Por Juliana Sada
Neste fim de semana completam-se 48 anos do golpe militar de
64. Diferentemente de outros anos, os militares já não falam sozinhos. E os
ânimos estão exaltados. Militares reformados vieram a público deslegitimar o
atual ministro da Defesa, Celso Amorim, e marcaram “festas” e atos para
comemorar o golpe. Em declarações à imprensa, escancaram a verdadeira
motivação: a insatisfação com a criação da Comissão da Verdade, que ainda não
tem seus membros definidos e nem data para início de funcionamento.
Do outro lado, a sociedade organizada e movimentos de
direitos humanos vão às ruas denunciar os torturadores e militares golpistas.
Não deixam que comemorem o golpe em paz e impunemente. A possibilidade de
investigação de crimes da ditadura é uma realidade próxima, mas que ainda tem
que ser defendida para que de fato ocorra.
Por conta desse acirramento, a semana foi agitada. Segunda
feira, em diversas cidades, torturadores acordaram sendo alvo de “esculachos”
que os expuseram à sociedade. Na quinta-feira, manifestantes no Rio de Janeiro
foram ao Clube Militar protestar contra oficiais que comemoravam a “revolução”
de 64.
Em Campinas, no interior de São Paulo, o ato foi contra o
lançamento de um livro sobre Garrastazu Médici, em um evento com a presença do
filho do ex-presidente-ditador e organizado por militares da reserva.
Em São Paulo, a “comemoração” será sábado em uma festa com o
infeliz tema de “Viagem no Túnel do Tempo”, no Círculo Militar. Já no domingo
vem a resposta, com o bem humorado “Cordão da mentira”: o bloco-passeata irá
percorrer locais que tem relação com a ditadura, como a sede da TFP, o Elevado
Costa e Silva e a antiga sede do DOPS.
Mais caldo
Além da Comissão da Verdade, outras iniciativas ameaçam a
impunidade dos agentes da ditadura. O Ministério Público Federal tenta indiciar
o Major Curió, que comandou o massacre da Guerrilha do Araguaia, por sequestro
qualificado. Procuradores da República tentam levar adiante investigações sobre
outros casos de desaparecimentos durante a ditadura. Como os corpos nunca foram
encontrados, segue o crime de ocultação de cadáver, que não pode ser anistiado.
Ontem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA
(Organização dos Estados Americanos), anunciou que investigará a morte do
jornalista Vladimir Herzog, em 75, e cobrou explicações do governo brasileiro
sobre o caso. O Brasil já foi condenado pela mesma instituição por não ter
punido os responsáveis pelas mortes na Guerrilha do Araguaia.
Novos tempos
Apesar dos reclamos dos militares, o Brasil parece caminhar,
mesmo que aos trancos e barrancos, rumo ao enfrentamento de seu passado. Entre
os países da América Latina que passaram por regimes militares semelhantes, o
Brasil é um dos poucos que ainda não realizaram uma ampla investigação dos
crimes. Chamada de “revanchismo” pelos militares, a apuração dos crimes
cometidos pelo Estado durante a ditadura é uma etapa fundamental para a
consolidação da democracia. Afinal, a construção de uma nação deve ser feita
sobre uma base sólida e isso implica em conhecer e esclarecer seu passado, sem
sujeira debaixo do tapete.
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