Indagação. Quando foi que a máscara caiu?
Há dez anos a mídia apresentava José Serra, candidato à
Presidência da República pelo PSDB, como cidadão “preparado”. À época, meus
dedutivos botões esclareceram que, segundo editorialistas, colunistas,
articulistas, todos os demais candidatos eram “despreparados”, a começar,
obviamente, por Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-operário metido a sebo. Dez
anos depois, o cenário do quartel de Abrantes não mudou.
Os jornalões paulistas vivem em êxtase diante da decisão de
José Serra de concorrer à prefeitura de São Paulo.
Parece, até, que o nosso herói se tornou ainda mais
“preparado”, o próprio diz representar uma visão distinta do Brasil e da
política que convém ao País, em defesa da democracia e da fé republicana,
ameaçadas pelo petismo no poder. Na corte tucana, não falta quem denuncie o
projeto “chavista” posto em prática pelo partido de Lula e Dilma. Deste, Chávez
é o profeta. Palmas febris dos jornalões.
Qualquer partido que atue sobre esta nossa medíocre bola de
argila a girar em torno do Sol visa ao poder para manter-se nele quanto mais
puder. Talvez Serra tenha esquecido que, ao eleger Fernando Henrique Cardoso, o
tucanato urdia o plano de permanecer na cúspide da pirâmide, a contemplar a nação
do alto, pelo menos por 20 anos. Temo, porém, que o candidato tenha esquecido
coisas mais. Evitarei o pieguismo de evocar as crenças que o moviam na
juventude. Refiro-me, simplesmente, ao senso do real.
Hóspede da minha cozinha, há dez anos Serra mostrou-se
preparado a consumir risotto ai funghi da lavra do acima assinado, tivesse mais
espaço, eu declinaria a receita. De todo modo, o convidado apreciou, enquanto
afirmava que em matéria de política social, se eleito, seria muito mais ousado
do que Lula. Illo tempore considerava-o um amigo. Tenho motivos para entender
que não perdoou a opção de CartaCapital pela candidatura do ex-operário. Salvo
raríssimas exceções, os jornalistas nativos e seus patrões estavam com Serra.
Como neste exato instante.
Certos apoios custam caro. Não sei, porém, se a observação no
caso faz sentido. Há tempo, Serra soube insinuar-se nas graças dos patrões, em
primeiro lugar destes antes que dos jornalistas. Melhor ser amigo do rei. A
esta altura, admito que uma afinação perfeita se instalou entre o político e
quem agora o promove, em função, precisamente, de uma invejável harmonia de
ideias e propósitos. Trata-se, tudo indica, de uma convergência natural, de um
acerto espontâneo. Diria mesmo fatal porque inescapável.
Serra, não menos que o mundo mineral, está em condições de
registrar o óbvio: a mídia nativa representa o reacionarismo mais retrógrado e
preconceituoso. Não triunfam ali os mais genuínos valores democráticos e
republicanos, Serra sabe disso. E então, o que o leva a se colocar à direita da
direita? Pelos atalhos da vida, às vezes os homens enterram o seu passado,
honroso ou não, em nome de interesses contingentes ou de impulsos d’alma,
redentores ou interesseiros.
Certo é que essa mídia a favor da treva, com extrema coerência,
é preciso reconhecer, silencia, por exemplo, a respeito das denúncias do livro
A Privataria Tucana, na singular certeza de que não aconteceram os fatos por
ela deixados de noticiar. Os fatos, ora os fatos… No libelo do repórter Amaury
Jr. há provas de mazelas vergonhosas que incriminam Serra. Vale a pena
ignorá-las, contudo, a bem do privilégio na terra dos herdeiros da casa-grande.
E assim queira o seus dos prepotentes e dos hipócritas.
O candidato Serra acaba de anunciar que seu sonho de
Presidência da República está adormecido até 2016. Ou seja, se for prefeito,
cumprirá seu mandato por completo. Fernando Henrique achava o sonho aposentado
de vez, mas, já que o homem resiste, mudou de ideia. Supõe, arrisco-me a crer,
que vencedor em São Paulo, o velho companheiro de tucanagens ganhará cacife
para voltar à carga ao sabor do intuito supremo. Veremos o que veremos. Resta a
evidência: o PSDB assumiu o papel outrora arcado pela UDN velha de guerra e
José Serra figura à perfeição como seu candidato ao que bem entender.
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