A chamada “operação saturação” já aconteceu em 2005 e 2009, e
agora o governador mandou, um dia depois do segundo turno da disputa à
prefeitura de São Paulo, cerca de 500 policiais para o local, num momento de
evidente crise da segurança pública paulista expressa pelo aumento do número de
homicídios – incluindo policiais - e a denúncias sobre a atuação de grupos de
extermínio.
Fábio Nassif
São Paulo - Sob ordem do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a
polícia militar iniciou uma grande operação repressiva na favela de
Paraisópolis na madrugada da segunda-feira (29), um dia depois do segundo turno
da disputa à prefeitura de São Paulo. A chamada “operação saturação” já aconteceu
em 2005 e 2009, e agora o governador mandou cerca de 500 policiais para o
local, num momento de evidente crise da segurança pública paulista expressa
pelo aumento do número de homicídios – incluindo policiais - e a denúncias
sobre a atuação de grupos de extermínio. Espremidos entre respostas do governo
à crise e ao processo de valorização imobiliária da região, os moradores
denunciam os abusos da polícia militar.
Paraisópolis é a maior favela da cidade. Durante o período
eleitoral, no entanto, era propagandeada por José Serra (PSDB) como exemplo de
obra de urbanização. Também é alvo de diversos projetos de intervenção como uma
estação da Linha 17 – Ouro de monotrilho. Mas o que os moradores sentem nos
últimos 3 dias, além dos problemas estruturais que se mantém, são as violações
de direitos humanos praticadas por agentes do estado. Entre a especulação
imobiliária e o espetáculo midiático, moradores de Paraisópolis são humilhados.
“Eles estão aqui pra
mudar a mídia de rumo”, resume assertivamente um morador de 25 anos de
Paraisópolis. Em sua opinião, “querem encher a favela com um monte de polícia,
mostrar serviço, para encobrir o tanto de mortes que está acontecendo”,
referindo-se aos dados da Secretaria de Segurança Pública que indicam o
crescimento de 96% de homicídios no mês de setembro, em comparação com o mesmo
período do ano anterior.
“É um desvio de foco
diante do descontrole da segurança de São Paulo”, concluiu o morador Cláudio. A
reportagem decidiu alterar seu nome, já que ele chegou a esta conclusão depois
de ter sua casa invadida por soldados da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar) nesta terça-feira a noite e não se sente seguro com o trabalho feito
pelos policiais.
Cláudio chegava em casa com sua moto e ao tentar fechar o
portão foi abordado. Os policiais ficaram duas horas dentro de sua casa, o
ameaçando e pressionando a mãe de sua filha para que falasse alguma informação
que o incriminasse. Cláudio nunca cometeu delitos. Acredita que Alckmin “só
mandou polícia aqui porque é gente humilde, que trabalha, com todos os defeitos
e qualidades. Mas se fosse um parente dele aqui, ele não tinha mandado”.
Na versão da Secretaria de Segurança Pública (SSP) a
“Operação Saturação” tem objetivo de prender traficantes e membros do crime
organizado que estariam ordenando a morte de policiais na cidade. Conforme anda
a operação, os policiais alimentam os meios de comunicação com notícias dos
resultados.
No primeiro dia a PM prendeu Edson Ferreira dos Santos, o
Nenê, colocado como membro do Primeiro Comando da Capital (PCC). O boletim da
SSP desta quarta-feira anuncia a apreensão de 130 quilos de maconha, 16 quilos
de cocaína e 50 unidades de drogas sintéticas, 12 armas, e 196 munições.
O segundo morador ouvido pela reportagem, Antonio (nome
fictício) também foi vítima de abordagem policial violenta. Teve a casa
invadida e foi agredido pelos PMs. “Enfiaram a arma na boca, engatilharam três
vezes, me ameaçando de morte”, relatou. Antonio tem 23 anos e mora há 11 em
Paraisópolis. Nunca havia passado por isso, apesar de estar nas outras duas
operações semelhantes.
Seu vizinho, Jorge (nome fictício), além de protestar contra
as humilhações aos moradores, questiona porquê a polícia não utiliza melhor
seus serviços de inteligência. “Por que não vão direto nos caras? Eles sabem
muito bem onde são os pontos de venda”, disse o homem de 30 anos. Foi Jorge
então quem convidou os policiais para revistarem seu casa, com intuito de
comprovar que era trabalhador. Ele ficou sob a guarda durante uma hora, sua mãe
de 60 anos foi xingada e ao encontrarem o dinheiro de seu salario, os policiais
desconfiavam mais.
“Eu estou cansado que
nos tratem como marginal”, desabafa. Jorge comentou o processo de urbanização
utilizado nos comerciais tucanos. Ele acredita que “essas obras que prometem
para Paraisópolis são conversa para fortalecer quem já tem condição. Quem
precisa não está morando nos predinhos, por exemplo”. “Onde que o Serra
reurbanizou Paraisópolis? Tem lugar aqui que nem passa carro. Ele está
urbanizando um lado só, que fica perto dos barões. Colocam o prédio na frente
para esconder a favela atrás. O próprio pessoal dos prédios está trocando por
casa pois não tem condições de se manter. Assalariado não consegue pagar as
contas de luz, água e gás do prédio. Essas obras são de faixada”, diz, “querem
nos sufocar”, conclui.
Veja o depoimento de
três moradores de Paraisópolis
Antonio, 23 anos
Os policiais me acordaram, pegaram meu celular e ficaram
trocando mensagens com meu amigo, tentando descobrir algo. Enfiaram a arma na
boca, engatilharam três vezes, ameaçando de morte. Quando viram que eu morava
sozinho decidiu ir atrás do outro menino. Era 23h30 da noite, eu sozinho em uma
viela escura, três caras daqueles. Comecei a responder alto as perguntas que
faziam pra alguém da vizinhança ouvir. Eles mandavam eu falar baixo. Eles eram
da Rota, e, principalmente o comandante estava muito nervoso. Nada contra, mas
pelo nariz dele deu para perceber que tinha cheirado cocaína. Moro há 11 anos
aqui em Paraisópolis e nunca fui abordado deste jeito. É um constrangimento,
até pra minha família. Meu avô e minha mãe nem moram aqui, vieram para fazer
uns exames, e estão em estado de choque até agora dentro de casa. Eu moro
sozinho mas as casas são próximas. Sou trabalhador, tenho emprego. Eu estava
aqui nas outras operações Saturação, mas agora está sendo pior. Ele estão sendo
arrogantes de mais. Não querem saber de trabalhador e de gente honesta. Não sei
qual é a deles. Vêm como loucos e eu estava só chegando do trabalho. Eles
falavam: “porra nenhuma! Acha que estamos de brincadeira?”.
Invadiram minha casa, vasculharam todas as minhas coisas,
roupa por roupa, sofá, gavetas. Eles chegaram e disseram: “abre a porta!”, eu
não queria deixar que entrassem. Um deles ficou 20 minutos lá em cima no quarto.
Outro parceiro meu também teve a casa invadida. Esse governador é um lixo. E o
pessoal das reportagens também, que só falam o lado lindo da história. Não
falam o que acontece com gente honesta a noite.
Jorge, 30 anos
Já começaram a falar palavras absurdas para a minha mãe. Eu
falei que comprovaria que era trabalhador e que se eles quisessem poderiam
entrar na minha casa para averiguá-la. Eles disseram: “se tiver alguma coisa já
vai falando logo. Tão fudidos na nossa mão”. Eu respondi: “demorou então, faça
seu serviço”. Entraram no meu quarto, reviraram tudo, pegou meu dinheiro e
ficou olhando. “E esse dinheiro aqui?”, disse. Eu respondi que era meu e que eu
trabalhava. Peguei o dinheiro e coloquei na mão da minha mãe. O policial pegou
meu cartão de crédito e eu disse que também era meu. Ele nos segurou de meia
noite até às 1h.
Não acredito nesta história de que estão atrás de
traficantes. Se estivessem usariam a central de inteligência deles. Por que não
vão direto nos caras? Eles sabem muito bem onde são os pontos de venda. Um
deles falou que tinha morrido um policial aqui. Quando morre um policial
normalmente enche de polícia, mas até alguns dias atrás estava vindo a
quantidade normal de polícia. Eles usam os jornais deles pra falar que mataram
pessoas em reação pra poder acusar os outros. Um outro menino que trabalha
comigo foi revistado, estava atrasado, e ainda mandaram ele voltar pra casa.
Pra nós é normal eles nos enquadrarem, mas essa ideia de toque de recolher é
ideia deles. Nas reportagens você só vê imagens da avenida Giovanni Gronchi,
que é Morumbi, e já escracha na tela falando mau da favela.
Eu estou cansado que nos tratem como marginal. Se eu fosse,
já tinha corrido ou matado também. Minha mãe tem 60 anos. Um outro amigo também
foi abordado, pegaram a marmita dele, e falaram “quero que se foda a porra da
sua marmita”. Tem mais de meses que falaram que eles iam entrar aqui em
Paraisópolis. Só não sabíamos o dia e a hora. Moro aqui desde que nasci. Nas
outras operações eu estava, mas eles não estavam tão ignorantes assim. Na outra
operação eles vieram para roubar os outros. Levaram tudo.
Essas obras que prometem para Paraisópolis são tudo conversa
para fortalecer quem já tem condição. Quem precisa não está morando nos
predinhos, por exemplo. Onde que o Serra reurbanizou Paraisópolis? Tem lugar
aqui que nem passa carro. Ele está urbanizando um lado só, que fica perto dos
barões, colocam o prédio na frente para esconder atrás. O próprio pessoal dos
prédios está trocando por casa pois não tem condições de se manter. Assalariado
não consegue pagar as contas de luz, água e gás do prédio. Essas obras são de
faixada.
Cláudio, 25 anos, morador há 20 anos
"Fui abordado, infelizmente. Invadiram minha casa hoje
[terça]. Cheguei em casa, guardei minha moto, e quando fui fechar o portão eles
já começaram a embaçar. Chegaram entrando. Ficaram duas horas e meia.
Esculacharam a mãe da minha filha que mora do lado. Fizeram pressão nela pra
tentar arrancar alguma informação. Chamaram de vadia, disseram que iam prendê-la
e que sua filha seria levada. Eu acho isso uma palhaçada. Eles estão pegando só
trabalhador. Vi batendo em outro menino. A mãe da minha filha foi esculachada e
está chorando até agora. Eles estão excedendo o poder deles. Eles não querem
prender traficante porque isso eles já sabem quem é quem.
Eles estão aqui pra mudar a mídia de rumo. Está morrendo um
monte de gente e eles querem mudar a mídia de rumo. Querem encher a favela com
um monte de polícia para encobrir o tanto de mortes que estão acontecendo. Essa
é minha opinião. E acho que quem está matando eles, são eles mesmos. Acho que
são à paisana matando os fardados. E como a mídia só mostra a parte que
favorece eles, querem mostrar serviço dentro da favela. Nunca mostram o que
eles estão fazendo de ruim. Eu estou achando que é um desvio de foco diante do
descontrole da segurança de São Paulo. Porque está descontrolada a coisa.
Eu acho que se a mãe, filha, irmã, qualquer parente do
governador estivesse aqui ele não mandaria a polícia pra cá. Ele só mandou
polícia aqui porque é gente humilde, que trabalha, com todos os defeitos e
qualidades. Mas se fosse um parente dele aqui, ele não tinha mandado. Pois ele
sabe que a polícia funciona só descendo a lenha. Se você está num carro
blindado a polícia te dá atenção, mas se está na favela é pouca ideia. Sou
tratado como bandido. Não tenho nenhuma passagem na justiça. Mas sou tratado
como bandido automaticamente. Me condenam só de me olhar. Eu me preocupo pois
sei como eles funcionam. Sei de história de morte praticada por policiais. Se
fosse um trabalho justo, digno, até apoiaria. Mas como em anos atrás, a
injustiça continua da mesma forma".
Nenhum comentário:
Postar um comentário