Para evitar a reconstituição de episódios da ditadura,
oficiais orquestram uma crise militar, mas são repreendidos pelo governo, que
aguarda punição
Octávio Costa e Michel Alecrim
INSURGÊNCIA
Presidentes do Clube Naval, Veiga Cabral, da Aeronáutica,
Almeida Baptista, e o general da reserva Luiz Cesário Filho (da esq. para a
dir.) assinaram manifesto em que censuram a presidenta Dilma Rousseff e atacam ministras
dos Direitos Humanos e da Secretaria das Mulheres
No momento em que a presidenta Dilma Rousseff está prestes a
nomear os integrantes da Comissão da Verdade e o governo decide reclassificar
documentos em obediência à Lei de Acesso à Informação, oficiais da reserva, que
atuaram na repressão durante a ditadura, tentam de maneira orquestrada criar
uma crise militar para impedir a reconstituição dos fatos históricos. Na
primeira investida, conseguiram a adesão dos presidentes do Clube Militar, do
Clube Naval e do Clube da Aeronáutica. Mas, depois que essas entidades voltaram
atrás, os críticos da Comissão da Verdade ficaram isolados em sites obscuros na
internet, nos quais sustentam as violações dos direitos humanos que cometeram
principalmente depois do AI-5, editado em dezembro de 1968. O governo acompanha
o movimento com discrição, por considerar que o pior caminho seria descer ao
nível de seus opositores. Em audiência no Senado, na terça-feira 6, o ministro
da Defesa, Celso Amorim, abordou a questão com frieza. “A Comissão da Verdade
foi objeto de muita negociação e o governo respeitará o que foi pactuado”,
disse ele.
O primeiro ataque dos descontentes com a verdade ocorreu no
dia 16 de fevereiro, com a divulgação de um manifesto assinado pelos
presidentes dos Clubes Militar, o Naval e da Aeronáutica, respectivamente
general Cesar Tibau da Costa, o vice-almirante Antonio Veiga Cabral e o
brigadeiro Carlos de Almeida Baptista. O texto faz carga contra a ministra da
Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e a nova ministra da
Secretaria de Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci. Diz que Maria do
Rosário, em entrevista, assegurou a possibilidade de as vítimas da ditadura
pedirem na Justiça a responsabilização dos agentes repressores, o que contraria
decisão do STF. Em relação à ministra Eleonora, os militares a acusam de ter
homenageado em seu discurso de posse os colegas que “tombaram durante a
refrega”. E lamentam que a presidenta Dilma Rousseff, como mandatária maior da
Nação, não tenha discordado.
Tratava-se de um desafio à autoridade da presidenta. E assim
foi entendido pelo Palácio do Planalto. Dilma manifestou sua irritação ao
ministro da Defesa, Celso Amorim, ao qual são subordinados os comandantes
militares. Amorim, que já havia feito contato com o comandante do Exército,
Enzo Peri, pediu providências, lembrando que o regimento das Forças Armadas
também se aplica aos oficiais da reserva. Por ordem de Peri, a nota foi
retirada do site do Clube Militar. “Houve uma conversa sobre o assunto, sem
pressões”, justifica-se o general Cesar Tibau da Costa. Já o presidente do
Clube Naval, o vice-almirante Veiga Cabral, garantiu que havia rejeitado o
texto. Segundo ele, a publicação do manifesto prejudicaria os planos de
discutir com o ministro Amorim temas prioritários como “o reequipamento das
Forças Armadas e a reposição salarial dos militares”.
Como a crise militar não ganhou mais força, o que restou, por
ora, foi a orquestração de um pequeno grupo da reserva, influenciado pelo
coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI/Codi. No
site “A verdade sufocada” continua a circular o texto dos clubes militares, mas
com uma nota de abertura que diz não reconhecer a autoridade do ministro Celso
Amorim. O texto recebeu cerca de mil adesões, mas existem no Brasil mais de 140
mil militares da reserva. Diante da afronta e da indisciplina, Amorim aguarda a
punição prevista no regimento, que vai da advertência à cadeia. “Todos nós
brasileiros temos de respeitar a lei. O assunto encontra-se nas mãos dos
comandantes militares”, diz o ministro.
Para a presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília
Coimbra, os signatários do manifesto perderam o bonde da história. “Eles têm
medo de dizer o que fizeram nos porões da ditadura”, afirma. O historiador
Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense, diz que “os
militares estão se colocando acima da lei”. Uma fonte do governo Dilma lembra
que Brilhante Ustra só continua em liberdade graças à interpretação do STF
sobre a Lei da Anistia. Na Argentina ou no Chile, o ex-comandante do DOI/Codi
já estaria na prisão.
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