco
fizemos isso com os novos ciclos tecnológicos, como o do LCD ou do Oled, que é
a próxima tecnologia a dominar o mercado. Também estamos ficando fora até
de produtos siderúrgicos. Nós não
conseguimos desenvolver gruas e guindastes, por exemplo.
DINHEIRO – A Samsung compraria aqui se
houvesse fábricas de componentes?
SICSÚ – A Samsung, na
verdade, também é uma fabricante de componentes. Ela nasceu assim, para depois
fazer os bens finais. Nós estudamos em 2003, no começo do governo Lula, a
possibilidade de ter uma fábrica de componentes da Samsung aqui, mas concluímos
que faltava mão de obra para tocá-la.
DINHEIRO – O governo diz que há, atualmente, 14
projetos de empresas para produzir tablets, além da indústria de celulares.
Isso seria suficiente para garantir mercado para uma empresa do setor?
SICSÚ – Uma indústria
do gênero demanda muito mais mercado do que o atual no Brasil. Você precisa de
escala. Mesmo com 14 milhões de computadores e mais de 60 milhões de celulares
vendidos por ano, continua sendo um mercado pequeno. Ainda não fizemos as
lições básicas para ter uma fábrica de LCD. Vamos ver se a fábrica do sr. Eike Batista, a Companhia Brasileira de
Semicondutores (CBS), vai sair mesmo.
DINHEIRO – Mas hoje temos mão de obra
qualificada para tocar esses projetos?
SICSÚ – Cada um tem um
jeito de fazer as coisas, não sei como a Foxconn e outras empresas pensam em
resolver esse tema. A Samsung, por exemplo, investe muito na formação de mão de
obra no Brasil. Em 2011, começamos o ano com oito mil funcionários, e acabamos
com quase 12 mil, dos quais mil empregados em pesquisa e desenvolvimento.
DINHEIRO – Mas só montam, importando a maioria
dos componentes...
SICSÚ – A Samsung é a
quinta maior importadora do País e sempre temos de prestar contas por isso.
Faturamos US$ 6 bilhões e importamos US$ 3 bilhões, mas produzimos localmente
mais do que o nosso processo produtivo básico exige.
DINHEIRO – Quais são os gargalos que
atrapalham a atividade da Samsung?
SICSÚ – Logística.
Manaus, onde temos fábrica, até hoje não tem porto. A Suframa arrecada três
vezes o que gasta. O excedente dessa conta entra no cálculo do superávit
primário e não nos ajuda a reduzir as alíquotas pagas nem financia a construção
de um porto por lá. Todo ano há essa promessa, até de mais de um porto, mas
nada acontece. Logística deficitária, seguro de frete muito mais caro que no
resto do País, internet deficitária, coisas do custo Brasil. É muito mais caro
trazer um contêiner de produtos de Manaus para São Paulo (US$ 5 mil) do que da
China para São Paulo (US$ 3 mil). O custo sobre o produto deveria ser 2% ou 3%,
e aqui chega a ser 7%.
DINHEIRO – A Coreia do Sul era um país
emergente nos anos 1970, com problemas similares aos do Brasil. Como os
coreanos veem o Brasil de hoje?
SICSÚ – Houve um tempo
em que a Coreia tinha problemas razoavelmente iguais aos do Brasil, inclusive o
mesmo PIB per capita. Mas o país apostou nos talentos e na formação da mão de
obra. Hoje, o melhor salário público na Coreia é o de professor primário. Ou
seja, os melhores profissionais estão oferecendo um ensino de ponta, o que faz
inverter a rota de uma educação de baixa qualidade. Os coreanos não entendem
por que isso não é feito aqui.
DINHEIRO – Mas, com
todos os problemas, o Brasil não deixa de ser um mercado interessante para a
Samsung...
SICSÚ – Certamente, é
um mercado enorme, com 200 milhões de habitantes, além dos vizinhos da América
Latina. Está entre o quarto e o quinto mercado para a Samsung, e ainda com
potencial de crescimento enorme. Hoje representa 5% do faturamento do grupo. A
meta é que o Brasil se torne o terceiro, depois dos Estados Unidos e da China.
Chegaremos logo a esse número.
DINHEIRO – Além de fabricar celulares e notebooks, como os produzidos aqui, a Samsung é uma empresa
extremamente diversificada em outros países...
SICSÚ – Temos áreas
clássicas, como semicondutores, LCD, notebook e a área de equipamentos do lar.
Geladeiras, máquinas de lavar roupa e microondas. No ano passado, a Samsung
entrou em novas áreas. Na saúde, por exemplo, comprou uma empresa para fazer
equipamentos de pequeno porte de ultrassonografia. Entrou em células
fotovoltaicas, em baterias com energia inteligente e em remédios
biotecnológicos. Temos ainda a Samsung Construction, de engenharia e
construção, além de atividades na cadeia de química e petroquímica, que ainda
não estão no Brasil.
DINHEIRO – A Samsung atuará em petroquímica
aqui?
SICSÚ – Sim, há planos,
mas os investimentos estão concentrados na Petrobras, e não é fácil ser seu
sócio numa petroquímica.
DINHEIRO – A Petrobras vê com bons olhos essa
ideia?
SICSÚ – Vamos aguardar,
pois é outra divisão da Samsung que está negociando. Eles querem saber como
podem atender essa carteira de 22 navios e sete plataformas. A Samsung, a
segunda maior fabricante de navios do mundo, será sócia de algum estaleiro
brasileiro. Uma hora sai algo. Temos uma área forte também em engenharia de
projetos – fizemos um dos prédios mais altos de Dubai. Está cheio de executivos
da Samsung de olho em oportunidades no País.
DINHEIRO – A Samsung
cresceu com apoio do governo. No Brasil, o BNDES é criticado por eleger
vencedores.
SICSÚ – É verdade, a
Samsung cresceu com apoio do governo coreano. Apoio do governo é bom. Mas não
basta. Ela também cresceu graças ao arrojo de seus fundadores. Nasceu como
vendedora de açúcar, que transportava açúcar entre Japão, China e Coreia. Na
década de 1950, a Coreia dava incentivo para empresários fazerem seus projetos.
O dono da Samsung, Byung-Chull Lee, pegou dinheiro do governo para formar 200
engenheiros na Europa. O objetivo era treiná-los para desenvolver a última
tecnologia da época, rádios de válvula. Muitos empreendedores coreanos pegaram
dinheiro e não fizeram o projeto, e foram presos. Lee teve financiamento do
mesmo jeito que as empresas no Brasil conseguem crédito do BNDES. Mas hoje não
há dependência do governo. O nosso maior investidor é o Citibank.
DINHEIRO – A Coreia focou o mercado externo
porque tem um mercado interno menor, a exemplo de países como a Suíça, a
Holanda e o próprio Japão.
SICSÚ – Eles têm 45
milhões de habitantes, mas enxergaram esse mundo, da forma como é hoje, há
muito tempo. Nós saímos da Segunda Guerra Mundial com um discurso nacionalista.
O grande erro aqui no Brasil é que o governo se associou ao setor privado
apenas para prover serviços e produtos
para o mercado interno. Na Coreia, ao contrário, governo e empresas se uniram para atender o
mercado externo. Nós ficamos muito tempo ligados à política de atender
internamente, autoabastecer o nosso mercado, sem nos plugar na interação
competitiva global.
DINHEIRO
– O Brasil está conseguindo migrar para
a nova economia?
SICSÚ – Temos de
investir pesadamente em educação e focar em algumas cadeias da indústria.
Programas como o Brasil Maior são bons, mas o complicado é a capacidade de
fazer. Não temos cultura de implementação de projetos.
DINHEIRO – Bons de iniciativa e ruins para
tocá-las?
SICSÚ – Talvez pelo
nosso nível educacional, não somos tão
bons em planejamento. Daí você chama o custo Brasil de câmbio. Mas tem que
enfrentar a infraestrutura, que se resolve com os remédios clássicos. Deixar a
livre iniciativa agir, estimular as agências reguladoras, etc. Já licitamos
três aeroportos, Ok, mas precisamos fazer mais 50. Precisamos de mais
velocidade nas mudanças. Hoje, as políticas industriais são discutidas no
Ministério da Fazenda, porque caímos na renúncia fiscal. É necessário ter foco.
É preciso começar a fazer as políticas micros, linha de metrô, portos,
rodovias, etc.
DINHEIRO – A Samsung deve investir quanto no
País?
SICSÚ – Como somos
apenas montadores, não usamos muito esse indicador. Estamos para inaugurar uma
fábrica de equipamentos para o lar, em Limeira, que começará a produzir em
2013. Além disso, neste ano faremos mais de 40 milhões de unidades entre
notebooks, celulares e tevês. Em 2011, foram 36 milhões. No ano passado,
inauguramos uma nova fábrica em Manaus, que é a maior fora da Coreia. Começamos
a vender notebook e, apenas 12 meses depois, já somos líderes de mercado.
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