Estamos vivendo tempos
difíceis, onde se produz uma mudança profunda na consideração das coordenadas
básicas de uma civilização construída em torno do valor político do trabalho e
de alguns direitos de cidadania no plano social guiados por um princípio
igualitário sustentado pela ação do Estado social. Essa mudança vem sendo
efetuada sob a ameaça da crise e da pressão dos mercados financeiros,
apresentando-se, como uma situação de exceção às regras políticas e jurídicas
que já não são consideradas "adequadas" para gerir situações de
emergência. O artigo é de Antonio Baylos.
A saída da crise
escolhida pela Europa resume-se à retomada do lucro empresarial e à
desestruturação dos sujeitos coletivos que representam o trabalho assalariado.
Para isso, atua-se diretamente no terreno da produção, mediante as chamadas
“reformas estruturais” que conduzem à modificação permanente das leis
trabalhistas e, simultaneamente, no terreno social, debilitando e, em alguns casos,
destruindo literalmente as estruturas de assistência, proteção e defesa
econômica dos cidadãos colocados em uma situação de subalternidade social,
proscrevendo as noções de serviço público e de gratuidade no acesso a serviços
básicos.
Trata-se de um desenho
já experimentado na década dos 90 do século passado em países em via de
desenvolvimento, como na América Latina, e que gerou um evidente efeito
destrutivo sobre o ambiente social, ecológico e cultural deste mundo global.
Este é o significado profundo da contrarrevolução que se iniciou nos anos 80 na
Inglaterra de Thatcher e nos Estados Unidos de Reagan. A relação destas
políticas de destruição e privatização das estruturas sociais que garantiam
níveis mínimos de cuidado e de serviço com a escassez e a geração de novas
chantagens sobre o trabalho em um mercado trabalhista cada vez mais informal e
flexível, é um fenômeno político apontado por muitos analistas [1].
No caso espanhol esta
dupla via de ação contra o público e o coletivo é acompanhada de uma crise das
garantias democráticas básicas, virtualmente suprimidas no curso de um processo
de reformas e de tomada de decisões justificadas pela necessidade ou pela
irresistível imposição externa dos poderes econômicos e financeiros. A crise da
democracia – “por cima” e “por baixo” na explicação de Ferrajoli [2] –
acentua-se e os rituais democráticos fundamentais, as eleições políticas, o
projeto diferenciado de sociedade apresentado pelos partidos, o respeito à
vontade popular expressa nos resultados eleitorais, acabam pulverizados como
consequência das práticas políticas justificadas como reação frente a crise.
A indiferença do
projeto político defendido pelos dois maiores partidos institucionalizados e a
anulação de qualquer vestígio de soberania popular na adoção de medidas de
alcance geral é uma realidade estimulada por meios de comunicação dominados por
um poder econômico concentrado que esvazia de conteúdo o direito a uma
informação veraz, anulando suas garantias. As reformas trabalhistas vêm sendo realizadas
desde maio de 2010 sob a alegação da excepcional urgência e necessidade,
evitando a discussão prévia e pública no parlamento sobre os textos da reforma.
A reforma da Constituição, que restringiu de forma importante o alcance e a
extensão da cláusula social da mesma, foi implementada – “com sentido de
Estado” – mediante um pacto entre as oligarquias burocráticas dos partidos
majoritários excluindo expressamente a submissão do texto ao referendo da
vontade popular.
Os mecanismos
democráticos se apresentam como “formalismos” que atrapalham a tomada de
decisões “necessárias”, de maneira que são deixados de lado na prática da
“governança” cotidiana e são substituídos por impulsos e automatismos
predeterminados e codificados em outro lugar, no “nível adequado” onde se
adotam as decisões determinantes e cuja tradução nos diferentes espaços
nacionais se realiza cada vez mais com maior opacidade e autoritarismo. Triunfo
do princípio oligárquico, é a afirmação de “um longo Termidor” nas sociedades
europeias do século XXI [3].
A experiência espanhola
recente, onde as reformas postuladas não são conhecidas pelos cidadãos até sua
aprovação pelo Conselho de Ministros, geraram um estilo de governo quase
profético no qual se considera como um fato que estes tempos são ruins mas
virão aí tempos piores, ou, o que é o mesmo, que as reformas “mais dolorosas”
para a cidadania ainda estão por vir e ainda que não se conheça o seu teor, o
certo é que eles chegarão e que “exigirão mais sacrifícios”. É possível que,
praticando tal hermetismo ameaçador, pretenda-se excitar na sofrida cidadania
social imagens variadas de distopias atravessadas por angustiantes pesadelos e
por uma sensação de medo invencível com efeitos paralisantes em relação ao
futuro.
Sem excluir esta
intenção de influir no imaginário social, a opacidade governamental explica-se
publicamente levando em conta que o conhecimento das medidas concretas a adotar
teria consequências negativas nas eleições na Andaluzia, de 25 de março, ou nas
eleições gerais, de 20 de novembro.
Assim, é explícita a
concepção negativa que o governo tem das eleições, que não considera um momento
decisivo de formação livre da opinião pública. Segundo essa lógica, “agora não
é o momento” de conhecer o que o governo pretende fazer, ou que seu programa de
governo possa ser avaliado – positiva ou negativamente – pelos cidadãos através
do procedimento da eleição democrática. Não se trata, portanto, de
comportamentos já conhecidos de descumprimento do programa apresentado aos
eleitores como um “contrato” frente ao qual cabe uma responsabilidade política
ou moral, mas sim da consideração do juízo cidadão sobre o projeto político
como algo não transcendente. A liturgia eleitoral simboliza o prêmio ou o
castigo aos governos pelo que fizeram (ou pelo que não fizeram), mas não
permite decidir como se deve governar.
A dupla via de
intervenção frente à crise, no terreno da produção e no terreno social, foi se
desenrolando na Espanha desde maio de 2010 por meio de um processo ininterrupto
de mudanças normativas em uma escalada articulada entre disposições estatais e
de comunidades autônomas. No primeiro terreno, o da produção, as normas
espanholas aprofundaram paulatinamente a abertura de espaços cada vez maiores
de flexibilização do trabalho em paralelo a um processo intenso de erosão da
negociação coletiva e de “des-sindicalização” de territórios extensos da
produção de bens e serviços, não necessariamente coincidentes com a pequena e
média empresa.
Estes processos de
desregulação coletiva implicam o fortalecimento do poder unilateral dos
empregadores na disposição do emprego e do tempo de trabalho. Não buscam a
geração de emprego, como é dito insistentemente por dirigentes governamentais e
autoridades monetárias, mas sim a desestruturação do esquema representativo
coletivo do trabalho e seu confinamento em um nível de implantação reduzido,
reduzindo progressivamente seu poder de negociação e de mediação
representativa.
A incapacidade da
reforma trabalhista para a criação de emprego é uma conclusão unânime dos
juristas do trabalho [4]. Muito recentemente a ex-presidenta do Tribunal
Constitucional lembrou isso em uma aula magistral por ocasião da concessão do
doutorado Honoris Causa na Universidade Carlos III, de Madri. Ao analisar a
função da legislação trabalhista, acusada de destruir o emprego, reduzir seu
campo de aplicação a um grupo de “insiders” e, cuja reforma, portanto, teria
virtudes evidentes na geração de emprego, a professora Casas explica que esta
suposta capacidade criadora de postos de trabalho da lei de reforma da
legislação trabalhista é negada enfaticamente pelos fatos, em especial no que
diz respeito à experiência espanhola de 2010 e 2011.
“A lei da reforma
trabalhista parece ter se convertido em uma espécie de caminho de tira e põe,
como o que possuía o mago de Merlín e família, do grande fabulador Cunqueiro,
ao serviço da geração de emprego”. Os encantamentos não são próprios da
legislação trabalhista, e “as últimas reformas trabalhistas, feitas para
“recuperar o caminho da criação de emprego e reduzir o desemprego”, não
atingiram seu objetivo apesar de terem situado os empresários “em uma posição
muito melhor” frente aos riscos da contratação de trabalhadores do que a que
tinham sob as leis que, quando estavam em vigor, aumentaram os empregos em
quase oito milhões de pessoas entre 1995 e 2007 (...)”.
“A instabilidade
crônica das normas sobre política de emprego e modalidades de contratação
trabalhista ou os contínuos ensaios sobre formação profissional e intermediação
laboral provam a radical e inegável capacidade dessas urgentes e fragmentárias
normas reformadoras para conseguir os fins que querem alcançar. Em sua reforma
reside o reconhecimento mesmo de seu fracasso”. Desta maneira, conclui, “desse
modelo de regulação trabalhista que foi sendo desenhado por meio de reformas
sucessivas, que trariam grandes remédios que os fatos desmentem, resultou um
direito de trabalho que sequer sustenta o conjunto dos trabalhadores e não
compensa e nem corrige as desigualdades fundamentais que aumentaram notavelmente
entre estes, ao mesmo tempo em que estabelece as bases de um modelo econômico
de baixa produtividade. Sua superação é uma necessidade quase unanimemente
aceita e um assunto absolutamente fundamental” [5].
Esta conclusão tão
assertiva como desoladora é algo que todos conhecem/conhecemos. As posições
governamentais e empresariais que seguem repetindo como um mantra a necessidade
de seguir reformando a legislação trabalhista como condição para a recuperação
econômica e a criação de emprego sabem perfeitamente que usam um argumento
falso, que não resiste à comparação histórica com os ciclos de criação e
destruição de emprego na Espanha, nem pode explicar as diferenças abismais
entre as distintas regiões espanholas em razão do nível de emprego correspondente.
Esta consciente reiteração da falsidade tem a ver com o desempenho eficaz em
termos de opinião pública da justificativa desta desregulação progressiva.
Também está ligada à
necessidade de desmontar as resistências culturais à flexibilização acelerada
do trabalho, que se manifesta na opinião do primeiro ministro italiano “não
político” ou “técnico”, o financeiro Monti, sobre o tédio de um trabalho
estável, definido como uma espécie de cadeia perpétua na qual o trabalhador se
encontra preso a um mesmo posto de trabalho durante toda a vida. O reverso
desta afirmação é o verdadeiramente significativo: os jovens devem se acostumar
ao fato de que só encontrarão em suas vidas trabalho precário, temporário,
instável.
Mas a conexão constante
entre criação de emprego e desregulação trabalhista tem também, como os
problemas matemáticos, uma pergunta oculta. E é uma interrogação fundamental
para o Direito do Trabalho. Trata-se de responder a uma pergunta central sobre
a conveniência ou inconveniência do sindicato e do coletivo como elemento
significativo e em alguns sentidos determinante na regulação das relações de
trabalho, do projeto contratual e de sua execução. A resposta, todavia, não é
explícita, como a própria pergunta, mas é crucial para a resolução do problema.
É certo que existem tendências contrapostas que impedem uma tomada de postura
clara por parte do empresariado. Um importante setor do mesmo, no qual pesa
decisivamente a experiência histórica de trinta anos de concertação social e de
prática da negociação coletiva, entende conveniente a presença sindical e sua
capacidade de mediação representativa, ainda quer tirar da crise uma
consolidação de sua posição dirigente.
A assinatura do segundo
acordo para o emprego e a negociação coletiva para o período 2012-2014 entre
CEOE-CEPYME e os sindicatos confederados responde a esta ideia e, para além da
regulação salarial que propõe, a atenção deve se concentrar na confirmação que
este instrumento realiza da negociação coletiva como método prioritário de regulação
das relações de trabalho, e as previsões que nele se estabelecem sobre a
estrutura da negociação coletiva, os procedimentos de inaplicação do convênio
setorial e o amplo espaço concedido às medidas de flexibilidade interna como
fórmula de intercâmbio ante a redução de empregos fixos e as extinções de
contratos como medidas organizativas das empresas nesta crise [6]. Com isso, o
sindicalismo confederado entende que pode preservar o núcleo de seu poder
contratual, legitimado e reconhecido mediante o pacto com o empresariado.
No entanto, o acordo
não fecha a possibilidade de uma nova reforma trabalhista. São muito fortes as
pulsões que vem degradando as garantias de emprego e enfraquecendo o peso da
dimensão coletiva nas relações de trabalho, substituindo-as por uma visão
organizativa definida unilateralmente pelo poder privado do empresariado. E o
novo governo anuncio que legislará sobre esta matéria de formal tal – uma
reforma “dura” – que espera que os sindicatos convoquem uma greve geral contra
a mesma [7]. Portanto, são previsíveis interferências e “turbulências” da lei
reformadora sobre o esquema fixado na negociação coletiva. A lei 35/2010
interveio desautorizando uma boa parte dos conteúdos pactuados no segundo
acordo para o emprego e a negociação coletiva 2010-2012, reduzindo o campo de
atuação do poder regulador coletivo do sindicato, pelo que é possível que
também o governo do PP retome a prática já experimentada na crise de utilizar a
norma legal da reforma para contrariar e eliminar o que foi pactuado
coletivamente. É claro que, com isso, se produz uma deslegitimação intensa da
constitucionalização do trabalho em sua vertente coletiva e sindical [8]. É uma
operação profundamente antidemocrática, em relação a qual, muitos setores ainda
não estão suficientemente conscientes.
A segunda via de
intervenção se dá no terreno social e se materializa em uma hostilidade
beligerante contra o público e o estatal. O desmantelamento progressivo e a
privatização dos espaços e serviços públicos de formação, de cuidado e de
assistência social é um objetivo prioritário tanto da política estatal como, de
forma muito visível, das comunidades autônomas. Educação e saúde como
territórios de luta muito destacados, que se projetam e se replicam em muitos
outros aspectos da assistência social e dos serviços públicos do sistema de
proteção social. A destruição da esfera pública, acelerada pelo tratamento que
se deu à crise, degradou a sensação de pertencimento a uma dimensão coletiva,
destruindo portanto a solidariedade entre os seres humanos. A miséria e a
pobreza crescem indefectivelmente nesse panorama onde o princípio igualitário e
sua consideração material, reconhecidos como eixo do constitucionalismo do
trabalho e da cláusula social que compromete a ação do Estado, são conscientemente
negados.
Estamos acostumados a
que, no setor público, as intervenções anti-crise se centrem na redução
salarial direta ou na perda de poder aquisitivo dos salários por meio do
mecanismo de congelamento dos mesmos, e em uma política de contenção de gastos
e de pessoal, o que é reforçado ainda mais pela cláusula da estabilidade
orçamentária e sua exigência legal. Avalia-se corretamente o caráter “injusto e
suicida” desta política no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e à
criação de riqueza [9], mas não se reflete suficientemente sobre os múltiplos
aspectos problemáticos que estas ações estão colocando no campo do emprego
público com efeitos devastadores. Os defensores dessa política querem definir o
Estado como um espaço singular de regras separado e isolado das que regem a
relação entre lei e convenção coletiva na produção de normas trabalhistas. E
neste espaço se quer criar uma barreira de imunidade frente à vigência efetiva
da liberdade sindical coletiva de atuação na regulação coletiva das relações de
trabalho no emprego público.
O sistema espanhol se
baseia na força vinculante do convênio coletivo de eficácia normativa e geral.
Na crise, a lei está criando um estado de exceção econômico que modifica
diretamente o conteúdo dos acordos coletivos e pretende que estes não se
apliquem em aspectos substanciais. Com isso se esvazia de conteúdo o direito de
negociação coletiva, fazendo a liberdade sindical perder sentido. As faculdades
especiais dessa liberdade, reconhecidas por lei orgânica, de ordenar e
disciplinar as condições de trabalho emprego, são relativizadas pela legislação
de urgente necessidade.
O processo afeta a
negociação coletiva no setor público, reconhecida de forma ampla no Estatuto
Básico do Empregado Público (EBEP), a qual se aplica como regra geral da crise
a exceção muito limitada que assinala o parágrafo 10 do artigo 38 do EBEP, que
garante o cumprimento dos pactos e acordos, “salvo quando excepcionalmente e
por causa grave de interesse público derivada de uma alteração substancial das
circunstâncias econômicas, os órgãos de governo das administrações públicas
suspendam ou modifiquem o cumprimento de pactos e acordos já firmados, na
medida estritamente necessária para salvaguardar o interesse público”.
A excepcionalidade e a
gravidade da situação que altera substancialmente as circunstâncias econômicas
é alegada agora massivamente como cláusula para derrogar e modificar os pactos
e acordos dos empregados públicos, que veem assim substituída a negociação
coletiva de suas condições de trabalho pactuadas entre os sindicatos
representativos e a Administração, por uma decisão unilateral do poder público
que reduz os padrões salariais, de jornada de trabalho e de serviços sociais
que haviam sido reconhecidos coletivamente.
Esse processo de
verdadeiro confisco de direitos constitucionais básicos, a liberdade sindical e
a negociação coletiva, é praticado também pelas administrações autônomas, onde
há dúvidas mais do que fundadas sobre a capacidade das leis autonômicas e dos
acordos dos órgãos de governo destas administrações para reduzir os direitos
sindicais e as condições de trabalho. Isso ocorre não só sobre os acordos e
pactos dos empregados, mas sobre os convênios coletivos dos trabalhadores a
serviço de qualquer das administrações públicas envolvidas, estatal,
autonômica, local e nas empresas públicas.
Mediante a lei de
exceção econômica por causa da crise, anula-se na prática a negociação coletiva
e a ação sindical coletiva na regulação das condições de trabalho. O setor
público é, portanto, um campo avançado da tendência a privar os sindicatos
representativos do poder normativo que a lei orgânica de liberdade sindical
reconhece a eles. Cabe perguntar pelo significado político-constitucional desta
tendência e se a singularidade do emprego público permite a aplicação massiva e
generalizada de decisões de não aplicação e substituição de acordos, pactos e
convênios coletivos neste setor, na base de uma consideração unilateral do
“interesse público” em cuja definição não tem lugar o pluralismo social nem o
respeito dos direitos fundamentais reconhecidos na Constituição espanhola.
Além disso, e contra o
que normalmente se acredita, o espaço do emprego público está sendo colocado no
centro das táticas de redução de efetivos, com uma ampla flexibilidade na
obtenção destes objetivos e uma correlata perda de garantias. A muito criticada
doutrina do Tribunal Supremo que criou uma nova categoria de trabalhadores na
Administração, o indefinido não fixo, consolidou um tipo contratual em uma situação
especial de risco a respeito da amortização de sua vaga ou da negativa a
mantê-la, sem a previsão de uma indenização nem controle sindical ante a
extinção do contrato nos casos de demissão coletiva.
A privatização dos
serviços públicos gerou uma grande quantidade de terceirizações de serviços das
administrações públicas a partir do esquema da contratação de serviços mediante
contratos e subcontratos. A estratégia de redução de gastos e a política de
austeridade conduz a não pagar o contrato, rescindi-lo e posteriormente voltar
a oferecer o trabalho a um preço mais baixo. As consequências a respeito da
redução de emprego após a rescisão e a renegociação do contrato e a cadeia de
subcontratações sucessivas são muito graves e colocam numerosas interrogações
sobre a responsabilidade solidária da entidade pública contratante e as
empresas contratadas que já não funcionam.
Estes conflitos sobre o
emprego no setor público, onde a capacidade de regulação coletiva e sindical
das condições de trabalho foram reduzidas à nada, com grave quebra dos
princípios constitucionais, permitem que se estenda, assim como ocorreu no
setor privado, a precariedade e a flexibilidade em muitos de seus circuitos de
prestação de serviços. É importante assinalar que seu desenvolvimento coincide
com a abertura de debate sobre a necessidade de que o usuário do serviço pague
uma parte de seu custo como forma de garantir a sustentabilidade do mesmo. A
transformação do usuário em cliente parece que, por si só, permitiria melhorar
a qualidade dos reduzidos serviços sociais de origem e caráter público.
Está se produzindo,
portanto, uma mudança profunda na consideração das coordenadas básicas de uma
civilização construída em torno do valor político do trabalho e de alguns
direitos de cidadania no plano social guiados por um princípio igualitário
sustentado pela ação do Estado social. Essa mudança vem sendo efetuada sob a
ameaça da crise e da pressão dos mercados financeiros, apresentando-se, pois,
como uma situação de exceção às regras políticas e jurídicas que não são
consideradas "adequadas" para gerir a situação de emergência. Desta
maneira, implicitamente, se faz circular a ideia de que a democracia em seu
componente político e social e suas dimensões pública e coletiva é um método de
governo inapropriado frente às situações críticas do sistema econômico e que,
por conseguinte, estas devem ser resolvidas prescindindo destas dimensões.
São tempos duros,
certamente, tempos difíceis, mas o resultado final destes processos está
aberto. Como o próprio tempo de duração da crise, cujo final se reenvia
constantemente dois anos mais tarde da data que havia sido anunciada como o
momento da recuperação. Neste tempo dilatado, aumentam os riscos de fratura
social e o sindicalismo está impulsionando mobilizações de resistência, ao
mesmo que tenta construir uma proposta coerente com a situação de crise que
enfrentamos, a partir da qual possa explicar seu próprio programa de ação e
afiançar sua mediação representativa no emprego e no trabalho. Mas os juristas do
trabalho não podem refugiar-se no restrito círculo dos comentários acadêmicos,
mantendo um silêncio suficientemente eloquente de sua irrelevância midiática. É
importante considerar o espaço dos direitos trabalhistas como um terreno de
confrontação ideológica e de orientação cultural e política contrahegemônica
que requer uma presença organizada dos juristas do trabalho interessados em
preservar o modelo constitucional da democracia social e a renovação da esfera
pública em um sentido democrático real.
(*) Antonio Baylos é
professor de Direito do Trabalho e Trabalho Social, na Universidade de
Castilla-La Mancha
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