A decisão de procuradores da República de acusar o coronel
Sebastião Curió de “sequestro qualificado”, crime continuado, em razão do
suposto envolvimento dele no desaparecimento de militantes da Guerrilha do
Araguaia, em 1974, no Pará, durante a ditadura, sustenta que esse tipo penal
não se enquadra na relação de crimes prescritíveis.
A tese deverá ser avaliada pela Justiça, caso seja acolhida.
No plano legal, a iniciativa, no entanto, só terá sucesso se o Supremo Tribunal
Federal reconsiderar a decisão tomada e invalidar a Lei da Anistia aprovada em
1979 no começo do mandato de João Figueiredo.
Essa lei é o exemplo vivo do processo de conciliação que
orienta os rumos da política brasileira. Desde sempre e quase sempre, ela
reflete o conchavo no Brasil de cima para desmobilizar a participação do Brasil
de baixo.
O acordo conciliatório foi sacramentado entre os militares e
a maioria conservadora do Congresso, formada pela base de sustentação da
ditadura, cujo líder era José Sarney, e, do outro lado, a oposição moderada
incorporada por Tancredo Neves no Partido Popular, que logo nasceria com a
reforma partidária e o rompimento da unidade do MDB de Ulysses Guimarães. Não
por acaso, Tancredo e Sarney formariam a chapa, presidente e vice, consagrada
em eleição indireta de janeiro de 1985.
Como foi articulada, a anistia expressa essa transação
política com apoio de parte da sociedade. Mas havia outra parte dela que
protestava contra o acordo.
Pesquisa, de âmbito nacional, divulgada recentemente pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dentro de uma análise sobre as
relações das Forças Armadas e a Defesa Nacional, oferece fortes indícios de
que, muito provavelmente, o Congresso, ao aprovar a lei, traiu parcela
majoritária de uma sociedade que se guia, exatamente, pela vontade da maioria.
O resultado reproduz somente as respostas dos entrevistados,
24,3% do total, que disseram conhecer o tema (tabela). Esse -porcentual indica
que a história começa a ficar desbotada na memória dos brasileiros.
Nesse universo, uma maioria de 67% acha que deve haver
investigação e algum tipo de punição. Desses, 22,2% esperam, além da
investigação, a punição para os agentes da repressão, enquanto 20,3% dizem que
não deve haver nenhuma punição.
Os números, entretanto, formam uma maioria, 36,6%, que
defende algum tipo de punição. E 11,8% deles acham que não deve haver punição
para ninguém; e um número muito parecido, 11,4%, propõe punição para os grupos
armados de oposição à ditadura.
Pesquisa de opinião
sobre a Lei da Anistia
Do porcentual das respostas surge uma consistente maioria,
superior a 77%, que apoia a investigação dos crimes. Um ótimo suporte para a
instalação da Comissão da Verdade.
Há um conflito forte entre aqueles que dizem conhecer o tema,
em relação à punição para os grupos armados de oposição à ditadura. Juntam no
mesmo saco a motivação de agentes dos crimes.
De um lado, agentes da repressão que torturaram, sequestraram
e mataram mulheres e homens. Na maioria dos casos, já dominados sem condição de
reagir. Do outro lado, o crime de sangue motivado por razões políticas.
A própria declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece
a legitimidade dessas ações. Há, porém, mais profundidade nas páginas de
Shakespeare.
No drama Júlio César, a motivação política salta da boca de
Brutus, articulador e participante do assassinato do imperador: “Todos nos
levantamos contra o espírito de César, e no espírito dos homens não existe
sangue. César deve sangrar por causa disso (…) vamos matá-lo com coragem, mas
sem cólera”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário