Por Renata Mielli, no blog Janela sobre a palavra:
O debate sobre a pertinência ou não da transmissão de
programas de cunho confessional na TV é um tema espinhoso e que desperta
paixões, já que a fé que cada indivíduo confessa envolve devoção e não é
assunto que se trata no campo da razão.
Por isso, este debate precisa ser feito a partir da reflexão
sobre os direitos individuais e coletivos na programação de emissoras em canais
abertos e que são objeto de concessão pública.
Para o católico, mas também para o evangélico, protestante,
adventista, kardecista, religiões de matrizes africanas, budistas e tantas
outra religiões que são praticadas no Brasil, ter um espaço para o seu culto na
TV pode até fazer algum sentido. Mas o problema está exatamente ai: o Brasil
tem mais de 100 religiões identificadas pelo IBGE em seu último Censo e
infelizmente elas não cabem todas na programação da TV.
E pior, além disso, a televisão não pode ser utilizada para
fazer proselitismo religioso, ou seja, pregar uma fé em detrimento de outras,
principalmente porque o Brasil é um Estado Laico e as televisões são concessões
públicas deste Estado Laico. Está na Constituição: Art. 19. É vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos
religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Programação religiosa
na TV Brasil
Esse problema se aprofunda ainda mais quando se trata de
programas religiosos em emissoras públicas, como a TV Brasil e as rádios que
compõe o sistema da EBC – Empresa Brasil de Comunicação. Numa televisão não
comercial – portanto pautada pelo interesso público – a abordagem sobre a
religiosidade deve ser feita a partir de sua interface cultural e da formação
do povo brasileiro. Nesta abordagem, sem dúvida, aparecerão tratadas de forma
histórica e socialmente contextualizadas as influências das diversas religiões
para a construção do Brasil.
No entanto, não é razoável que uma emissora pública veicule
missas ou cultos desta ou daquela religião. Qual o critério para a escolha,
como ficam as centenas de outras religiões que não terão espaço? Como fica o
respeito à pluralidade e à diversidade que devem ser valores observados nos
meios de comunicação, principalmente os de massa como a TV e o rádio?
Por isso, considero muito oportuna as iniciativas do Conselho
Curador da TV Brasil em enfrentar essa discussão. O mais fácil, por tratar-se
de tema espinhoso e que desperta paixões, seria deixar o dito pelo não dito e
manter o bonde andando. Como diz o ditado, para que mexer em casa de vespeiro?
Mas o papel de um Conselho Curador que prima pelo debate que interessa à
sociedade brasileira é exatamente o de enfrentar as polêmicas e os temas
difíceis.
Um país que quer aprofundar sua democracia não pode temer a
polêmica e o contraditório. Não pode ter medo de fazer perguntas. Não pode
haver tema interditado à discussão pública, não deve haver tabus. Os
conservadores é que defendem o status quo, que são avessos ao debate
democrático. Por isso são contra a discussão da descriminalização do aborto, da
união civil entre homossexuais, do uso de células tronco para fins científicos
e medicinais, da discussão sobre a regulamentação dos meios de comunicação,
entre tantos outros assuntos que precisam ser discutidos sob a ótica não dos
interesses individuais ou de grupos privados, mas das necessidades de uma
sociedade que quer avançar e se desenvolver de forma democrática.
Seja qual for a decisão que a EBC adote sobre este tema, a
importância do debate estabelecido em consultas e audiências públicas
envolvendo amplos setores já contribuiu sobremaneira para amadurecer o processo
democrático e ampliar a reflexão sobre a questão dos programas religiosos.
Ao adotar este caminho, a EBC dá um passo importante no
sentido de fortalecer o seu caráter público, num momento em que esta modalidade
de comunicação está sendo atacada e desmontada por setores privados e por
governos que não têm compromisso com a dimensão democrática que a comunicação
precisa ter.
Postado por Miro
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