Na lógica de Danuza, proteção pune domésticas
Tal qual os senhores de escravos do século XIX, que diziam
que os negros não poderiam ser libertados, pois seriam entregues à própria
sorte, a colunista Danuza Leão, da Folha, argumenta que a PEC das Domésticas,
aprovada pelo Senado Federal, na verdade pune tais profissionais, uma vez que,
com maiores direitos trabalhistas, como FGTS e adicional noturno, elas serão
dispensadas pelas patroas.
Nota deste blogueiro:
O Brasil tem o maior número de empregadas domésticas registradas do mundo
(...) Segundo a OIT, existiriam pelo
menos 52,6 milhões de pessoas trabalhando como domésticas. 83% delas são
mulheres. Em termos regionais, a Ásia é a líder no número de domésticas, com
41% das trabalhadoras do mundo. Na América Latina, elas representam 37% do
total mundial. - leia aqui
247 - No século XIX, os escravocratas tinham um discurso na
ponta da língua. Negros não podiam ser libertados porque, sem a proteção dos fazendeiros,
que, afinal de contas, lhes devam abrigo e alimentação, seriam entregues à
própria sorte. Neste domingo, aquele velho discurso ecoou na Folha de S. Paulo,
na coluna da escritora Danuza Leão, que já viveu seus dias de glória como
socialite.
No texto "A PEC das empregadas", Danuza escreve
sobre o projeto de lei aprovado em primeiro turno pelo Senado Federal, que
amplia direitos de tais profissionais, com a exigência de benefícios como o
recolhimento de FGTS e o pagamento de FGTS. Ela prevê que o projeto, se não for
bem discutido, colocará muita gente no olho da rua, uma vez que as patroas da
classe média alta não conseguirão manter o privilégio – que, aliás, não existe
em boa parte do mundo civilizado, que Danuza bem conhece.
Recentemente, Danuza já havia escrito que viajar a Paris e
Nova York havia perdido a graça, porque havia o risco de dar de cara com o
porteiro do prédio (leia mais aqui). Aparentemente, a socialite ainda não se
acostumou com um Brasil em que as fronteiras sociais se movem e não são as
mesmas do seu tempo.
Leia, abaixo, a coluna de Danuza: A PEC das empregadas
Essa Pec das empregadas precisa ser muito discutida; como foi
mal concebida, assim será difícil de ser cumprida, e aí todos vão perder.
A intenção de dar as melhores condições à profissional, faz
com que seja quase impossível que o empregador tenha meios de cumprir com as
novas leis; afinal, quem vai pagar esse salário é uma pessoa física, não uma
empresa.
Vou fazer alguns comentários sobre as condições -diferentes-
em que trabalham as domésticas aqui e em países mais civilizados.
Vou falar da França e dos Estados Unidos, que são os que mais
conheço. Lá, quem mora em apartamento de dois quartos e sala, é considerada
privilegiada, mas nenhum deles tem área de serviço nem quarto de empregada
(costuma existir uma área comunitária no prédio com várias máquinas de lavar e
secar, em que cada morador paga pelo tempo que usa); uma família que vive num
apartamento desses tem -quando tem- uma profissional que vem uma vez por
semana, por um par de horas.
É claro que cada um faz sua cama e lava seu prato, e a
maioria come na rua; nessas cidades existem dezenas de pequenos restaurantes, e
por preços mais do que razoáveis.
Apartamentos grandes, de gente rica, têm quarto de empregada
no último andar do prédio (as chamadas "chambres de bonne", que
passaram a ser alugadas aos estudantes), ou no térreo, completamente separados
e independentes da família para quem trabalham.
Essas domésticas -fixas e raras- têm salario mensal, e sua
carga horária é de 8 horas por dia, distribuídas assim: das 8h às 14h
(portanto, 6 horas seguidas) arrumam, fazem o almoço, põem a casa em ordem. Aí
param, descansam, estudam, vão ao cinema ou namoram; voltam às 19h, cuidam do
jantar rapidinho (lá ninguém descasca batata nem rala cenoura nem faz refogado,
porque tudo já é comprado praticamente pronto), e às 21h, trabalho encerrado.
Mas no Brasil, muitos apartamentos de quarto e sala têm
quarto de empregada, e se a profissional mora no emprego, fica difícil
estipular o que é hora extra, fora o "Maria, me traz um copo de
água?". E a ideia de dar auxílio creche e educação para menores de 5 anos
dos empregados, é sonho de uma noite de verão, pois se os patrões mal conseguem
arcar com as despesas dos próprios filhos, imagine com os da empregada.
Quem vai empregar uma jovem com dois filhos pequenos, se
tiver que pagar pela creche e educação dessas crianças? É desemprego na certa.
Outra coisa esquecida: na maior parte das cidades do Brasil
uma empregada encara duas, três horas em mais de uma condução para chegar ao
trabalho, e mais duas ou três para voltar para casa, o que faz toda a
diferença: o transporte público no país é trágico. Atenção: não estou dando
soluções, estou mostrando as dificuldades.
Na França, quando um casal normal, em que os dois trabalham,
têm um filho, existem creches do governo (de graça) que faz com que uma babá
não seja necessária, mas no Brasil? Ou a mãe larga o emprego para cuidar do
filho ou tem que ser uma executiva de salário altíssimo para poder pagar uma
creche particular ou uma babá em tempo integral, olha a complicação.
Nenhum país tem os benefícios trabalhistas iguais aos do
Brasil, mas isso funciona quando as carteiras das empregadas são assinadas, o
que não acontece na maioria dos casos; e além da hora extra, por que não
regulamentar também o trabalho por hora, fácil de ser regularizado, pois pago a
cada vez que é realizado? Se essa PEC não for muito bem discutida, pode acabar
em desemprego.
P.S.: É difícil saber quem saiu pior na foto esta semana: se
d. Dilma, dizendo em Roma que a culpa pelas tragédias de Petrópolis se deve às
vítimas, que não quiseram sair de suas casas, ou se Cristina Kirchner, pedindo
ajuda ao papa no assunto das Malvinas.
Leia, ainda, o texto da Agência Brasil, sobre a PEC das
Domésticas:
Mariana Jungmann - Repórter da Agência Brasil - Brasília
O plenário do Senado aprovou hoje (19), por unanimidade em
primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que amplia os
direitos trabalhistas dos empregados domésticos, conhecida como PEC das
Domésticas. Foram 70 votos favoráveis e nenhum contrário. Foi aprovada apenas
uma emenda de redação, de modo que a matéria conserva o texto enviado pela
Câmara dos Deputados.
O texto estende aos empregados domésticos 16 direitos assegurados
hoje aos demais trabalhadores urbanos e rurais regidos pela Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), incluindo obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), hora extra e adicional noturno. Além
disso, passa a ser obrigatório o aviso prévio de 30 dias antes de demissão sem
justa causa ou de pedido de demissão por parte do trabalhador. A categoria
reúne 6,6 milhões de brasileiros, sendo a maioria formada por mulheres (6,2
milhões).
Por acordo entre o presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), e os demais senadores foram quebrados os interstícios necessários
para a votação em primeiro turno. A votação em segundo turno foi marcada para a
próxima semana, na terça-feira (26). Se o texto da Câmara for mantido também na
próxima votação, a matéria seguirá para promulgação.
Posted by Paulo Cavalcanti
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