Luis Nassif,
O delegado da Polícia Federal Luís Flávio Zampronha de
Oliveira indiciou três ex-dirigentes da Cemig e quatro funcionários que
trabalhavam na Superintendência de Comunicação Social da empresa, acusados de
autorizar pagamentos à agência de publicidade de Marcos Valério, como forma de
desviar dinheiro para a campanha de Eduardo Azeredo, em 1998. Mas ele
aparentemente se esqueceu de um detalhe: na época, a Cemig era dirigida, para
todos os efeitos, pelos chamados "parceiros estratégicos" que haviam
comprado 32,96% das ações com direito a voto, em maio de 1997. Quem eram esses
parceiros do governo de Minas na gestão da empresa? Eram, sobretudo, grandes
interessados na vitória de Azeredo, pois seu principal concorrente, Itamar
Franco, do PMDB, vinha declarando sua oposição ao acordo de acionistas que lhes
dera de mão beijada o controle da estatal.
Esses "parceiros estratégicos" têm nome. O mais
destacado hoje é o Banco Opportunity, que começou a operar em 1996. Foi fundado
por Daniel Dantas, que tinha como sócio um ex-presidente do Banco Central,
Pérsio Arida, e administrava fundos de pensão públicos. Os outros que formavam
com o Opportunity o consórcio Southern Electric Brasil Participações Ltda, eram
duas empresas de eletricidade dos Estados Unidos, a Southern Electric e a AES.
A venda da Cemig para esse consórcio foi conduzida pelo
vice-governador Walfrido dos Mares Guia, com apoio do então presidente do
BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros. O consórcio arrematou quase 33% das
ações ordinárias da Cemig por R$ 1,13 bilhão. Metade do dinheiro seria paga em
12 meses sem juros e, a outra metade, em 10 anos, com financiamento do BNDES,
que cobrava do consórcio juros de 3,5% ao ano.
Um negócio de pai para filho, mas tem mais: antes de
desembolsar qualquer dinheiro, os compradores receberam dividendos da Cemig,
concedidos retroativamente, no valor de R$ 500 milhões. O acordo de acionistas
previa que os acionistas receberiam dividendos de 50% dos lucros, o que
retirava da empresa a capacidade de fazer investimentos, mas era muito
vantajoso para o consórcio. Walfrido informou à revista Dinheiro, de 13 de
outubro de 1999, que a idéia de elevar o percentual de dividendos, de 25% para
50%, fora do presidente do BNDES. O secretário da Fazenda de Minas, João
Heraldo Lima, citado no meu artigo anterior, teria insistido nos 50% junto ao
escritório de advocacia contratado para redigir o acordo de acionistas.
Com apenas 33% do capital votante ou menos de 14% do capital
total, os "parceiros estratégicos" tinham o controle da empresa, pois
o acordo de acionistas previa que as decisões da Diretoria e do Conselho de
Administração só teriam validade se fossem aprovadas por unanimidade. Com um
terço do número de diretores e com quatro dos 11 conselheiros, os sócios
minoritários reunidos no consórcio poderiam vetar qualquer decisão.
Os representantes do consórcio na Diretoria da Cemig eram o
vice-presidente David Travesso Neto, o diretor de Produção e Transmissão Flávio
Antônio Neiva e o diretor de Suprimentos, Luís Antônio de Souza Batista. Eles
ficaram no cargo até o dia 7 de outubro de 1999, quando foram demitidos pelo
governador Itamar Franco.
Apesar do inegável poder desses diretores, o delegado
Zampronha achou que apenas o ex-presidente Carlos Eloy, o presidente interino
José da Costa Carvalho Neto (que ficou na presidência enquanto Eloy trabalhava
na coordenação da campanha eleitoral do governador) e o diretor de distribuição
Marco Aurélio Madureira da Silva (além de quatro jornalistas que trabalhavam na
Superintendência de Comunicação Social) eram os únicos responsáveis por
destinar à campanha de Azeredo, pelas mãos de Marcos Valério, R$ 1.673.981,90.
Está faltando alguém em Nuremberg...
Aliás, para quem, no governo Azeredo, facilitou a venda de
quase 33% das ações ordinárias da maior estatal mineira, deve ter sido
decepcionante receber para a campanha de reeleição do governador uma quantia
equivalente a menos de 0,34% dos dividendos pagos de cara aos compradores das
ações. Será que eles se conformaram com essa mixaria? Se a Polícia Federal
procurar bem, é possível que encontre em algum lugar o registro de um valor bem
mais significativo destinado à campanha eleitoral pelo Banco Opportunity e seus
sócios americanos. Afinal, naquele ano Daniel Dantas tinha motivos para estar
feliz com o governo Fernando Henrique Cardoso, que privatizou o Grupo Telebrás,
dando a ele uma boa fatia da estatal. Na Brasil Telecom, Dantas era sócio da
Telecom Itália e do Group Citi, tendo brigado com os dois sócios. O último
entrou em abril de 2005 com ação na Justiça de Nova York contra o sócio,
exigindo indenização de pelo menos US$ 300 milhões, alegando que havia
investido US$ 728 milhões no Fundo CVC Internacional, controlador de diversas
empresas de telefonia, entre elas a Brasil Telecom e administrado pelo
Opportunity, que não havia aportado nenhum tostão, ao contrário do estipulado
no contrato entre os sócios.
No mesmo dia, no Rio de Janeiro, a Polícia Federal indiciava
Daniel Dantas por formação de quadrilha, corrupção ativa e divulgação de
segredo. Ao mesmo tempo, ele perdia o controle da Brasil Telecom.
Para influenciar
políticos
Engenheiro e economista, 52 anos, Daniel Dantas começou a
subir na vida fazendo amizade com Antônio Carlos Magalhães e outros políticos
do PFL baiano. Foi sócio de Nizan Guanaes na agência de publicidade DM9.
Durante as investigações da CPI dos Correios, revelou-se que a Telemig Celular
e a Amazônia Celular, controladas pelo Opportunity, eram dois dos principais
clientes das empresas de publicidade de Marcos Valério, o operador de
pagamentos feitos a parlamentares no governo petista. As duas empresas
controladas por Daniel Dantas, realizaram, em conjunto, pagamentos da ordem de
R$152,45 milhões às agências de Marcos Valério, desde o ano 2000, e algumas
notas fiscais emitidas pela Telemig Celular sumiram, "não se podendo ainda
comprovar com exatidão a natureza dos serviços prestados pelas empresas do Sr.
MARCOS VALÉRIO", diz o relatório da CPI. E acrescenta: "Constatou-se,
ainda a partir da transferência de sigilo do investigado MARCOS VALÉRIO e de
suas empresas, depósitos efetuados pela BRASIL TELECOM à empresa SMP&B
Comunicação Ltda no valor de R$ 3.936.161,00 e à DNA PROPAGANDA no valor de R$
823.529,00".
O relatório da CPI afirma ainda que "DANIEL DANTAS
necessitava influenciar políticos para que pudesse manter o controle das
citadas empresas durante e após sua destituição da administração de recursos de
fundos de pensão das grandes empresas estatais".
Curioso, não? Não teria ocorrido a mesma coisa na Cemig?
Itamar Franco, logo que assumiu o governo, em 1999, entrou
com ação no Tribunal de Justiça de Minas, para desfazer o acordo de acionistas
e retomar para o Estado o controle da Cemig -- mas não as ações vendidas ao
consórcio. Em outubro de 1999, o TJ concedeu liminar favorável a Itamar, que
imediatamente demitiu os três diretores representantes do consórcio. Hoje
Itamar, sem partido, é presidente do Conselho de Administração do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais, convidado pelo tucano Aécio Neves, que nada
tem a temer da parte dele. Em maio de 2002, quando faltavam sete meses para o
fim do governo Itamar Franco, que apoiaria a candidatura de Aécio à sua
sucessão, a composição acionária da Cemig com direito a voto era a seguinte:
Governo do Estado 50,96%; Southern Electric Brasil Participações Ltda (aí
incluído o Banco Opportunity), 32,96%; outros: 16,08.
Apesar da presença desses estranhos nesse ninho tucano, reina
a paz na Cemig, até onde se sabe. A empresa encerrou o primeiro semestre deste
ano com lucro líquido de R$ 922 milhões, um valor capaz de deixar muito
contente qualquer acionista, por mais que ele fale em inglês e pense em dólar.
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