Por Vanessa Gil
Com a proximidade do Dia internacional da Mulher somos
bombardeadas (os) com imagens de
mulheres reproduzindo os papéis que lhes foram impostos nos espaços privados:
mãe, esposa e filha. Na mídia, as propagandas e anúncios dão a impressão de que quase todos poderiam ser
reaproveitados para as comemorações do Dia das Mães. No espaço público é
valorizada pelas qualidades que adquiriu nos cuidados com a família: a trabalhadora é sensível como as mães,
organizada como as donas de casa e assim por diante. Mas esse ideal da mulher
cuidadora em nada reflete os reais fatos que levaram ao oitavo dia de
março ser dedicado às mulheres. A data
foi escolhida por ter sido nela em que as mulheres russas iniciaram aquela que
seria, com seus equívocos e acertos, a maior revolução do século 20.
O papel das mulheres na Revolução 1917 foi apagado da
história. Durante quase um século tivemos como referência, para o inicio das
comemorações do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulheres, o incêndio
ocorrido nos Estados Unidos onde trabalhadoras de uma indústria têxtil morreram
queimadas. Tal fato realmente ocorreu, mas nada há de ligação entre esse triste
dia e o início das comemorações.
A partir de novas pesquisas, sabemos que a criação de um Dia
Internacional das Mulheres foi proposto
na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague, em
1910. Ainda sem dia definido, acontecia
em diferentes datas ao redor do mundo. Foram as mulheres russas que fizeram do
oito de março um dia tão marcante, conforme conta Trotsky:
“O dia 23 de fevereiro (8 de março no calendário russo,
orientado pelo calendário juliano) era o Dia Internacional da Mulher. Os
círculos da social-democracia tencionavam festejá-lo segundo as normas
tradicionais: reuniões, discursos, manifestos. Na véspera, ainda ninguém
poderia supor que o Dia da Mulher pudesse inaugurar a Revolução. Nenhuma
organização preconizara greves para aquele dia, tal foi a linha preconizada
pelo Comitê na véspera do dia 23, e parecia ter sido aceita por todos. No dia
seguinte, pela manhã apesar de todas as determinações, as operárias têxteis de
diversas fábricas abandonaram o trabalho e enviaram delegadas aos metalúrgicos,
solicitando-lhes que apoiassem a greve. Foi contra a vontade, escreve Kayurov,
que os bolcheviques entraram na greve, secundados pelos operários mencheviques
e socialistas-revolucionários. Visto
tratar-se de uma greve de massas, não havia outro remédio senão fazer com que todos descessem rua e
tomar a frente do movimento. Ninguém, absolutamente ninguém, supunha que o dia
23 de fevereiro marcaria o início de uma assalto decisivo contra o
absolutismo.”(Gonzalez, 2010, p.55)
Ou seja, foi o protesto e a organização das mulheres contra a
guerra que tirava a vida de seus filhos e maridos, aumentava a escassez de
alimentos, a fome e o descaso do governo czarista, que levou em dois dias mais
de 190 mil mulheres às ruas em Petrogrado. A partir das suas reivindicações, da
força de seu protesto, surgiu vitoriosa a Revolução Russa. E como afirma a
pesquisadora Ana Isabel Álvarez Gonzalez:
“Foi para relembrar a ação das mulheres na história da
Revolução Russa que o Dia Internacional das Mulheres passou a ser comemorado de
forma unificada no dia 8 de março. A decisão de unificação da data foi tomada
na Conferência de Mulheres Comunistas, coincidindo com o congresso da Terceira
Internacional, realizado em Moscou em 1921...” (2010, p. 15)
Sendo a história escrita até hoje pelas mãos dos vencedores,
a luta das mulheres nas trincheiras desapareceu. Pouco se fala sobre seu papel
na Comuna de Paris, poucos sabem das Marianas, nome dado ao pelotão de mulheres
que venceu ao lado de Che Guevara e Fidel Castro, em Cuba. A história apagou a
luta feminina do cenário oficial. Mas ela existiu, existe e sempre existirá,
uma vez que é improvável que, sendo metade da população mundial, não exista em
parte alguma vozes e consciências femininas a reivindicar o reconhecimento de
seu protagonismo, sua autonomia, sua liberdade, sua história.
Inventar novas versões para a fatos históricos é, desde
muito, umas das principais formas para perpetuar a dominação. Desvendá-los é a
melhor forma de rompê-la. Por isso
devemos sempre voltar a falar das origens do oito de março.
Vanessa Gil é socióloga, pós-graduada em Pensamento Marxista.
Referência: As origens e a comemoração do Dia Internacional
das Mulheres. Ana Isabel Álvarez González. São Paulo: Expressão Popular ‐ SOF ‐ Sempreviva Organização Feminista,
2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário