A ministra Tereza Campello estava no meio de uma
quimioterapia quando assumiu o programa mais importante do governo Dilma. Sabia
ter tarefas gigantescas, como superar um câncer e retirar 16 milhões de pessoas
da pobreza. A primeira já venceu
Por: Paulo Donizetti de Souza
A economista Tereza Campello é uma das dez mulheres que
integram o primeiro escalão do governo Dilma Rousseff com status de ministra.
Tereza está na condução do programa mais importante do mandato de Dilma. No
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), é responsável pela
meta de retirar 16 milhões de brasileiros da extrema pobreza até 2014. “O IDH
do país daqui a dez anos será resultado do que fizermos agora”, diz.
Não parei de trabalhar em nem um momento, tinha uma tarefa
gigantesca, acabar com a minha doença e assumir a principal bandeira da
presidenta Dilma (Foto Augusto Coelho) Ao falar sobre a ascensão das mulheres
na gestão, a ministra pondera que o Lula foi um excepcional presidente. “Tivemos
um conjunto de ganhos de política de gênero ao longo desses últimos oito anos
implementado por um presidente homem”, afirma. E qual é a importância, então,
de ter uma presidenta e tantas outras mulheres em postos-chave da gestão
pública? É mostrar para uma menina, acredita Tereza, que ela pode até conduzir
um ministério com homens e mulheres e as pessoas se orgulharem dela. É uma boa
explicação para o sentido do termo “empoderamento feminino”.
Exceção feita ao combate ao crack, assunto para o qual ainda
não há respostas concretas, Tereza Campello demonstrou domínio, segurança e
entusiasmo em todos assuntos que abordou nesta entrevista. Da vitória contra o
câncer de mama diagnosticado em 2010, poucos meses antes de assumir o MDS, às
conquistas do Brasil sem Miséria – que alcançou 500 mil novas famílias em setes
meses –, falou com intenso entusiasmo durante 60 minutos. “Isso me empurrou.
Lancei o programa de peruca”, disse, referindo-se ao tratamento de
quimioterapia que não a afastou do trabalho por nem um dia. A edição impressa
da RdB publicou ou principais trechos da conversa. A versão a seguir, mais
completa, é exclusiva do site. A TVT também acompanhou e publicará o vídeo em
seu site: www.tvt.org.br.
O combate à fome foi eleito prioridade no governo Lula, há
nove anos, e foi pouco entendido. Depois veio o Bolsa Família, que deu certo,
mas alguns ainda o desqualificam. A senhora vê defeitos a serem superados e
virtudes a serem aprimoradas nessas experiências?
É bom começar falando do Brasil Sem Miséria pela história.
Por que hoje a gente pode lançar o Brasil Sem Miséria e por que a gente fez o
Fome Zero lá em 2003? São dois países totalmente diferentes. Hoje o Brasil é um
outro Brasil. Eu participei da construção do Bolsa Família, do próprio Fome
Zero. Existia essa expectativa de enfrentar a fome, mas era um sentimento
contraditório da sociedade brasileira. Tinha parcela muito grande da população
muito pobre, muitos passando fome e o Estado e a sociedade discutindo se deve
dar a vara, mas não o peixe, se pode dar só o peixe, se era assistencialista
reduzir a situação de dor e sofrimento dessas pessoas e se isso não levaria as
pessoas a ter preguiça. Então esse era o debate. E por que mudou isso? Porque
estamos há oito anos fazendo isso e está provado estatisticamente que isso não
aconteceu. Havia mitos em torno do Bolsa Família, da própria agenda do Fome
Zero que era, se pessoas iam parar de trabalhar. Não pararam. Temos pesquisas
feitas por organismos internacionais, pesquisas feitas por imprensa, mostrando
que aconteceu exatamente o contrário.
Existe um mapeamento de pessoas que espontaneamente falam
“obrigado, não preciso mais”?
Em algumas pessoas a gente tem essa evolução. Em outras, o
cartão vence – o cartão do Bolsa Família não é para a vida toda, tem uma duração
de dois anos. A pessoa, para continuar ganhando, tem de ir ao gestor do Bolsa
Família – em geral as prefeituras – e renovar seu cadastro, atualizar
informações, “agora eu tenho uma cisterna”. Se não, é notificada, o beneficio é
suspenso e depois cancelado. Nós temos mais de 5 milhões de benefícios que
foram cancelados ao longo desses oito anos, mostrando que uma parcela grande
das pessoas não precisou mais. Se podem contar com o benefício e abrem mão
dele, significa que evoluíram. Então, hoje está comprovado o ganho que temos
com isso e por isso gente pode dar esse novo passo, que é o Brasil Sem Miséria.
E qual é o ganho?
Primeiro, a população apoiada pelo Estado não abandona o
trabalho, ao contrário, ela ganha condições de procurar o trabalho, porque tem
o recurso para pegar o ônibus, porque melhorou até sua situação de conforto
pessoal, se sente mais estimulada a buscar emprego. Segundo, as crianças estão
em sala de aula. Nós acompanhamos a frequência escolar de 15 milhões de
crianças do Brasil, filhos das famílias do Bolsa Família. São as únicas
crianças que tem frequência escolar acompanhada no Brasil, as outras não são,
seja filho de rico, filho de classe média, se abandonar a escola ninguém toma
providência. As crianças do Bolsa Família, se abandonam a escola por algum
motivo, nós vamos atrás, tentamos resgatar essa criança de volta à escola.
Então existe todo um trabalho. Esse é um ganho inestimável, o mundo todo
reconhece. Nós tivemos uma redução de mais de 50% da desnutrição infantil das
crianças do Bolsa Família. Crianças na idade de 0 a 5 anos em desnutrição
infantil são prejudicadas pelo resto da vida. Não adianta você entrar com
escola e alimentação depois dos 5 anos: se ela passou fome no período de
formação da sua capacidade cognitiva, ela nunca mais vai se recuperar.
Esses efeitos na renda criam por si só condições para que as
pessoas possam viver sem o Bolsa Família ou são necessárias políticas paralelas
para abrir portas de saída?
É exatamente essa a ideia do Brasil sem Miséria. As pessoas
sabem que o Bolsa Família é bom para a sociedade, porque é consumo, é recurso
no mercado, se você perguntar hoje para comerciante, para industrial, ninguém é
contra o Bolsa Família como era oito anos atrás.
As pessoas que pagavam menos que o Bolsa Família para uma
faxineira e não conseguem ainda são, né?
Mas não é só por causa do Bolsa Família isso, viu? O Brasil
de fato está em outra condição, cresce de forma sustentável porque inclui, e é
um exemplo de enfrentamento da crise para o resto do mundo. Por quê? Porque
também valorizou o salário mínimo, apostou no fortalecimento da agricultura
familiar. Isso é inclusão produtiva. Então, tem porta de saída hoje no Brasil
sem Miséria. Tem muito lugar que procura mão de obra. Falta empacotador em
supermercado, falta empregada doméstica, falta engenheiro, falta pedreiro,
falta eletricista. Antes o Brasil crescia assim: Rio, São Paulo. Hoje você vai
para Pernambuco, cresce; Ceará, cresce. O Piauí é um dos estados que mais
crescem no país, até porque era muito pobre, e partindo de um patamar muito
baixo cresce a taxas chinesas. Falta mão de obra em tudo quanto que é lugar.
Essa população é o público do Brasil sem Miséria, população que a gente diz que
é extremamente pobre porque a família ganha menos de R$ 70 reais per capita. Ela é pobre de renda,
mas é pobre de um conjunto de outras coisas. E 70% dessa população são negros.
Essa população é pobre
de conhecimento e de informação também.
É uma população com baixíssima escolaridade, muitos são
analfabetos. Então, a gente fala de quem não vai acessar naturalmente as
oportunidades que o Brasil hoje está oferecendo. Grande parte desse público de
extrema pobreza tem estratégia de sobrevivência, usa cozinha para fazer bolo
para vender na obra de construção civil na esquina, usa a sua residência para
fazer pequenos reparos, costura, conserta sapatos, as pessoas vendem coisas na
sinaleira. Então, podia melhorar seu negócio, mas não consegue porque não tem
acesso a conhecimento. O Brasil sem Miséria está chegando com esse conjunto de
suportes que permitirão que essas famílias se qualifiquem
O principal ganho da presença de mulheres no primeiro escalão
é o efeito demonstração. A Dilma mostra para a cultura, para as meninas do
Brasil, que é possível ser presidenta da República, ser eficiente, não que vá
ser melhor porque é mulherÉ isso então o que há para ser aprimorado?
Estamos entrando no pequeno negócio em parceria com o Sebrae,
com outros atores locais, garantindo que essas famílias melhorem suas
condições, ou em economia familiar solidária, ou em cooperativas, ou dando
cursos para que elas melhorem seu pequeno negócio. Estamos entrando com cursos
de qualificação, que é um dos grandes desafios, voltando àquela sua pergunta,
acho que o maior de todos é levar a qualificação profissional para esse
público, que nunca trabalhou formalmente, que nunca esteve em sala de aula. Não
teve um curso, não pode ser eletricista porque não sabe trabalhar com isso. É
um desafio porque os ofertantes de qualificação profissional no Brasil, sejam as
escolas técnicas, seja o sistema S, que tradicionalmente é quem faz
qualificação profissional no Brasil – Senai, Senac etc. –, nunca deram aula
para esse público, um trabalhador que tem ensino fundamental incompleto, ou nem
tem. Estamos reordenando esses cursos.
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego
(Pronatec) dá conta disso?
Muita gente não sabe, mas o Pronatec não é só para ensino
médio. Nós temos três Pronatec, um para estudante do ensino médio, outro para o
trabalhador desempregado e o outro para o Brasil sem miséria, que é um Pronatec
para o público do Bolsa Família, que nunca esteve em sala de aula, tem baixa
escolaridade e precisa desses cursos. Por exemplo, antes no Brasil se exigia
ensino médio para jardineiro, se exigia ensino médio para pintor – e por que
que um pintor tem que ter ensino médio, oras? Bom há dez anos, como tinha muita
gente formada e sem colocação no mercado de trabalho, você podia exigir. Hoje,
se a pessoa puder ser um bom pintor, for caprichoso, qualificado, ela pode ser.
Para ser jardineiro precisa ter ensino médio? Não. Para ser auxiliar de cozinha
precisa? Não precisa. Antes exigia ensino médio pra essas profissões. Hoje o
mercado não permite que isso aconteça, porque falta gente. Se você puder
treinar alguém para ser uma boa auxiliar de cozinha ou boa cozinheira, ela
sabendo ler e escrever, fazer contas básicas, ela pode se qualificar e ser boa
cozinheira, ser bom jardineiro, ser bom pedreiro, bom mestre de obras. É isso
que nós estamos fazendo.
A economia solidária, sob a responsabilidade do Ministério do
Trabalho, como entra nessa história?
Estamos modificando algumas ações nossas com o Ministério do
Trabalho e do Emprego, na própria economia solidária. Estamos modificando o
curso por quê? Porque precisa ter material didático diferente, porque a
abordagem e o acolhimento desse público precisa ser diferente. É gente que as
vezes passa o dia todinho trabalhando em baixo do sol e a noite vai fazer um
curso, faz muito tempo que não está em sala de aula, ou nunca esteve. Muitas
vezes é gente que nem acredita que poderia estar fazendo isso, nem tem
informação sobre seus direitos – porque é um direito participar desse Brasil de
oportunidades. Junto com isso nós estamos entrando com muitas outras
oportunidades que as pessoas podem achar que nem tem a ver com o mercado de
trabalho, mas tem. Por exemplo, medicamento no Brasil hoje para hipertenso e
diabético que é um grande sucesso. Muito provavelmente esse nosso público
extremamente pobre, nem sabe que tem direito ao medicamento e muitas vezes nem
sabe que está doente. Faz um curso de pedreiro, mas se for hipertenso, quem
contratar um hipertenso para trabalhar carregando peso de baixo de sol. Então
ele pode perder essa vaga por uma carência de atenção médica. Nós estamos
aportando também o Olhar Brasil, que é óculos, é consulta oftalmológica, também
para que possa ter um melhor desempenho em sala de aula.
Para mapear as pessoas que precisam do programa, localizá-las
no interior, nas periferias urbanas, é necessásrio o entusiasmo dos parceiros
locais, os municípios. Existe esse entusiasmo, ou as coisas, localmente, são
movidas a dividendos políticos?
Todos os municípios estão envolvidos, e há estados lançando
programas próprios. Batemos várias das nossas metas graças ao engajamento
desses atores públicos. Por exemplo, um dos eixos do Brasil sem Miséria é o que
a gente chama de busca ativa. Ainda tem 16 milhões de brasileiros em situação
de extrema pobreza que são os que queremos localizar. Lançamos o Brasil sem
Miséria em junho do ano passado. Até janeiro deste ano localizamos 500 mil
famílias, e isso foi um esforço dos municípios. Elas estão no perfil do Bolsa
Família e estavam fora porque não tinham acesso a informação. Essas famílias
são tão pobres, tão pobres, que nem sequer têm energia ou informação para ir
atrás do Estado. O Estado vai ter de ir atrás dela.
Existe no governo a busca de uma transversalidade, juntar
ministérios para tocar políticas públicas que um só não dá conta. E quando um
não faz sua parte como isso é localizado?
Olha só, esse assunto da transversalidade,
intersetorialidade, talvez seja uma das grandes novidades do Estado moderno,
que é quebrar as caixinhas e começar a trabalhar junto, e não ficar naquela
história de “ah, isso não consta nas minhas atribuições”. Isso não se faz com
decreto. Só tem um jeito de fazer isso: fazendo. O Bolsa Família talvez seja o
maior exemplo disso, principalmente junto com a Educação. A gente tinha mais de
70% das crianças com deficiência no Brasil fora da escola. Juntamos a
assistência social, que é quem dá o BPC (Benefício de Prestação Continuada), um
salário mínimo que vai para a pessoa com deficiência em situação de pobreza.
Juntamos assistência social e escola e fomos à casa dessas crianças tentar
entender qual era o problema e descobrimos que a maioria estava fora da sala de
aula por vergonha, por desinformação, porque a família achava que a criança não
tinha direito, ou perderia se fosse pra escola.
Não é só a escola que fecha a porta para ela?
Não, aliás, ao contrário. Existia um receio da família de que
a escola fechasse. E o objetivo nosso na política educacional do Brasil é a
inclusão das crianças com deficiência em escola regular, não em escola
especial. Isso é fundamental para que ela supere as suas dificuldades,
inclusive na vida adulta. Fomos à casa dessas crianças, e só de ir buscá-las
elas voltaram, e triplicamos o número de crianças na sala de aula. O indicador
do Brasil não muda em dois anos. Para ver o indicador mudando, leva dez, quinze
anos. Nós mudamos em dois anos, com medidas bastante simples: integrar os dados
do BPC com os dados da escola.
O IDH está olhando “a foto” do momento. E se na foto de hoje
o nosso IDH ainda continua muito para baixo, só com trabalho permanente e
consistente nós vamos conseguir reverter esses indicadores. Assim estaremos
interferindo na foto que será vista no futuroAgora nós estamos na segunda
fase, desenvolvendo um conjunto de políticas e inclusive de veículos
especiais para buscar essas crianças e levá-las à escola. Um trabalho conjunto,
com Ministério da Educação e Ministério do Desenvolvimento Social, mas
integrado lá na ponta pelo centro de referência de assistência social do
município, junto com a escola, para fazer a busca dessas crianças. E eu estou
dando só um exemplo do que evoluiu o Estado brasileiro.
Tem muitos ministérios que reclamam dos cortes no orçamento
todos os anos, mas chega no fim não consegue gastar os recursos disponíveis. É
uma dificuldade do gestor público lidar com o orçamento? Este ano, por exemplo,
o corte foi de R$ 55 bilhões, mas não afetou o MDS. Isso aumenta sua
responsabilidade em conseguir usar tudo?
No ano passado tivemos um crescimento muito grande do
orçamento, por conta do Brasil Sem Miséria. Foi lançado no meio do ano e teve
um conjunto de suplementações orçamentárias e nós conseguimos gastar quase 98%
do nosso orçamento. É um percentual de gasto, muito, muito impactante. Esse ano
tivemos um crescimento fantástico das ações do Brasil Sem Miséria, que não são
só do MDS, mas também Ministério do Desenvolvimento Agrário, que são vinculadas
às nossas, do Ministério da Integração, todas as ações do Brasil Sem Miséria tiveram um aumento
substancial e não tiveram corte. É de fato um desafio...
Por que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) medido pelo
Pnud coloca o Brasil numa posição tão vergonhosa ainda?
A maior parte desses indicadores não muda de um ano para
outro. A gente conseguiu, por exemplo, reverter esse indicador que comentei, de
crianças com deficiência fora de sala de aula. Outro indicador muito dramático
no Brasil é a alfabetização dos adultos. As crianças em idade escolar estão na
sala de aula. Agora, você tem um estoque gigantesco de adultos, que quando eram
crianças estavam fora da escola e portanto têm baixa escolaridade. Isso a gente
não conseguirá reverter em curto prazo. Existe um esforço de alfabetização de
adultos, fazer o ensino fundamental, fazer o ensino médio e entrar em uma
universidade. O IDH está olhando “a foto” do momento. E se na foto de hoje o
IDH ainda continua muito para baixo, só com trabalho permanente e consistente
nós vamos conseguir reverter esses indicadores. Assim estaremos interferindo na
foto que será vista no futuro.
A senhora falou bastante sobre a ascensão de pessoas pobres
para a classe média. O Brasil está preparado para absorver milhões de novos
consumidores que vão consumir plástico, ferro, energia, papel...?
Essa tarefa é um dos grandes desafios do mundo moderno, e eu
acho que nem o Brasil, nem o mundo estão preparados. Alguns países têm se
esforçado para mudar o seu padrão ambiental. E se tem um país em
desenvolvimento que tem feito um esforço fantástico para que isso aconteça, é o
Brasil. Temos vários exemplos de políticas ambientalmente sustentáveis voltadas
para a população extremamente pobre, que mostram já uma alteração de
indicadores. Mandamos o Luz para Todos que foi reconhecido pelas Nações Unidas
como uma das políticas de acesso a serviços de consumo sustentável com energia
renovável. Como tem base hidrelétrica, é uma energia renovável e levou acesso a
um dos bens mais importantes de consumo. A população da China, da índia e da
maior parte dos países da África não tem acesso a energia. No Brasil nós
conseguimos levar energia para a grande maioria da população e essa energia não
está poluindo, não é uma energia com bases poluidoras. Temos ações muito
importantes que envolvem, por exemplo, fortalecimento da agricultura familiar
voltada para orgânicos. Agora, tem um processo de educação alimentar que também
envolve consumo consciente. Eu acho que nós temos uma oportunidade na Rio+20 de
ampliar esse debate. Estamos com isso dizendo que não queremos crescer de forma
insustentável e não aceitamos crescer sem incluir.
O MDS coordena o Plano Nacional de Combate ao Crack e outras
drogas. Os estados, os municípios e próprio governo federal têm formação,
planejamento e recursos o bastante para enfrentar essa batalha, que muitos já
estão dando como perdida?
O enfrentamento do craque não é um problema só financeiro.
Nós estamos partindo do princípio que uma ação exclusiva na área de segurança
pública não basta. Além de inteligência e rigor em relação a criminalidade, é
preciso dar suporte, atenção e acolhimento aos usuários, que não são
criminosos, são doentes. Então, não queremos uma política de chegar e fazer
toda uma abordagem pirotécnica com policia. Tem de haver ação continuada.
Estamos fazendo uma aposta grande no suporte e na modificação dos equipamentos
públicos, para que deem conta desse problema. Por exemplo, os Capes que são
equipamentos da saúde para acolhimento dessa população, com atendimento 24
horas, que antes a gente não tinha. Está sendo modificada a forma de atenção na
área de saúde, de assistência social, de abordagem dessas famílias, em muitos
casos desorganizadas. Muitos usuários, mesmo depois de receber tratamento,
acabam voltando para a droga e em grande parte isso se deve por não serem
acolhidos no período posterior à saída, a crise da desintoxicação. Quando eles
voltam, eles não tem uma família organizada, a própria droga desorganizou essa
família, então como ajudar a organizar essa família, para que quando ele saia
desse momento de crise, de desintoxicação, ele possa ser acolhido em um
ambiente saudável para ele suportar a pressão e não recair. Isso não é uma
agenda simples, quem achar que ele é simples, vai ser derrotado. Mas temos que
trabalhar, pois é isso que a sociedade espera da gente.
Como a senhora vê o crescimento da participação feminina no
governo?
Acho que o principal ganho que nós temos com a presença de
mulheres no primeiro escalão, e não é só no primeiro escalão, é um ganho de
efeito demonstração. A presidenta ser mulher mostra para a cultura, para o
conjunto das meninas do Brasil, que é possível uma mulher ser presidenta da
República, ser eficiente, não que vá ser melhor porque é mulher. Lula foi um
excepcional presidente, foi ele quem fez uma transformação grande nas políticas
públicas para inclusão de mulheres. Foi ele quem decidiu que as mulheres
recebessem o cartão do Bolsa Família, que quando se faz uma regularização
fundiária no campo as mulheres tivessem o seu nome na escritura.
Eu acho que é uma vitória para o Brasil também hoje as
pessoas públicas terem coragem de contar que ficaram doentes. Antes tinha uma
mística em torno do câncer, as pessoas tinham medo de dizer, achavam que iam
ser estigmatizadasNós tivemos um conjunto de ganhos de política de gênero ao
longo desses últimos oito anos implementado por um presidente homem. Qual é o
grande ganho de termos a presidenta Dilma? É mostrar que é possível, que ela é
eficiente, que sabe fazer, que sabe conduzir um ministério com homens e
mulheres, que sabe comandar um país inteiro e que a gente pode se orgulhar
dela.
E sem perder a ternura? Ou de vez em quando perde a ternura
também?
(Risos) Eu acho que tem essa questão. A gente é cobrada, se
uma mulher é mais decisiva e assertiva no poder, as pessoas ficam surpresas. Se
um homem é mais decisivo e assertivo, é isso que esperam dele. Se é uma mulher,
as pessoas esperam que ela seja sempre
meiguinha. Muitas vezes, para administrar uma rede de serviços públicos no
Brasil, você tem de tomar decisões que são difíceis. Acho que esta que é a
grande surpresa: uma mulher poder ser eleita e poder conduzir um país
gigantesco e continental. E isso vale também para as ministras mulheres. Nós
estivemos no Rio Grande do Sul agora numa agenda técnica de trabalho. Era uma
reunião com o governador Tarso Genro, com o prefeito José Fortunati, e quem
conduzia era a secretária de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina
Miki. A representante da Força Aérea Brasileira era uma mulher, a secretária de
Assistência Social era uma mulher, a maioria do segundo escalão presente à
reunião era de mulheres. E eu acho que isso é exemplo: as meninas podem apostar
e construir suas carreira, porque o Brasil está aberto para elas.
Em 2010 a senhora teve o tratamento de um câncer de mama. O
fato de a senhora ser uma pessoa com muitos objetivos, sonhos, ambições, do
tipo “amanhã farei grandes coisas”, ajudar a se cuidar, a acreditar no tratamento
e a se recuperar?
Eu acho que é uma vitória para o Brasil também hoje as
pessoas públicas terem coragem de contar que ficaram doentes. Antes tinha uma
mística em torno do câncer, as pessoas tinham medo de dizer, achavam que iam
ser estigmatizadas. As autoridades não terem vergonha de dizer que estiveram
doentes é muito importante. Eu nunca escondi minha doença, quando assumi como
ministra eu já estava em processo de tratamento com quimioterapia, e não parei
de trabalhar nem um dia. Não é só acreditar que você vai ficar boa, é uma coisa
que ajuda no combate de qualquer doença. Qualquer oncologista do Brasil
confirma que é completamente diferente tratar um paciente que acredita que vai
se curar, que acredita que vai vencer a doença e que não para de fazer as suas
atividades. Pior coisa é você ficar trancada em casa, chorando sobre a própria
doença. Tem de enfrentar. Eu não parei de trabalhar em nenhum momento, eu sabia
que tinha uma tarefa gigantesca, que era acabar com a minha doença e ao mesmo
tempo assumir uma pasta importante com a principal bandeira da presidenta
Dilma, que é a superação da pobreza no Brasil. Isso me empurrou. Lancei o
programa de peruca. Eu acho que isso faz parte desse novo Brasil que consegue
enfrentar todos os seus problemas, inclusive as suas doenças.
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