O aspecto mais importante que pode ter a campanha eleitoral
em São Paulo não é sua nacionalização ou não. Ela será sobredeterminada pelas
condições nacionais. É verdade que são duas concepções políticas do que se quer
para o Brasil que estarão em jogo. Mas há outro aspecto, mais concreto e
específico, que assume maior importância.
Por um conjunto de fatores Sao Paulo tornou-se o bastião do
conservadorismo nacional, expressado nos governos tucanos no estado e na
prefeitura da capital. A esquerda nunca decifrou as razões dessa hegemonia, que
permitiu a eleição e reeleição sucessiva de tantos governadores tucanos e os
dois mandatos Serra-Kassab.
Todo os argumentos evocados têm elementos de realidade mas
nenhum deles por si só da conta da dimensão do fenômeno, nem sequer a soma
deles. Se trata de um elemento de dimensões muito grandes que o Estado de maior
desenvolvimento econômico, com a classe trabalhadora mais numerosa, com a maior
população imigrante do nordeste, o Estado com os maiores contrastes sociais
entre riqueza e pobreza, por tanto o de maior desigualdade, o Estado onde
nasceram o PT e a CUT, onde está situado o ABC – que esse Estado, em plenos
governos vitoriosos nacionais do PT, tenha se consolidado como bastião da
direita no Brasil.
Estávamos acostumados a situar os setores mais conservadores
do país nas regiões mais atrasadas, de menor desenvolvimento econômico, de
controle político dos coronéis – de que o nordeste era o exemplo clássico.
Quando a oposição democrática se fortaleceu, o núcleo de maior resistência a
esses avanços e de maior apoio à ditadura estavam basicamente no nordeste.
Dois fenômenos foram alterando esse quadro. Por um lado, a
“modernização” da direita, promovida pelos tucanos em aliança com o então PFL,
tendo as bandeiras neoliberais como programa fundamental. Se deslocavam as
questões sociais e as do desenvolvimento econômico para a centralidade do
mercado: consumo e disputa pela ascensão social através da competição no
mercado.
Ao mesmo tempo, se promovia a mais brutal fragmentação do
mundo do trabalho, enfraquecendo os sindicatos e a capacidade reivindicativa
dos trabalhadores. Estigmatizava-se o Estado, a política, os partidos, os
movimentos sociais e tudo o que estivesse mais além do indivíduo e do mercado.
Por outro lado, a prioridade das políticas sociais
transformou profundamente as regiões mais pobres do país, do ponto econômico e
social, mas também do ponto de vista político, fazendo com que revertesse o seu
sentido político nacional: de bastião da direita a bastião da esquerda.
Mas as transformações ocorridas no mundo na era neoliberal
promoveram tambem uma imensa transformação ideológica regressiva no país e no
mundo, contando com o monopólio da mídia, com a multiplicação do estilo de vida
norteamericano, centrado nos shopping-centers, na publicidade e na papel das
TVs comerciais e com os próprios governos tucanos. Tudo isso ainda é
insuficiente para dar conta de como governos neoliberais conseguiram se
perpetuar tanto tempo.
No caso do interior, outros fatores contam, ente eles tanto a
riqueza de certas regiões, enquanto a capital concentra as maiores contradições
e desigualdades de todo pais.
A hegemonia tucana se consolidou muito mais no estado do que
na cidade. Mesmo assim, Serra derrotou a Dilma no primeiro turno das eleições
presidenciais e aumentou sua vantagem no segundo, o que, se não torna Serra
automaticamente favorito para as eleições municipais, pelo menos dá ideia da
força que os tucanos passaram a ter também na cidade, mesmo em um marco
nacional que caminha em direção oposta.
Combinando o governo do Estado, a capacidade de cooptação
e/ou de neutralização de setores populares, a núcleo direitista tradicional de
São Paulo, a que se somaram amplos setores de classe media antipetista, mais a
maquina de imprensa praticamente sem brechas com que contam os tucanos, além da
fragmentação social e das lutas populares e da incapacidade da esquerda – até
aqui – de construir uma força popular de resistência – produziram o quadro de
hegemonia tucana.
A nova derrota de Serra, o desgaste da administração Kassab,
somados à força crescente do governo federal, permitem o surgimento de um novo
cenário politico. Mas ele não surgirá apenas a capacidade de estabelecer
alianças e da propaganda dos feitos do governo federal. A própria atitude da
campanha opositora – apelando para o kit do Mec, o aborto, alegando que vão
tentar impedir a consolidação do “chavismo” no Brasil, etc. – revela que a
esquerda tem que enfrentar as questões de valores que a direita coloca, não
esquivando-se apenas, para diminuir os desgastes eleitorais. Se não, uma vez
mais, ficará refém das forças conservadoras.
O que está em jogo não é o futuro do Brasil. O que está em
jogo é o futuro de São Paulo como cidade. Se continuará a ser uma cidade da
exclusão social, da discriminação, do racismo, da crueldade social, da
exclusão, ou se se tornará uma cidade para todos, da integração, da
solidariedade, da prioridade das políticas sociais.
Como consequência também determinará se continuará a ser o
feudo do conservadorismo ou se se integrará ao amplo movimento de
democratização social que vive o Brasil.
Postado por Emir Sader
Nenhum comentário:
Postar um comentário