Quando a Associação Nacional dos Jornais nomeou-se o principal partido de oposição, desprezou as instituições da República
Por: Mauro Santayana
Não é possível despolitizar as decisões judiciais, por mais
que disso cuidem os legisladores. Sendo assim, há uma prudência consensual na
constituição da Suprema Corte dos Estados Unidos, de forma a que a
representação ideológica dos conservadores seja equilibrada à dos liberais,
quase sempre com a presença de um juiz capaz de moderar as decisões mais
importantes. Outra tradição norte-americana é a da discussão pública e demorada
da biografia dos indicados para aquele tribunal, antes da sabatina a que são
submetidos pelo Senado, e no intervalo da votação que os aprove ou rejeite.
Ao contrário do que habitualmente ocorre entre nós, nem
sempre o Senado dos Estados Unidos aceita os nomes indicados pelo Poder
Executivo para integrar a Corte. Em nosso caso, infelizmente, os chefes do
Poder Executivo costumam nomear ministros do mais alto tribunal, sem atentar
para a sua responsabilidade moral, perante a Nação. E não só recentemente os
equívocos foram notórios: nesse descuido incorreram muitos presidentes da
República. O predomínio do Executivo sobre o Congresso, nesse particular, tem
sido tão arrasador que o Senado apenas ratifica o nome apontado pelo
presidente.
Como observou o ministro Sepúlveda Pertence, em seu debate
público com o senador Antonio Carlos Magalhães, a metade dos que batem à porta
do Supremo têm o pleito denegado, e se consideram injustiçados – mesmo que
reconheçam o desamparo jurídico de sua causa.
Isso, no entanto, não atesta a infalibilidade dos juízes
supremos. A maioria é o critério insubstituível para decidir, mas é provável
que, mesmo à maioria, falte a inteligência de uma sentença justa. Os bons
juízes aceitam a interferência da compaixão em suas decisões, mas nelas não
podem permitir o mau conselho do ódio.
Há também que se reconhecer a influência do tempo e do modo
de ser da sociedade sobre os grandes julgamentos. Os juízes podem se precaver
com todas as guardas da consciência, mas dificilmente conseguem isolar-se das
paixões conjunturais. Quando estão em jogo as convicções ideológicas, as
questões de classe, o preconceito racial e o patriotismo, verdadeiro ou falso,
as sociedades se dividem em dois campos intransigentes. Entre outros exemplos
históricos, temos o do Caso Dreyfus, na França do fim do século 19. Ainda hoje,
não obstante testemunhos e provas que inocentaram o capitão Dreyfus, acusado de
vender segredos militares aos alemães, historiadores têm dúvidas sobre a culpa
ou não do oficial judeu. Resta a intransigente defesa que dele fizeram homens
da altura de Clemenceau e Émile Zola, o último com o seu corajoso panfleto
J’accuse, pelo qual foi processado.
O julgamento da Ação 470, na observação dos leigos, deveria
cingir-se às rigorosas provas dos autos, a partir do axioma de que os juízes
não podem julgar com provas secretas. O governo militar brasileiro, durante os
anos ditatoriais, chegou a promulgar “decretos secretos”. Nada que for secreto
merece fé. Se os juízes não podem decidir com provas secretas, menos ainda
devem julgar a partir de ilações. A Justiça não se exerce com silogismos, por
mais lógicos semelhem ser.
É de se temer que a opinião de alguns jornalistas engajados
na oposição se infiltre na Suprema Corte e contamine os ritos jurídicos. Não
nos esqueçamos de que a presidente da Associação Nacional dos Jornais, Maria
Judith Brito, disse, com todas as letras, que os grandes jornais substituem a
debilidade dos partidos, no exercício da oposição ao governo federal. Com isso,
ela manifestou seu arrogante desprezo pelas instituições da República.
A ação engajada – e a serviço dos interesses norte-americanos
– dos meios de comunicação contra a chefia do Estado levou um presidente da
República ao suicídio em 1954 e outro ao exílio, dez anos mais tarde, e, em
consequência, a 21 anos de cinza e chumbo em nossa pátria.
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