Benedito Braga - Vice-presidente do Conselho Mundial da Água
fala sobre alternativas para combater a escassez mundial e antecipa discussões
que devem gerar polêmica na Rio+20
por Larissa Veloso
RESPEITO
Braga é uma das maiores
autoridades mundiais sobre o recurso natural
Benedito Braga, 62 anos, é o homem que mais entende de
recursos hídricos no Brasil e uma das maiores autoridades sobre o tema no
mundo. E não é só seu Ph.D. na Universidade de Stanford (EUA) que lhe confere
tais títulos. Atual vice-presidente do Conselho Mundial da Água (WWC, na sigla
em inglês), ele foi responsável pelos fóruns mundiais sobre o tópico nas
discussões de Haia e Kyoto, além de liderar negociações a respeito do assunto
diretamente na ONU. Também é membro da diretoria da Agência Nacional de Águas
(ANA), entidade que procura aprimorar o uso da água no Brasil por meio de ações
como a construção de cisternas no semiárido nordestino. Benedito Braga recebeu
ISTOÉ em seu gabinete na Escola Politécnica da USP para falar do futuro de um
recurso do qual depende toda a humanidade.
Istoé - Como a questão da água será tratada na Rio+20?
Benedito Braga - Na
Rio+20 existem duas discussões centrais: o crescimento verde e a erradicação da
pobreza. Eu e o presidente do WWC, Loïc Fauchon, visitamos o Ban Ki-moon
(secretário-geral da ONU) para conversar sobre a questão da água, porque
entendemos que ela desempenha um papel muito importante nesses dois temas. E,
para nossa surpresa, ele estava mais interessado nesse assunto do que nós e
contou uma história. Ele estava em Darfur (no oeste do Sudão) em uma época
muito turbulenta. Chegou com seus seguranças e tentou falar com uma multidão
que o recepcionava. Todos estavam confusos, falando ao mesmo tempo. Então ele
subiu num caixotinho e só conseguiu ser ouvido quando prometeu trazer água.
Quando ele falou isso, todos pararam para escutar. Moon quis nos mostrar que
esse tema é muito caro para ele.
Istoé - Mas e as
discussões sobre a água na Rio+20? Como as autoridades vão se preparar?
Benedito Braga - Entre os dias 12 e 27 deste mês realizaremos
o sexto fórum do Conselho Mundial da Água em Marselha (França). Esse evento
será uma forma de nos prepararmos para a Rio+20. Irão participar do encontro
ministros de Estado, prefeitos, parlamentares, estudiosos e membros da
sociedade civil, já que o WWC é uma plataforma de múltiplos atores.
Istoé - No Brasil temos água em abundância. Isso dificulta a
adoção de políticas de não desperdício?
Benedito Braga -
Observamos o desperdício de água no Sul e no Sudeste. Mas no Nordeste ninguém
lava a calçada com mangueira porque há a noção clara do valor desse recurso,
por causa da escassez. Hoje, graças ao trabalho da ANA, essa região já tem
melhorias que permitem passar períodos bem extensos sem aquela situação de
morte de pessoas pela seca, como no passado. Mas a importância da água já está
no inconsciente da população. Agora, existe uma diferença entre a água que está
no rio e a água que está na torneira. Há um longo caminho entre esses dois
pontos. Em São Paulo, por exemplo, temos regiões nas quais chove muito, mas com
pouquíssima água encanada à disposição.
Istoé - Qual é sua
avaliação sobre a disponibilidade hídrica na capital paulista?
Benedito Braga - São
Paulo se desenvolveu nas cabeceiras do rio Tietê, uma região com pouca água. A
cidade começou a crescer de forma muito intensa depois da construção da represa
Billings e da hidrelétrica Henry Borden. Havia muita disponibilidade de energia
elétrica e São Paulo explodiu, virou potência industrial. Na década de 70, já
foi necessário criar um sistema para trazer o recurso de outro lugar para a
região metropolitana. Para isso os rios Jaguari, Jacareí e Piracicaba – do
outro lado da Serra da Cantareira – foram represados e a água foi trazida para
abastecer a região metropolitana. Isso representa metade do consumo da cidade.
Então hoje o cidadão gasta água na rua, mas não tem ideia de que daqui a dez
anos não vamos ter esse recurso em São Paulo.
Istoé - E como será?
Benedito Braga -
Viveremos um rodízio. Um dia com, um dia sem. Vai ter o maior problema do
mundo, se não começarmos hoje as obras para trazer a água de outro local, além
do sistema que existe hoje. Atualmente temos 60 metros cúbicos por segundo
abastecendo a cidade, mas o consumo continua crescendo.
Istoé - Essa água foi tirada do outro lado da Serra da
Cantareira. O que aconteceu com este local?
Benedito Braga - O
comitê da bacia do Piracicaba agora reivindica essa água. Mas o comitê da bacia
do Alto Tietê também quer. Porque os recursos hídricos estão se tornando cada
vez mais escassos. Em 2004 essa autorização de trazer a água para São Paulo
venceu. Quando aconteceu a renovação, eu era diretor da ANA. Tivemos que
conversar com todas as partes, uma discussão muito complicada. Conseguimos
renovar a outorga por dez anos, mas em 2014 vai vencer novamente. Então teremos
que fazer outra grande negociação. Precisamos falar mais de água. Quando
falamos em meio ambiente, todo mundo pensa em floresta e nos animais. Mas o
problema é a água. Em qualquer grande cidade do mundo, Bombaim, Pequim, Xangai,
o maior problema é a poluição hídrica na zona urbana. Precisamos limpar os
nossos rios, dar água potável para a população.
Istoé - O que o sr.
pensa sobre o reúso da água?
Benedito Braga - É uma
questão de percepção. Muito da água consumida no Brasil, que sai da torneira,
vem da captação feita no esgoto, de rios poluídos. O governo trata a água, ela
chega limpa à torneira. Mas há o que chamamos de micropoluentes, que os
sistemas tradicionais de limpeza não tiram. É preciso uma tecnologia muito
avançada. Cingapura, por exemplo, está usando esse processo para tornar a água
do esgoto potável novamente. A Califórnia (Estado americano), por exemplo, faz
o reúso. Mas eles não jogam direto na linha (no sistema de abastecimento da
cidade) como Cingapura faz, como a Namíbia faz. Eles jogam no solo, ela
infiltra, e aí eles retiram de um poço, bombeiam. Isso por uma questão de
percepção da população.
Istoé - Há quem diga
que a próxima guerra mundial será pela disputa de água. Qual é a sua opinião?
Benedito Braga - Ainda não temos exemplos concretos de
guerras travadas pela água. O que existe é uma disputa entre Palestina e
Israel, por exemplo, que é conhecida. Um general israelense dizia que é muito
mais barato dessalinizar a água do que ir à guerra para usar o recurso. Então o
conflito é muito mais caro do que outra solução. Mas já não é esse o caso no
Egito. O país, dizem, é uma dádiva do Nilo e não existiria se não fosse esse
rio. Anuar Sadat (presidente egípcio na década de 70) já dizia que o Egito só
iria à guerra se tirassem a água do Nilo.
Istoé - A diplomacia
pode ser decisiva?
Benedito Braga - É evidente que, antes de acontecer uma
guerra, há um processo de cooperação. Se a Etiópia e o Sudão começarem a usar a
água do Nilo para irrigação, por exemplo, você terá menos água disponível.
Acredito que o rio será motivo de guerra caso os dois países construam
reservatórios de água que prejudiquem o consumo no Egito. Aquilo que Anuar
Sadat previu vai se tornar realidade, porque aquilo é vital. Agora, afirmar que
as futuras guerras serão pela água é exagerar um pouco.
Istoé - O sr. crê que
o homem chegaria a ponto de invadir um país pela água, pensando em um cenário
de escassez mundial?
Benedito Braga - Não, não acredito nisso. O Brasil, por
exemplo, tem 12% da água doce do mundo. Ninguém invadiria o País para tomar
esse recurso, porque seria muito mais caro você usá-lo em outro território.
Transportamos o petróleo a longas distâncias por décadas. No caso de alguém vir
aqui na Amazônia para encher um navio de água, sai mais barato você retirar do
mar e dessalinizar. O Brasil não corre esse risco.
Istoé - A dessalinização seria uma solução para a escassez
hídrica no Nordeste brasileiro?
Benedito Braga - Hoje já temos dessalinizadores para pequenas
comunidades. No Nordeste é preciso ter diferentes níveis de solução de
problemas. Por exemplo, você não pode resolver o problema em Fortaleza da mesma
maneira que trata o de um povoado de dez ou 100 pessoas no semiárido. Para essa
população rural dispersa, a água encanada é muito cara, não dá para fazer.
Então em 2001 a ANA lançou o programa das cisternas, de coleta de água de chuva
e um sistema de armazenamento, que dá para dessedentação. Dá para beber, mas
não é suficiente para irrigar. Mas pelo menos o homem não morre de sede. Em
povoados um pouco maiores, você tem dessalinizadores que usam membranas. Eles
operam com energia solar, é um ótimo sistema. Sobra o resíduo, o sal. Então a
Embrapa descobriu que existe uma planta chamada atriplex que vive muito bem com
esse sal. E o gado come o atriplex.
Istoé - Qual a sua
opinião sobre a polêmica em torno da construção da hidrelétrica de Belo Monte?
Benedito Braga - Belo Monte não pode ser vista como uma
iniciativa solta no meio da Amazônia, e sim num contexto mais amplo. O País
está crescendo, está reduzindo sua pobreza, e é com o suprimento de energia que
a sua economia cresce. Se nós, brasileiros, aceitarmos esse paradigma de que precisamos
crescer e precisamos de energia, teremos que lidar com Belo Monte. Existem
pessoas que questionam esse conceito de crescimento, que acham que temos de
parar de consumir, comer menos, gastar menos e viver mais próximo dos
indígenas. Bom, é uma filosofia de vida. Mas não me parece ser o pensamento da
maioria da população brasileira.
Istoé - A solução para
a demanda de energia é investir em novas hidrelétricas?
Benedito Braga - Que fontes energéticas o País tem? O Brasil
tem água, urânio, um carvão que não é muito bom, porque tem muito enxofre e
precisa ser bem trabalhado para ser usado. E temos o vento e o sol. O primeiro
é um recurso intermitente, uma alternativa que pode entrar de forma
suplementar. Já a geração solar é mais adequada para aquecimento. Então
contamos mesmo é com a água e o urânio para a produção de energia elétrica. E
aí, no fim das contas, a pergunta que deve ser feita é: o que devemos erguer,
Angra 3 ou Belo Monte?
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