Por Igor Felippe, colunista do Escrevinhador
Ato I: o voto
Chamou a atenção a
virulência empregada pelo decano do STF, ministro Celso de Mello, para condenar
o denominado núcleo político da Ação Penal 470, o chamado Mensalão.
O rigor – ou a insensatez ? – do decano do STF levou o
jornalista Luis Nassif a afirmar:
“Nada se equipara à
irresponsabilidade institucional do ministro Celso de Mello”.
Vejam algumas frases vociferadas pelo safo ministro – safo no
sentido usado pelo ministro Marco Aurélio de Mello quando se refere ao
ex-presidente Lula:
“Esses delinquentes
ultrajaram a República. É o maior escândalo da história”.
“Nunca presenciei caso
em que o crime de quadrilha se apresentasse, em meu juízo, tão nitidamente
caracterizado”.
“Esta estabilidade se
projeta para mais de dois anos, 30 meses. Eu nunca vi algo tão claro”.
“Vítimas, senhor
presidente, somos todos nós, ao lado do Estado. Vítimas de organizações
criminosas que se reúnem em bandos”.
“O que eu vejo nesse
processo são homens que desconhecem a República” – o objetivo dos acusados era
dominar o sistema político brasileiro, de forma “inconstitucional”.
“Os fins não
justificam a adoção de quaisquer meios, especialmente quando tais meios se
apresentam em conflito extensivo com a Constituição e as leis da República”.
“Estamos a condenar
não atores políticos, mas protagonistas de sórdidas artimanhas criminosas”.
Para que se exista quadrilha, afirma o decano, “basta que
seja uma associação permanente, de trabalho comum, combinado”.
Celso de Mello ainda comparou um partido político, o PT, que
governa o país desde 2003, às organizações criminosas do Comando Vermelho (CV)
e do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Ato II: O passado recente
Houve uma verdadeira
orgia na distribuição de concessões públicas de emissoras de rádio e TV durante
o governo Sarney (1985-89) – o ministro das Comunicações era Antonio Carlos
Magalhães, que tinha na Secretaria Geral Rômulo Villar Furtado, homem de
confiança da Globo no cargo desde 1974.
O coletivo Intervozes, no documento “Concessões de Rádio e
TV: onde a democracia ainda não chegou”, publicado em novembro de 2007,
afirmou:
“Em três anos e meio –
de 15/03/85 a 5/10/88 -, Sarney distribuiu 1.028 outorgas, sendo 25% delas no
mês de setembro de 1988, que antecedeu a promulgação da Constituição”.
O objetivo da orgia é esclarecido no próprio documento: “Com
raras exceções, os beneficiados foram parlamentares que receberam as outorgas
em troca de apoio político a projetos de Sarney, especialmente para a extensão
do mandato do presidente para cinco anos” (grifos meus).
A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), em 1 março de
1988 – portanto antes da promulgação da Constituição Federal - já denunciava:
“há uma evidente vinculação entre o aumento do número de outorgas e a criação
do centrão. E, mais recentemente, com a compra de votos de Constituintes pelo
Executivo, que a imprensa atualiza diariamente com novas denúncias” – grifos
meus .
Ato III: Onde estava Celso de Mello nesse período?
No início do governo
Sarney, Celso de Mello era secretário de Saulo Ramos na Consultoria Geral da
República. Depois, quando Saulo Ramos se tornou ministro da Justiça daquele
governo, Celso de Mello continuou sendo seu principal assessor.
“Celso era o grande
filtro técnico, o especialista capaz de dar vestimenta técnica às teses mais
esdrúxulas de Saulo. (…) E, como recompensa, ganhou a indicação para Ministro
do STF”, escreveu Nassif.
Parenteses: por que será que na página do decano no site da
Wikipédia é ignorado que Celso de Mello prestou serviços ao governo Sarney? Lá
consta: “Celso de Mello foi formado em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e membro do Ministério Público do Estado de São Paulo
desde 1970 até ser nomeado para a Suprema Corte”. Seria um “esqueçam
o que eu fiz”, assemelhado ao “esqueçam o que
escrevi”?
Ato IV: E agora, decano?
Compra de votos dos
constituintes?
Formação de uma base parlamentares de apoio ao governo
Sarney, chamada de centrão?
Uso das concessões de rádios e TV em troca de apoio aos
projetos do governo?
Obtenção de um mandato presidencial de cinco anos, depois de
ter sido eleito para o exercício de quatro anos? Nesse episódio, quem estava ao
lado do Estado? Quais foram as vítimas desse conluio?
Por que os políticos protagonistas dessa sórdida artimanha
criminosa não foram denunciados e punidos? Onde estão os “delinquentes que
ultrajaram a República” durante o processo constituinte?
Senhor decano, data vênia, faço uso de suas palavras: “Nunca
presenciei caso em que o crime de quadrilha se apresentasse, em meu juízo, tão
nitidamente caracterizado”.
Resta apenas uma dúvida: senhor ministro, o seu voto hoje
endereçado ao PT já estava escrito em 1988?
Igor Felippe Santos é jornalista, editor da Página do MST,
pertence ao conselho político do jornal Brasil de Fato e ao conselho do Centro
de Estudos Barão de Itararé
Nenhum comentário:
Postar um comentário