Jornal do Brasil - Igor Mello
Governantes, intencionalmente ou não, podem fazer sociedades
inteiras se tornarem paranóicas. Essa é a principal mensagem que o renomado
psicanalista italiano Luigi Zoja trouxe em sua palestra "Aspectos
Coletivos da Paranóia", realizada neste sábado, no Centro de Estudos e
Pesquisas do Envelhecimentono, no Rio. O intelectual tira esta conclusão de seu
mais recente livro, "Manhã de Setembro: o Pesadelo Global do
Terrorismo", no qual faz reflexões sobre o Estados Unidos pós-11/09.
Zoja vivia em Nova York quando dois aviões foram atirados por
terroristas da Al Qaeda nas torres do World Trade Center, matando quase 3 mil
pessoas:
Luigi Zoja realizou uma palestra no Rio de Janeiro durante
sua terceira passagem pelo Brasil e falou sobre a volta do fascismo na Europa,
em entrevista ao JB. Fotos: Douglas Shineidr / Jornal do Brasil
"O mais preocupante, naquela situação, era a política do
medo. De se eleger um inimigo e tentar exterminá-lo a todo custo. Nós, como
psicanalistas, deveríamos dedicar mais atenção não ao fenômeno clínico da
paranóia, mas sim na maneira como ela pode aprisionar as massas", reflete.
Segundo o especialista, uma das constatações que o espantaram
após os atentados terroristas foi a presença massiva de termos com óbvio
caráter paranóico nos meios de comunicação de massa norte-americanos:
"O que me deixou com medo é o quanto eles usavam a
palavra conspiração na política e na mída dos Estados Unidos. Os islâmicos
viraram a grande ameaça, e o Iraque foi escolhido como bode espiatório. A
paranóia tem isso, de apontar um inimigo e puní-lo, mesmo que haja apenas a
suspeita. E o Iraque foi punido, mesmo que a acusação de manter um arsenal de
armas de distruição em massa fosse mentira", afirma.
Após o evento, promovido pelo Instituto Junguiano do Rio de
Janeiro, o psicanalista concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil:
JB: Entre os seus exemplos de influência da paranóia, está a
crescente onda de nacionalismos e racismos na Europa. O senhor acha que há
risco do facismo voltar a ser relevante?
Zoja: O perigo é muito grande. Na França, um terço dos
operários, que historicamente votam em representantes socialistas, afirma que
vai votar na candidata facista Marine Le Pen. E isso também é notado em outros
países da Europa, com um despertar do racismo e dos movimentos anti-imigração.
Como disse Régis Debray, A economia é global, mas os homens são tribais.
Vivemos a era do localismo, algo ainda mais restrito que o nacionalismo.
JB: O senhor critica os meios de comunicação de massa por
ajudarem a criar um clima de paranóia em diversos países. É possível mudar ou
essa é uma característica inata deste tipo de comunicação?
Zoja: Os meios de comunicação de massa têm um tanto de
paranóia. É bom lembrar que, até bem pouco tempo atrás, o povo da Inglaterra
consumia os produtos de Rupert Murdoch em escala impressionante. Depois que os
escândalos a respeito dele ganharam repercussão mundial, os ingleses ficaram
paralizados, mas não querem saber mais sobre isso. Neste caso, nem foi uma
paranóia política, mas sim de expor a vida do outro, espionar. Mas esses barões
da mídia, desde o Século XIX, perceberam que é muito mais lucrativo oferecer
esse tipo de informação supersimplificada, comercialmente falando.
JB: O senhor cita especificamente Hitler, Stalin e George W.
Bush como exemplos de líderes paranóicos que acabaram contaminando uma grande
parcela da população de seus países. É possível observar esse tipo de conduta
mesmo em governantes que não sofrem deste tipo de transtorno?
Zoja: É difícil distinguir o quanto é interesse. Mas posso
afirmar que o líder pode não ser paranóico, mas toda sociedade tem um potencial
desse tipo. E muitas vezes as pessoas, por interesse, trabalham para despertar
esse tipo de característica.
JB: A crescente tensão entre Israel e Irã talvez seja hoje a
principal ameaça à paz mundial. A postura de Benjamin Netanyahu, que incentiva
seguidamente às potências ocidentais a apoiarem um ataque preventivo, também
pode ser encarada sob a sua ótica?
Zoja: A ideia de ataque preventivo, por si só, é paranóica.
Mas este caso é diferente do Iraque, porque de fato os iranianos possuem um
programa nuclear, então fica difícil saber o quanto é paranóia e o quanto é
informação verdadeira. Um ataque talvez até seja a melhor opção, se de fato
vier a evitar uma guerra nuclear entre as duas nações. Mas, de qualquer forma,
o governo israelense utiliza-se disso para contaminar toda sua sociedade. Mesmo
que o perigo iraniano seja real, a postura israelense vai de encontro à
conspiração.
JB: No Rio de Janeiro, nós temos muitos problemas com a
criminalidade urbana e é muito comum ver, nos noticiários, expressões como
"guerra" e "poder paralelo". O senhor acredita que os
governantes que comandaram o Rio de Janeiro ao longo das últimas décadas
transformaram o tráfico em um inimigo?
Zoja: Eu não gosto disso, o uso da palavra guerra neste tipo
de contexto já comprova, em si mesmo, um ato de paranóia evidente. Quando falamos
em guerra, estamos transformando o outro no mal absoluto, com o qual não há
espaço para diálogo.
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