Pela primeira vez, houve uma manifestação de peso por parte
de centrais e sindicatos de outros países europeus em relação à greve geral na
Espanha. Um movimento que restabeleça o princípio da solidariedade
internacional entre os trabalhadores europeus, aliado à possibilidade de uma
vitória dos socialistas na França, pode começar a reverter o quadro de trevas
na Europa.
Flávio Aguiar
Em meio às trevas do mercado, um tímido raio de esperança
assomou no horizonte. Foi durante a greve geral espanhola, ou melhor, um dia
antes de sua realização em 29 de março.
A adesão à greve foi descrita com grande desigualdade. O
governo de Rajoy aboliu a adesão, falando em menos de 15%. Difícil de
acreditar. As centrais de trabalhadores apregoaram 75%. Exagero? Segundo
relatos mais objetivos da mídia, sim, em algumas regiões, como no todo da
Andaluzia. Mas uma avaliação correta em grandes centros urbanos, como Madri,
Barcelona, Valencia, Málaga (entre outros). (Avaliação dos correspondentes do The
Guardian).
O dado sobre a Andaluzia é particularmente curioso. Há poucos
dias esta região propiciou uma fragorosa derrota ao PP de Rajoy, que os dois –
partido e primeiro ministro – tiveram dificuldade de engolir. Negaram que a
derrota, com significativo crescimento da esquerda, tivesse a ver com o anúncio
das draconianas medidas contra direitos dos trabalhadores, possibilitando
cortes unilaterais nos salários e demissões sem justa causa por parte das
empresas.
Mas não souberam então apresentar outras justificativas.
Porém o que chamou a atenção deste correspondente foi que,
pela primeira vez, houve uma manifestação de peso por parte de centrais e
sindicatos de outros países europeus em relação ao movimento espanhol. No dia
28, um dia antes da greve, dirigentes sindicais da Alemanha, Itália, França e
Bélgica, presentes em Madri, anunciaram a solidariedade de suas entidades com
os trabalhadores espanhóis. Essa solidariedade já havia – mas até agora se dera
em manifestações isoladas e desconcertadas entre si. Desaparecia no bojo das
manifestações de desprezo pelos movimentos, motivadas por um sentimento
revanchista de “agora aqueles privilegiados (espanhóis, portugueses, gregos,
entre outros) estão recebendo a lição que merecem”.
Os sindicatos gregos anunciaram que seguiram com grande
atenção o movimento espanhol. E prometeram articular uma reunião pan-européia
de sindicatos e centrais em Atenas, para breve. O objetivo seria articular
internacionalmente a reação contra a varredura neoliberal que penaliza os
trabalhadores pela crise e premia os articuladores passivos ou ativos dessa
mesma crise: os bancos e outros agentes financeiros cuja mistura de ganância e
incúria, aliada ao apetite de governos por empréstimos malbaratados em
aventuras imobiliárias ou especulativas, levou à presente situação.
Somente uma articulação desse tipo entre movimentos de
trabalhadores pode fazer frente a voga de culpabilizá-los pela crise, e
literalmente fritar seus direitos como panaceia para ela. Em editorial de hoje
(30/03) o jornal britânico The Guardian comentava a contradição das medidas de
Rajoy: arrancando direitos de setores mais organizados dos trabalhadores e não
promovendo direitos para os menos organizados (como os jovens) o governo
espanhol sinaliza querer promover a expansão econômica. Mas ao mesmo tempo
essas suas medidas comprimem a própria economia, através da drástica redução do
poder aquisitivo interno. Essa receita, assinala o jornal (reconhecendo que
haveria necessidade de ajustes na legislação trabalhista espanhola), só mudará
quando mudar a mentalidade que prevalece “no Norte”, ou seja, nos centros
europeus de decisão econômica. Até lá, a sombria recessão grega, que já dura
cinco anos, parece ser o destino (in)seguro dos menos afortunados.
Um movimento que restabeleça o princípio da solidariedade
internacional entre os trabalhadores europeus, aliado à possibilidade de uma
vitória dos socialistas na França, pode começar a reverter esse quadro de
trevas.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior
em Berlim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário