Um dos principais
sociólogos da religião no mundo explica a crise de fé da Europa, a politização
da religiosidade nos EUA e o preconceito contra os ateus
por Rodrigo Cardoso
Pos 61 anos, José Casanova
é um dos mais respeitados sociólogos da religião na atualidade. Autor do
clássico “Public Religions in the Modern World” (de 1994), no qual trata da
ligação entre o afastamento das pessoas das religiões e a modernidade, o
acadêmico nascido na Espanha e naturalizado americano é professor titular do
departamento de sociologia da Universidade de Georgetown, em Washington, nos
Estados Unidos, e diretor do programa sobre “globalização, religião e o
secular” do Center Berkley, na mesma instituição. Casado e com um filho,
Casanova esteve no Brasil, no início do mês, para ministrar aulas magnas, ter
encontros com pesquisadores e fazer palestras públicas em universidades. No
período em que esteve no País, concedeu uma entrevista à ISTOÉ, na qual traçou
um panorama da engrenagem religiosa no mundo atualmente – secularismo e
ateísmo, a crise de fé na Europa, a politização da religiosidade nos EUA e a
religião em países como Brasil, China e Índia.
Qual o futuro do
catolicismo?
José Casanova - Entre o
protestantismo/pentecostalismo, o islã e o catolicismo – as três grandes
religiões globais –, este último vem perdendo espaço e depende de como irá
resolver as suas crises fundamentais envolvendo a igualdade das mulheres, o
sacerdócio feminino e como irá reconstruir a sua moral sexual diante das
transformações radicais da moralidade sexual nas sociedades. Não significa
aceitar essas transformações, mas confrontá-las e dar uma nova alternativa
moral aos problemas. Há um distanciamento entre a moral sexual das sociedades e
a moral proposta pelo catolicismo. E sabemos que isso leva muitas mulheres a se
afastar. E, quando uma mulher sai da igreja, a família deixa de ser cristã e os
templos se esvaziam.
Istoé - Qual será a
herança do pontificado de Bento XVI?
José Casanova - É um pontificado muito
complexo. O de (Karol) Wojtila (João Paulo II) foi muito positivo, carismático,
havia uma dinâmica na Igreja Católica, sobretudo nos países em desenvolvimento.
Mas ele também era uma pessoa muito autoritária. (Joseph) Ratzinger (Bento XVI)
é um teólogo mais técnico do que Wojtila e por isso tem menos sensibilidade à
diversidade do catolicismo global. Serve como um pontífice de transição que não
quer impor uma linha nova e abre algumas portas, como a decisão definitiva de
controlar o problema da pedofilia.
Istoé - Há uma onda de pessoas abandonando as
religiões e mantendo a fé em espaços privados. Por quê?
José Casanova - Durante 300 anos, os países
europeus passaram por um processo de religiosidade (confessionalização), em que
o Estado impôs a suas populações as religiões luterana, calvinista ou católica.
Hoje, associa-se o Estado religioso e a igreja estatal a uma tradição muito
velha, que vai contra a modernidade. O Brasil, com a modernização e o
crescimento das classes médias, também passa por um processo parecido, embora
atenuado, porque a modernidade tem a ver com a pluralização da religião. Na
Europa, ou você pertence a uma religião/igreja ou sai dela de vez. Então, a
secularidade aparece como a única alternativa à religião – é considerada um
estágio mais avançado do que a religião.
Istoé - Como o sr. enxerga o grupo dos crentes
sem religião?
José Casanova - Muitos não encontram nas
comunidades religiosas uma experiência criativa, pessoal, que chame sua
atenção. Essa gente não é agnóstica, tem uma identidade religiosa particular
privada, um sincretismo pessoal. Assim, a pessoa pensa: “Sou católico e bebo do
espiritismo, por exemplo, mas sem ser espírita.” É uma forma de crer sem
pertencer, não ter filiação. Nos Estados Unidos, a religião foi de tal forma
politizada que a sociedade se polarizou. Muita gente rejeita a forma como a
religião se envolve com a política e pretende moldar toda a sociedade,
inclusive pessoas sem filiação.
Istoé - O sr. considera que as religiões ainda
intervêm na esfera pública? O que elas ainda têm a dizer para as sociedades?
José Casanova - O Estado europeu moderno
nasceu em meio às guerras religiosas. A primeira medida foi tornar o Estado
religioso e forçar todos a ter uma única crença para evitar a guerra civil.
Aqueles que não queriam seguir a religião nacional deviam partir. Quando chegou
a democracia, a religião saiu de cena do âmbito estatal, acompanhada da ideia
da necessidade de a fé ser privada, para que a sociedade não se polarizasse.
Nos Estados Unidos, há um outro tipo de privatização da religião, pois o Estado
não reconhece oficialmente uma única crença e dá liberdade para que os cidadãos
formem a denominação que quiserem. A religião é a mais política das
instituições americanas, é o centro da vida política naquele país. Todos os
movimentos sociais envolvendo a escravidão, o feminismo ou o aborto foram
encabeçados pela religião.
Istoé - A pluralidade religiosa, algo
corriqueiro aqui no Brasil, também existe na Europa e nos EUA?
José Casanova - A imigração inaugurou a
diversidade cultural, étnica, racial e religiosa na Europa. A minoria religiosa
que desponta na Europa é o islã, por razões étnicas, econômicas e seu passado
colonial ante os países europeus. Além disso, ocorre um processo de globalização
do islã. Os imigrantes chegaram da Turquia, da Argélia, do Paquistão, mas, de
repente, são mais identificados como “muçulmanos globais” do que por sua origem
nacional. O islã lhes garantiu uma unidade que não tinham. Nos Estados Unidos,
os imigrantes muçulmanos são normalmente de classe média, eles têm nível
educacional alto e estão economicamente integrados.
Istoé - O desenvolvimento de países como
China, Índia e Brasil traz quais consequências para as religiões?
José Casanova - A China é uma sociedade que se
modernizou à base de um processo estatal de destruição das religiões. Hoje, com
o desenvolvimento econômico chinês, todas as religiões voltam a ressurgir. O
caso chinês põe em questão a tese de que a modernização leva à secularidade. A
secularização da China foi imposta pelo Estado e agora, com o desenvolvimento
econômico, as religiões estão voltando. As religiões reconhecidas na China são
minoritárias e oriundas de grupos étnicos não chineses: o islã, o budismo, o
taoísmo, o catolicismo e o protestantismo. Estão sendo inaugurados
departamentos de antropologia e sociologia nas universidades chinesas, de
estudos da religião, o que não havia antes. A Índia, porém, sempre foi muito
religiosa. Ela concluiu que, para competir com o Ocidente e se livrar do
colonialismo, teria de usar seu componente de fé. São duas respostas
anticoloniais bem diferentes: uma enxerga a religião como um obstáculo e a
outra a vê como uma ajuda.
Istoé - E o Brasil?
José Casanova - O Brasil se converteu em um
centro mundial de catolicismo global, de pentecostalismo global e de movimentos
afro-americanos globais. O Brasil está surgindo como potência econômica global,
mas também está surgindo como potência religiosa nessas três religiões.
Istoé - No Brasil, além do grupo dos católicos
não praticantes, assistimos ao crescimento dos pentecostais não praticantes.
Haveria um mesmo motivo para esses dois fenômenos?
José Casanova - É um mesmo processo. O
individualismo é o princípio mais importante da formação da religião de uma
pessoa no mundo moderno. Só tem vitalidade aquela religião que permitir uma
escolha individual livre. Quando a religião é uma experiência imposta, pela
instituição ou pela família, leva o indivíduo a querer livrar-se dela. Quando o
catolicismo se converte simplesmente em uma identidade formal que não confere
nenhuma motivação pessoal ao indivíduo, muitos deixam de ser praticantes,
tornam-se católicos formais e ocasionalmente podem converter-se a outra
religião ou até serem agnósticos e antirreligiosos. À medida que o
pentecostalismo se torna mais institucionalizado e surgem novas gerações, esse
processo também se dará.
Istoé - Para estar antenado à modernidade é
preciso ser secular?
José Casanova - Na Europa se pensava que a
secularidade era um estágio superior à religião. Abandonar uma religião era
simplesmente uma condição natural humana. Então, lá, ser secular é considerado
algo natural, e ter religião é tido como artificial. Historicamente, o homem
amadurecia, tornava-se mais sábio, mais livre e via a religião como algo
desnecessário. Essa ideia muito europeia nunca pegou nos Estados Unidos. Os
americanos relacionaram sua experiência de modernidade ao renascimento
religioso. A religião aparece como uma afirmação da identidade americana sobre
o colonialismo do Ocidente. Lá, estamos condenados a ser livres, mas também a
renascer religiosamente.
Istoé - O que é ser
ateu no mundo globalizado?
José Casanova - Há uma anedota na Irlanda do
Norte que diz que um cidadão, ao atravessar a zona protestante em direção à
católica, é abordado: “Mãos para cima. Você é protestante ou católico?” O
cidadão respondeu: “Sou ateu.” A indagação seguinte foi: “Mas qual tipo de
ateu: protestante ou católico?” É o contexto que define o que significa ser
ateu. Na Europa, ser ateu é normal para um jovem, que não precisa fazer nada
para se encontrar nessa situação, não precisa dialogar, refletir. É algo
natural, espontâneo. Por outro lado, para ser religioso ele tem de fazer algo.
Na América é o contrário. Ser ateu exige uma coragem enorme, ser contra toda a
sociedade. É estar continuamente lutando e defendendo a sua oposição diante de
todos. Uma pesquisa mostrou que nos Estados Unidos o cidadão afirma que votaria
em qualquer religioso, até em um muçulmano, mas jamais em um ateu.
Istoé - As pessoas são
mais felizes quando têm ou não uma religião?
José Casanova - Existe uma ciência da
felicidade, uma economia da felicidade, uma psicologia da felicidade, que para
mim são ciências absurdas. Sou um sociólogo comparador histórico que não crê
nessas coisas. É verdade que toda religião orienta o indivíduo para uma
realidade transcendente. Isso facilita a ele se relacionar com os outros. Mas
as religiões também podem nos tornar mais egoístas, obcecados por nossa
salvação. A resposta a essa pergunta é: depende.
http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/194952_O+BRASIL+E+UMA+POTENCIA+RELIGIOSA+GLOBAL+
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