Francisco Alves Filho
José Mariano Beltrame é uma unanimidade. À esquerda e à
direita, sobram elogios ao trabalho de pacificação das favelas cariocas.
Ironicamente, Beltrame ganhou notoriedade ao trocar o velho discurso da ordem
por conceitos de cidadania. Após a instalação de 19 UPPs no Rio de Janeiro, o
delegado reafirma a opção. Segundo ele, só o atendimento das demandas sociais
dos moradores vai garantir uma paz duradoura. Na entrevista a seguir, Beltrame
diz que a aprovação de um piso salarial nacional para os policiais causaria
problemas em vários estados, acha difícil uma discussão sobre o direito de
greve dos PMs e nega qualquer intenção de disputar uma eleição. “A polícia me
moldou de uma forma muito rigorosa. É preciso na vida flexibilizar, mas acho
que a política flexibiliza demais.”
CartaCapital: Como o senhor vê as manifestações de policiais
de todo o Brasil pela aprovação da PEC 300, que estabelece um piso salarial
nacional para a categoria?
José Mariano Beltrame: A PEC 300 está baseada na realidade da
polícia do Distrito Federal, que tem bons salários. Mas quem paga por aquela
polícia é a União e não os estados. Se o Congresso aprovar, tenho certeza de
que a maioria dos governos estaduais não vai poder pagar. Os governadores vão
provar facilmente que não têm caixa para isso. Mais uma vez, o policial vai se
frustrar, por ver uma iniciativa aprovada e não executada. Um país do tamanho
do nosso, com 27 polícias diferentes e realidades diversas, tem de ampliar essa
discussão. Acho que é possível estabelecer um piso salarial, mas o valor mínimo
do Acre não pode ser o mesmo do Rio Grande do Sul ou Rio de Janeiro.
CC: Como o governo federal poderia ajudar os governadores
nesse assunto?
JMB: A questão salarial das polícias é competência dos
estados. O que não impede a União de criar mecanismos para ajudar. O Pronasci
era um pouco isso. Havia bolsas de incentivo à formação dos policiais. O
ministro anterior acenou com a bolsa Copa e a bolsa olímpica, gratificações que
o governo federal daria até o evento e dali para a frente o estado assumiria.
Essas não foram em frente e as bolsas formação estão praticamente no fim. No
Rio, tínhamos cerca de 30 mil policiais no programa e a gratificação equivalia
a mais de metade do salário. Essa perda salarial também influiu nessas últimas
manifestações.
CC: O que o senhor acha da reivindicação de direito de greve
para os policiais?
JMB: Não vejo problema em discutir. Mas veja: pela
Constituição, as polícias são militares e civis. As polícias militares do
Brasil querem continuar assim, não vejo reivindicação para mudar esse aspecto.
E os militares têm um regime disciplinar todo especial. Não se pode tratar um
policial militar pelo regime disciplinar civil.
CC: Quando assumiu a secretaria, o senhor repetia muito a
palavra “ordem” nas entrevistas e agora fala mais em “cidadania”. O que mudou?
JMB: Não mudou nada. Não existe cidadania sem ordem. Havia no
Rio um discurso cínico de que a prefeitura e o estado não podiam entrar em
determinadas áreas porque havia o domínio dos criminosos. Agora os prestadores
de serviço podem entrar e levar a cidadania, porque a ordem foi restabelecida.
CC: Qual a importância dessa ação social para o sucesso das
UPPs?
JMB: Sempre digo que a polícia não vai fazer a pacificação sozinha.
É aquela velha regra: quanto mais demandas sociais eu atendo, menos polícia eu
preciso. O sucesso das UPPs depende fundamentalmente da entrada dos serviços
sociais nessas áreas. Esse é o grande segredo. A polícia está lá abrindo uma
porta para que aquelas pessoas sejam atendidas, para que o restante da
sociedade pague a dívida de décadas com elas. Acabamos entregando ao prefeito e
ao governo do estado uma cidade maior para tomar conta. Acho que a sociedade
acordou para isso, embora as ações sociais ainda não estejam sendo implantadas
na velocidade ideal. Mas isso é um processo em andamento.
CC: Por que usar as Forças Armadas para fazer o trabalho de
polícia, como acontece no Complexo do Alemão, se isso não está previsto na
Constituição?
JMB: É preciso colocar tudo num contexto. Houve focos de
incêndio no Rio logo após a reeleição (do governador Sérgio Cabral). O serviço
de inteligência nos relatou que aquilo seria uma reação à permanência da
política de segurança. Diante daquela situação de emergência, apuramos que o
centro da ação era a Vila Cruzeiro. Teríamos de entrar lá. Mas se iríamos para
o confronto, o ideal seria entrar e permanecer na região. Pelo nosso
planejamento, não teríamos, porém, efetivo para manter a área ocupada. Aí
surgiu a oportunidade de o Ministério da Defesa ajudar.
CC: Não acha um precedente perigoso?
JMB: É uma excepcionalidade, uma construção do ex-ministro
Nelson Jobim, que criou uma Operação Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
específica para o caso. Antes, as Forças Armadas estavam no comando e o verbo
“comandar” era usado em sua acepção. Agora, não temos lá o Exército e sim uma
força de pacificação, formada pelo Exército, policiais militares e uma
delegacia de polícia.
CC: O efetivo do Exército é bem maior.
JMB: Sim, eles têm 2 mil soldados e nós temos 200 policiais
militares. Mas acredito que o próprio Exército não tem interesse de permanecer
nessa função. Está visto por todos que a Segurança Pública é algo muito
complicado. De todo modo, agora em março, o Exército começa a sair de lá e até
junho não teremos mais as Forças Armadas no Alemão.
CC: O senhor pretende instalar 40 UPPs até o fim deste
mandato. Os recursos financeiros para isso estão garantidos?
JMB: Temos apoio privado específico para as UPPs. O
empresário Eike Batista investe 20 milhões por ano. Ele não nos dá dinheiro.
Nós entregamos projetos para ele, que contrata os serviços, faz o que é
necessário e nos dá a chave. Temos também parceiras como a Firjan, o Sesi, a
Light… O projeto das UPPs não envolve grandes custos, é preciso apenas recursos
para contratar policiais e manter uma folha de pagamento.
CC: Como avalia o problema das milícias?
JMB: É algo que me preocupa mais que o tráfico, por ser
formado por policiais. Apesar de serem crimes diferentes, o enfrentamento das
milícias segue a mesma lógica do combate aos traficantes. É preciso fazer a
reconquista do território. À medida que o Estado recupera essas áreas tomadas
pelo crime, tanto traficantes quanto milicianos perdem a força.
CC: Sua popularidade tem rendido convites para concorrer como
candidato em eleições futuras?
JMB: Não tenho interesse em política. A polícia me moldou de
uma forma muito rigorosa. É preciso na vida flexibilizar e eu estou aprendendo
a ser flexível. Mas eu acho que a política flexibiliza demais. É algo que me
faria sofrer.
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