segunda-feira, 12 de março de 2012

Eles não querem a verdade


Para evitar a reconstituição de episódios da ditadura, oficiais orquestram uma crise militar, mas são repreendidos pelo governo, que aguarda punição
Octávio Costa e Michel Alecrim
 INSURGÊNCIA
Presidentes do Clube Naval, Veiga Cabral, da Aeronáutica, Almeida Baptista, e o general da reserva Luiz Cesário Filho (da esq. para a dir.) assinaram manifesto em que censuram a presidenta Dilma Rousseff e atacam ministras dos Direitos Humanos e da Secretaria das Mulheres
No momento em que a presidenta Dilma Rousseff está prestes a nomear os integrantes da Comissão da Verdade e o governo decide reclassificar documentos em obediência à Lei de Acesso à Informação, oficiais da reserva, que atuaram na repressão durante a ditadura, tentam de maneira orquestrada criar uma crise militar para impedir a reconstituição dos fatos históricos. Na primeira investida, conseguiram a adesão dos presidentes do Clube Militar, do Clube Naval e do Clube da Aeronáutica. Mas, depois que essas entidades voltaram atrás, os críticos da Comissão da Verdade ficaram isolados em sites obscuros na internet, nos quais sustentam as violações dos direitos humanos que cometeram principalmente depois do AI-5, editado em dezembro de 1968. O governo acompanha o movimento com discrição, por considerar que o pior caminho seria descer ao nível de seus opositores. Em audiência no Senado, na terça-feira 6, o ministro da Defesa, Celso Amorim, abordou a questão com frieza. “A Comissão da Verdade foi objeto de muita negociação e o governo respeitará o que foi pactuado”, disse ele.
O primeiro ataque dos descontentes com a verdade ocorreu no dia 16 de fevereiro, com a divulgação de um manifesto assinado pelos presidentes dos Clubes Militar, o Naval e da Aeronáutica, respectivamente general Cesar Tibau da Costa, o vice-almirante Antonio Veiga Cabral e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista. O texto faz carga contra a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e a nova ministra da Secretaria de Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci. Diz que Maria do Rosário, em entrevista, assegurou a possibilidade de as vítimas da ditadura pedirem na Justiça a responsabilização dos agentes repressores, o que contraria decisão do STF. Em relação à ministra Eleonora, os militares a acusam de ter homenageado em seu discurso de posse os colegas que “tombaram durante a refrega”. E lamentam que a presidenta Dilma Rousseff, como mandatária maior da Nação, não tenha discordado.
Tratava-se de um desafio à autoridade da presidenta. E assim foi entendido pelo Palácio do Planalto. Dilma manifestou sua irritação ao ministro da Defesa, Celso Amorim, ao qual são subordinados os comandantes militares. Amorim, que já havia feito contato com o comandante do Exército, Enzo Peri, pediu providências, lembrando que o regimento das Forças Armadas também se aplica aos oficiais da reserva. Por ordem de Peri, a nota foi retirada do site do Clube Militar. “Houve uma conversa sobre o assunto, sem pressões”, justifica-se o general Cesar Tibau da Costa. Já o presidente do Clube Naval, o vice-almirante Veiga Cabral, garantiu que havia rejeitado o texto. Segundo ele, a publicação do manifesto prejudicaria os planos de discutir com o ministro Amorim temas prioritários como “o reequipamento das Forças Armadas e a reposição salarial dos militares”.
Como a crise militar não ganhou mais força, o que restou, por ora, foi a orquestração de um pequeno grupo da reserva, influenciado pelo coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI/Codi. No site “A verdade sufocada” continua a circular o texto dos clubes militares, mas com uma nota de abertura que diz não reconhecer a autoridade do ministro Celso Amorim. O texto recebeu cerca de mil adesões, mas existem no Brasil mais de 140 mil militares da reserva. Diante da afronta e da indisciplina, Amorim aguarda a punição prevista no regimento, que vai da advertência à cadeia. “Todos nós brasileiros temos de respeitar a lei. O assunto encontra-se nas mãos dos comandantes militares”, diz o ministro.
Para a presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, os signatários do manifesto perderam o bonde da história. “Eles têm medo de dizer o que fizeram nos porões da ditadura”, afirma. O historiador Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense, diz que “os militares estão se colocando acima da lei”. Uma fonte do governo Dilma lembra que Brilhante Ustra só continua em liberdade graças à interpretação do STF sobre a Lei da Anistia. Na Argentina ou no Chile, o ex-comandante do DOI/Codi já estaria na prisão.

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